Atividade física e lazer protegem o cérebro de danos do Alzheimer
As atividades contribuem para a construção de reservas estruturais e funcionais do cérebro, que protegem o órgão de lesões que causam prejuízos cognitivos
Isabela Rovaroto
Publicado em 8 de fevereiro de 2019 às 12h41.
O estímulo a atividades físicas, sociais e de lazer em idosos e pacientes com doença de Alzheimer pode ajudar a preservar funções cognitivas e retardar manifestações clínicas de demência, como a perda da memória. É o que indicam estudos recentes. Isso porque esses estímulos podem contribuir para construção de reservas estruturais e funcionais do cérebro, protegendo o órgão de lesões que causam prejuízos cognitivos.
Um novo estudo, feito na Universidade de São Paulo (USP) e na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, com apoio da FAPESP, comprovou a hipótese.
Os pesquisadores constataram que a estimulação cognitiva e física de camundongos transgênicos envelhecidos – em situação que simula o início tardio do surgimento da doença de Alzheimer – protegeu o cérebro da deposição de placas senis e causou uma melhora na memória espacial dos animais. Os resultados do trabalho foram publicados na revista Frontiers in Aging Neuroscience.
“Observamos que a estimulação foi suficiente para interromper a formação de placas senis e promover uma ligeira melhoria na memória espacial dos animais”, disse Tânia Araújo Viel, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e coordenadora do projeto, à Agência FAPESP.
Ela conta que surgiram diversas evidências nos últimos anos de que a doença de Alzheimer é mais pronunciada em pessoas que tiveram menos estímulos cognitivos, sociais e físicos durante suas vidas. Esses estímulos promoveriam mudanças morfológicas e funcionais no cérebro, que levariam à amplificação de funções cognitivas.
A fim de avaliar essa hipótese, os pesquisadores analisaram os efeitos da estimulação cognitiva e física na memória espacial e na formação de placa senil em camundongos transgênicos em fase tardia de vida – com mais de oito meses de idade – com elevada expressão de uma forma mutante da proteína precursora do peptídeo beta-amiloide em humanos.
A produção excessiva desse peptídeo causa o aumento de placas senis no cérebro, que é uma das principais características patológicas da doença de Alzheimer. “Estima-se que o aumento da carga do peptídeo beta-amiloide no cérebro precede o início da doença em, aproximadamente, 20 anos”, disse Viel.
Os pesquisadores colocaram camundongos transgênicos e outro grupo de camundongos do tipo selvagem – que não superexpressavam a proteína precursora do peptídeo beta-amiloide – em gaiolas com diferentes tipos de estímulos físicos e cognitivos.
Esses ambientes eram compostos por escadas, rodas de exercícios, bolas e objetos com diferentes tamanhos, cores e texturas, que eram trocados a cada dois dias. Já outros dois grupos de camundongos transgênicos e selvagens foram colocados em gaiolas sem receber nenhum desses estímulos.
Os animais foram mantidos nesses ambientes entre os oito e os 12 meses de idade, quando começam a apresentar as placas senis características da doença de Alzheimer. Após o período de quatro meses, eles foram submetidos à avaliação de atividade motora, por meio de sensores, e de memória espacial, por meio de um teste chamado labirinto de Barnes. Nesse teste é avaliado o tempo que o animal leva para localizar a saída de uma arena com 30 furos igualmente espaçados em torno da borda – sendo que apenas um leva à caixa de fuga – após um período de aprendizagem para descobri-la.
Os resultados dos testes mostram que os camundongos transgênicos expostos ao ambiente enriquecido apresentaram uma redução de 24,5% no tempo para entrar na caixa de escape uma semana após o período de aprendizagem em comparação com os camundongos transgênicos que não receberam estímulos. “Isso sugere que eles tiveram uma ligeira melhora na memória espacial”, disse Viel.
Ao analisar amostras do tecido cerebral de animais de cada grupo, os pesquisadores também constataram que camundongos transgênicos expostos ao ambiente enriquecido apresentaram uma redução de 69,2% na densidade total de placas senis em comparação com os que não receberam estímulos.
Além disso, apresentaram um pequeno aumento na densidade de uma proteína do tipo sequestradora que se localiza em micróglias, que são células imunes do sistema nervoso central. Essa proteína sequestradora ajuda na degradação do peptídeo beta-amiloide.
A redução da concentração de placas senis no cérebro dos animais foi maior na parte dorsal do hipocampo, que está relacionada à formação da memória espacial, observaram os pesquisadores.
“A estimulação dos camundongos envelhecidos pelo ambiente enriquecido durante quatro meses levou à formação de uma reserva cognitiva que protegeu o cérebro dos animais da deposição de placas senis. E isso promoveu melhoria na memória espacial”, disse Viel.
Cães e humanos
Na avaliação dos pesquisadores, o estudo corrobora que a estimulação cognitiva, social e física pode ser complementar às atuais abordagens farmacológicas no tratamento da doença de Alzheimer.
Esses estímulos podem alterar o metabolismo cerebral, reduzir a neuroinflamação e a reatividade dos astrócitos – as células mais abundantes do sistema nervoso central – e proteger o órgão do acúmulo de peptídeos amiloides e da formação de placas senis. Apesar de não serem imediatos, os benefícios dessas mudanças podem ser observados a longo prazo, ressalvam os autores do estudo.
“O estudo comprova que mudanças positivas no estilo de vida podem promover a neuroplasticidade do cérebro e contribuir para construção de uma reserva cognitiva durante o envelhecimento, por exemplo”, disse Viel.
Viel faz atualmente um estágio de pesquisa no Buck Institute for Research on Aging na Califórnia, nos Estados Unidos, com bolsa da FAPESP.
Durante o estágio, ela tem estudado a ação do lítio em microdose em astrócitos humanos derivados de células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs, do inglês induced pluripotent stem cells) – uma tecnologia em ascensão, com potencial para promover a denominada “medicina individualizada”, de modo a aprimorar os efeitos terapêuticos e reduzir efeitos colaterais.
“A alteração do estilo de vida também inclui a utilização de nutracêuticos [alimentos que, além de nutrir, podem ter outros efeitos benéficos à saúde] para a construção da reserva cognitiva, que é um efeito semelhante ao observado com o enriquecimento ambiental”, disse.
Os pesquisadores também têm conduzido estudos comparativos com amostras de sangue de cães jovens e velhos para avaliar se há diferenças em biomarcadores cerebrais, também detectados no sangue nesses animais.
O próximo experimento que pretendem fazer será para avaliar se o ambiente enriquecido também altera os marcadores sanguíneos relacionados à memória desses animais e de seres humanos. Com isso, pretendem verificar se as diferenças nos biomarcadores cerebrais e sanguíneos que observaram em camundongos também são encontradas em cães e humanos.
“Já temos algumas evidências de que sim, mas estamos fazendo, agora, uma espécie de varredura de vários marcadores biológicos para comprová-las” disse Viel.
A escolha do cão doméstico como modelo para esse tipo de estudo se deve ao fato de que o animal tende a ter um estilo de vida muito parecido com o do dono. Se o dono for fisicamente ativo, o animal também tende a ser mais ativo, indicam estudos recentes.
“Queremos avaliar se há uma diferença de biomarcadores cognitivos desses animais com outros que ficam mais presos em casas ou apartamentos, por exemplo”, afirmou.
O artigo Enriched environment significantly reduced senile plaques in a transgenic mice model of Alzheimer’s disease, improving memory (doi: 10.3389/fnagi.2018.00288), de Janaina Balthazar, Natalia Mendes Schöwe, Gabriela Cabett Cipolli, Hudson Sousa Buck e Tania Araujo Viel, pode ser lido na revista Frontiers in Aging Neuroscience em www.frontiersin.org/articles/10.3389/fnagi.2018.00288/full.