Grupo de cientistas pede isolamento só de idosos e vulneráveis à covid-19
A proposta é assinada por milhares de pessoas, pesquisadores e médicos, mas é condenada por especialistas
Lucas Agrela
Publicado em 7 de outubro de 2020 às 11h20.
Última atualização em 7 de outubro de 2020 às 20h22.
Uma carta aberta elaborada por um grupo internacional de cientistas, e assinada por outros 3 mil pesquisadores, 4 mil médicos e 65 mil pessoas, pede o isolamento apenas de idosos e pessoas no grupo de risco para a covid-19, a doença infecciosa causada pelo novo coronavírus . O isolamento seletivo, defendido há meses pelo presidente Jair Bolsonaro, é fonte de críticas por ser inviável na prática. Idosos e vulneráveis, afinal, moram com jovens saudáveis, e ficam em risco de qualquer forma.
O manifesto é chamado “ The Great Barrington Declaration ” e argumenta que a quarentena para conter a pandemia tem causado efeitos negativos na saúde pública e também para a saúde mental da população. O documento foi elaborado por Sunetra Gupta, da Universidade de Oxford, Jay Bhattacharya, da Universidade de Stanford, e Martin Kulldorff, da Universidade de Harvard.
A proposta é causar o efeito conhecido como “imunidade de rebanho” apenas na população mais jovem. Desse modo, com um grande percentual da população infectado e com anticorpos para a doença, as pessoas vulneráveis à covid-19 não seriam infectadas pelo vírus.
"Uma abordagem mais compassiva, que equilibra os riscos e benefícios de alcançar a imunidade de grupo, é permitir que aqueles que estão em risco mínimo de morte vivam a vida normalmente para construir imunidade ao vírus por meio da infecção natural, ao mesmo tempo que protege melhor aqueles que estão em maior risco. Chamamos isto de Protecção Focalizada", segundo o documento.
Em maio, quando a Revista EXAME publicou uma reportagem sobre a estratégia, uma das soluções apontadas seria o isolamento total por duas semanas para acabar com a pandemia.
Um modelo matemático criado por Rubens Lichtenthäler Filho, professor de física nuclear na Universidade de São Paulo, e seu filho, Daniel, que é médico, estima que o distanciamento social no Brasil, reduziu a taxa de contágio. “Do ponto de vista matemático, se a taxa de transmissão chegasse a zero, 14 dias depois o vírus teria desaparecido”, afirmou Lichtenthäler, à época.
Em outra reportagem, o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, ex-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), disse que se o contágio chegar a 70% da população, o vírus deixa de circular -- mas pode voltar algum tempo depois, devido a novos nascimentos ou imigrações. “Se 0,36% das pessoas morrerem, vão morrer mais de 529 mil pessoas no Brasil. A imunidade de manada é muito cara. No resto do mundo, o mesmo aconteceria”, disse Vecina, considerando a estratégia de imunidade de rebanho para toda a população, sem práticas de distanciamento social. Um exemplo que indica a possibilidade da imunidade de rebanho está em Manaus, que teve 66% da população infectada pelo novo coronavírus.
No Twitter, o epidemiologista Gregg Gonsalves, da Universidade de yale, nos Estados Unidos, condenou estratégias de imunidade de rebanho ao afirmar elas são sobre “abater o rebanho de doentes e deficientes”, o que chamou de “grotesco”.
Apesar de avanços significativos com pesquisas sobre tratamentos com medicamentos como o Remdesivir, ligação de casos graves com baixos níveis de vitamina D e uma corrida mundial pelo desenvolvimento de uma vacina -- uma delas prometida para 15 de dezembro em SP --, ainda não há outra forma comprovada de conter a pandemia do novo coronavírus a não ser o uso de máscaras e práticas de medidas de distanciamento social.