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Profissão: liderar corrida para depois desistir

Arrancar na frente dos outros, liderar a prova por um bom tempo para depois... desistir! Esta é a vida de um coelho na corrida

Coelho costuma ser contratado para o trabalho pelos organizadores da prova, interessados em acelerar as marcas e testemunhar recordes (Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 24 de abril de 2012 às 11h21.

São Paulo - Madison Square Garden, Nova York, 28 de janeiro de 2011: os cerca de 10000 espectadores assistiam de pé enquanto Bernard Lagat tentava ultrapassar Deresse Mekonnen, nas duas últimas curvas da Wanamaker Mile, tradicional prova de milha (1600 metros) nos Estados Unidos.

Naquele momento, um esbaforido corredor chamado Matt Scherer acabara de sair da prova, descendo em direção à área interna da pista para assistir, de mãos na cintura, ao resto da competição. Era o instante em que etíope Mekonnen mantinha à distância, com 3min58s58, o queniano Lagat, que já fora oito vezes vencedor da competição.

Um homem ali por perto segurou a regata ensopada de suor que Scherer lhe entregava, mas sua expressão era de alguém confuso, como se perguntasse: “Esse cara não estava participando da corrida?” De fato, Scherer, outrora atleta da Universidade do Oregon, havia feito uma transição tão perfeita de participante a espectador que muitos observadores sequer haviam notado a saída dele no meio da prova.

O ato de Scherer foi um tipo de truque mágico, algo bastante adequado, considerando que ele é um “coelho”. Em distâncias curtas, como os 800 metros, ou longas, como as maratonas, a tarefa do coelho é liderar a corrida até determinado ponto (metade da corrida, normalmente), dando duro enquanto os outros corredores se concentram apenas em seguir o ritmo dele e, desse modo, economizam energia. Quando atinge a distância predeterminada, o coelho sai (para a direita ou esquerda da pista, dependendo do que for atrapalhar menos a corrida) e fica no banco assistindo ao restante da prova.

Anjos e Demônios

O coelho costuma ser contratado para o trabalho pelos organizadores da prova, interessados em acelerar as marcas e testemunhar recordes. Mas não são poucos aqueles que os consideram uma afronta ao espírito esportivo, diametralmente opostos à ética do “participar para vencer”. Eles estão lá para correr só um pedaço do caminho em um ritmo alucinante, inviável para ser sustentado por toda a prova — e levar um dinheiro por isso.


A opinião anticoelho persiste, por exemplo, nas maratonas de Nova York e Boston, que proíbem a prática. "Grande parte [dos nossos atletas de elite] conhece estratégia, a maioria sabe como buscar uma vitória e como fazer dela a prioridade máxima", diz Mary Wittemberg, presidente da New York Road Runners, ao anunciar em 2007 a proibição dos coelhos a partir de então.

Mas não pense que eles estão à beira da extinção. As maratonas de Chicago, Londres e Berlim usam coelhos, e Roterdã chega a contar com meia dúzia deles (as quatro estão entre as maratonas mais rápidas do mundo). Coelhos do sexo masculino foram usados em maratonas femininas, como quando Paula Radcliffe bateu o recorde mundial, com 2h15min25, na Maratona de Londres em 2003. E mesmo onde os coelhos não são bem-vindos, lá estão eles: em Nova York e Boston, jovens quenianos e etíopes marcam o ritmo para os veteranos de sua nacionalidade, compondo uma espécie de sociedade secreta dos coelhos não oficiais.

Existe desagrado, mas nem tanto por parte dos competidores: a maioria acha que os coelhos, ao correr num ritmo constante, auxiliam todo mundo. "Acho que nenhum de nós se irrita com os marcadores de ritmo", diz Ryan Hall, o maratonista norte-americano de 28 anos que terminou em décimo na Olimpíada de Pequim, em 2008. "Eles trabalham juntos, sem dúvida, mas não há nada errado com isso. E me ajudaram a conseguir meu melhor tempo, então sou grato por seu esforço."

Relógio Interno

Marcus O'Sullivan reprovava os coelhos — até que ele mesmo acabou virando um. Após uma temporada desanimadora em 1992, foi requisitado para ser coelho de uma prova de 1 500 metros em Zurique, Suíça. "Para ser honesto, senti como se estivesse me vendendo", disse O'Sullivan, quatro vezes atleta olímpico dos EUA e cinco vezes vencedor da Wanamaker Mile.

Ao conversar com a esposa Mary O'Sullivan sobre suas dúvidas, ouviu algo decisivo: "Você não está ficando mais jovem". A marcação de ritmo abriu os olhos de O'Sullivan para a velocidade em que ele de fato era capaz de correr saindo na frente. "Isso me deu um novo horizonte" — e o ajudou a prolongar a vida nas pistas até 1998, quase aos 37 anos de idade.


Animados com esses predecessores, a maioria dos marcadores contemporâneos se vê como parte de uma tradição antiga, orgulhosa e necessária. Para eles, o "coelhismo" é atividade para a qual são privilegiados (pois têm um bom relógio interno). Programam treinos com esse objetivo, tendendo, por exemplo, a correr voltas dentro do que acreditam que serão os tempos recomendados. Admitem que a dificuldade do treino é menor do que se praticassem para competir, mas o aspecto mental é crucial.

Nos dias que antecederam a prova no Madison Square Garden, Scherer assistiu no YouTube às cinco edições anteriores da Wanamaker e fez anotações conforme se concentrava em sua estratégia de coelho. "Descobri que na Wanamaker a gente gasta mais energia tentando permanecer na raia, porque as curvas são extremamente fechadas", diz o atleta, que nunca havia participado de uma prova no Garden. "Se você está na linha entre as raias 1 e 2, tudo bem." Esses detalhes são, por assim dizer, cenouras para o coelho.

Matt Scherer acertou ganhar 1 000 dólares pelo trabalho, e assim fica difícil enriquecer. Contudo, se continuar nessa nova escolha vocacional, pode ganhar de 3 000 a 5 000 dólares numa corrida de rua de renome. Em comparação, na maior prova da qual ele já participou como competidor regular (os 800 metros da Prefontaine Classic de 2008), finalizou em sétimo lugar e ganhou um prêmio de apenas 200 dólares. Estava percebendo que não conseguiria ir muito além da sétima posição nessas provas, então fez as contas e viu que ser coelho era mais lucrativo.

É bastante improvável que houvesse coelhos nas primeiras competições olímpicas. Entretanto, quando o mundo começou a ficar fascinado pela corrida, no início dos anos 1950, a questão do ritmo era assunto quente. Roger Bannister, formado em medicina, tratou como experimento científico sua meta de se tornar o primeiro a completar 1 milha em menos de 4 minutos — e os marcadores de ritmo foram essenciais ao plano do estudante britânico.

Na verdade, Bannister trouxe dois coelhos na cartola para a pista de Iffley Road, em Oxford, na tarde de 6 de maio de 1954, quando finalizou com 3min59s4. O colega de equipe Chris Basher conduzira-os pelas primeiras duas voltas; Chris Chataway conduziu-o pela terceira volta e metade da quarta. Só deu Bannister na linha de chegada.


Enquanto isso, do outro lado do mundo, seu ferrenho concorrente australiano John Landy resistia assiduamente contra o uso de marcadores de ritmo, enquanto tentava (em vão) derrotar Bannister na barreira dos 4 minutos.

Correndo Atrás

Bannister sabia, como todos os corredores, que a marcação de ritmo resulta em tempos mais rápidos. O raciocínio por trás do uso dos coelhos era — e continua sendo — composto por três ideias básicas.

Em primeiro lugar, fisiologicamente é mais fácil correr atrás do que na frente dos outros. Você, por exemplo, protegesse do vento. "Uma boa estimativa é que o esforço seja 15% menor quando se corre atrás de alguém", diz David Krummenacker, que já foi campeão mundial dos 800 metros e atualmente é um dos mais conceituados coelhos de pista do mundo.

Em segundo, psicologicamente também é mais fácil correr atrás. Khadevis Robinson, corredor norte-americano dos 800 metros que no ano passado começou a ser coelho em provas de milha durante sua reabilitação de lesões, afirma: "Se você lidera uma corrida desde o início, as chances de vencê-la são ínfimas ou nulas".

E o mesmo se aplica às maratonas. As variações de ritmo podem até resultar em ótimas corridas, mas não em tempos espetaculares. As maratonas que geralmente produzem os tempos mais velozes são aquelas em que os coelhos não são persona non grata (não é coincidência que grande parte dos recordes mundiais atuais tenha sido estabelecida em Londres, Berlim e Roterdã).

De fato, quando Haile Gebrselassie almejou o recorde mundial da maratona em Berlim, em 2008, era como se a Páscoa estivesse acontecendo em setembro: ele tinha nada menos que quatro quenianos no papel de seus coelhos. Um a um foram saindo da corrida, e Geb marcou o recorde de 2h03min59.

Pop Star

Os coelhos normalmente são figuras pouco conhecidas, que residem na periferia do mundo das pistas. Uma exceção é David Krummenacker. Bastante conhecido e respeitado nos Estados Unidos, ele é um dos nomes preferidos para marcar o ritmo da prova da milha de Wanamaker.


Em julho de 2010, por exemplo, Krummenacker foi coelho de uma (notavelmente veloz) prova de 1 500 metros da Liga de Diamante, o principal circuito mundial do atletismo, em uma etapa em Mônaco. Nela, marcou para Silas Kiplagat (3min29s27), do Quênia, para Amine Laalou (3min29s53), do Marrocos, e para Andrew Wheating, da Universidade do Oregon, que correu os 1.500 metros em 3min30s90, o quarto tempo mais rápido já feito por um norte-americano.

Se é escalado como coelho em meia dúzia de corridas em estádios e em mais outras tantas ao ar livre, Krummenacker consegue obter ganhos na casa das centenas de milhares de dólares. E nunca, segundo ele, ficou incomodado ao ver o próprio nome (que um dia já esteve entre os melhores do circuito mundial) marcado em vermelho na lista de competidores com um "não finalizou a prova".

"Existe uma camaradagem entre os corredores, um sentimento de querer ajudar o colega, e isso se estende aos marcadores de ritmo", diz Krummenacker. "No meu dicionário, 'coelho' não é insulto."

A carreira de Krummenacker na nova função começou na temporada de provas de rua em 2009, quando seu agente, Mark Wetmore, ligou para perguntar se ele queria a tarefa de marcar o ritmo em dois eventos — o de 800 metros e o de 1 milha — na Aviva Grand Prix Race, em Londres, no mês de julho. "Por que não?", pensou.

Seus dias de ápice como competidor já tinham se encerrado. Ele descobriu ser bom com ritmos pré-estabelecidos e seu treinamento permitiu que atingisse com apenas meio segundo de diferença os tempos de volta requisitados. Terminada a competição, os vencedores lhe deram os parabéns por proporcionar a eles o que se conhece como "ritmo honesto". Assim entrou ele no jogo e dele tornou-se parte.

Quando o Coelho Falha...

Diretores de prova e atletas de elite adoram coelhos experientes como Krummenacker, pois podem contar com a consistência no desempenho deles. Entretanto, devido a contratempos de última hora, a lesões e à escassez de marcadores qualificados, às vezes encontrar um coelho para a prova pode virar correria de última hora.


Foi o que o organizador Tom Jordan descobriu na prova Prefontaine Classic de 2005, ao acreditar quando um agente lhe disse que uma queniana, Eunice Chepkirui Kirwa, poderia marcar os 1 500 metros numa pista lotada com 16 competidoras, entre as quais a estrela britânica Paula Radcliffe, e que prometia ser rápida.

Mas a corrida foi tudo menos rápida, e o problema principal foi com a "lebre". Quando Eunice começou a fraquejar antes de completar os 800 metros combinados, permaneceu na prova decidida a completar a tarefa designada. O resto das corredoras deveria tê-la ultrapassado, mas também seguiam um roteiro e ficaram atrás da marcadora.

Porém, ela estava mais devagar que o planejado. Uma competidora chegou a tropeçar em Eunice. Dentre as baixas, houve cinco que não finalizaram (Eunice, inclusive) e uma vitória a passo de tartaruga, com 4min09s45. "Foi uma aula sobre como o coelho pode ser importante numa prova", afirma Jordan — para o bem e para o mal.

No momento em que um coelho põe os pés na linha de partida, ele tem instruções específicas sobre em qual ritmo deve correr durante a primeira metade da prova. Essas instruções são comunicadas a ele (diretamente ou através do treinador ou agente) pelo diretor do evento, que por sua vez já consultou o favorito (ou os favoritos) da corrida sobre o ritmo a ser pedido ao coelho.

Às vezes, entretanto, o coelho descobre ser peão num jogo de xadrez envolvendo os principais concorrentes. Com Krummenacker, isso chegou a ocorrer uma vez na própria linha de partida. "Um cara se aproximou e disse: 'Ei, eu sei que essa prova tem de ser veloz, mas alguns de nós não estão se sentindo bem hoje, então você pode ir mais devagar'." Ele sabia, no entanto, que aquele corredor queria manipulá-lo e não alterou o ritmo.

Entretanto, houve ocasiões em que, bem antes da prova, Krummenacker ouviu a mesma mensagem de alguns corredores, dizendo achar que o ritmo pedido era rápido demais. Ele conta que procurou o diretor do evento e disse: "Veja: eu sou capaz de correr nessa velocidade, mas ninguém vai conseguir me acompanhar, e não vai ser muito bonito".


Então o diretor lhe disse para reduzi-la em alguns segundos. É um ato delicado de equilíbrio (um "lugar intermediário", como o próprio Krummenacker classifica) para o coelho, que acaba sendo obrigado a se reunir com os diretores, para conseguir trabalhos, e também com os atletas, em prol da confiança competitiva. "Quanto mais você faz isso", diz ele, "mais confiança vai sentir."

Mas o mais difícil para um coelho é decidir o que fazer quando os outros corredores não o acompanham. Mesmo com todo o planejamento pré-prova, os corredores que tentam vencer tomarão suas próprias decisões. "É o elemento-surpresa", diz Krummenacker.

Tirando a Cartola

Dedicado a servir, um coelho deve abdicar de seu espírito competitivo. Seu tempo de competidor de elite ficou para trás. Como qualquer coelho diria: a razão pela qual eles marcam ritmo é que o trecho final tornou-se difícil de transpor. Então, durante um trecho da prova, é como se fossem atletas de primeiro nível — mas isso não dura até a linha de chegada.

Mas há noites em que a magia dos coelhos parece estar no ar. Krummenacker recorda-se dos 1 500 metros em Zurique, em 2009, quando ele e outro coelho, Peter van der Westhuizen, da África do Sul, ficaram surpresos com a própria margem de liderança ao saírem nos 800 e 1 200 metros, respectivamente. "Eu sinceramente não sei se conseguiria ter vencido", diz Krummenacker. "Entretanto, com certeza fiquei desapontado naquela noite por não ido até o fim."

É compreensível. Afinal, os coelhos já foram vencedores em algum nível antes de se tornarem marcadores de ritmo. Através das eras, pouquíssimos marcadores estiveram em posição de realizar aquela grande fantasia dos coelhos, que é ganhar uma prova. Quando isso acontece, é manchete nos jornais.

O norte-americano Tom Byers era conhecido principalmente pelo estilo cabeludo bicho-grilo quando competia nos 1 500 metros ao fim da década de 70 e início da de 80. Era um dos melhores do mundo, mas classificado abaixo dos principais atletas de meia distância, entre os quais estavam Steve Ovett, Steve Cram e John Walker. Por esse motivo, Byers foi selecionado para ser o coelho desses três competidores numa pista repleta de astros em junho de 1981, no famoso Estádio Bislett, em Oslo, Noruega.


Byers descobriu-se com uma vantagem de 70 metros quando já se aproximava da curva final e pensou: "Dane-se!" Ovett, por fim, começou a ir atrás do coelho, mas não conseguiu alcançá-lo. Os favoritos acharam que Byers se cansaria no ritmo em que estava indo. Uma desculpa esfarrapada, já que a corrida estava acontecendo ali mesmo, na frente de todos. "Por um dia eu fui celebridade", conta Byers.

Considerando a distância das maratonas e o fato de que não têm lugar numa pista oval, é compreensível perder de vista o coelho num percurso de 42 km. Em maratonas, de tempos em tempos, é possível até ver os não-coelhos na frente por um tempo, competidores comuns torcendo para que a família esteja filmando seu trunfo naquele breve período de tempo em que estão na liderança.

Até hoje não se sabe o que os outros corredores pensavam estar acontecendo na Maratona de Los Angeles em 1994, quando Paul Pilkington, o coelho designado, abriu uma distância enorme na liderança. Atualmente, ele é treinador e assistente de percurso cross-country na Weber State University, em Utah (EUA), e sabe qual é o assunto do meu telefonema antes mesmo que eu fale. "Não me importo. Se não fosse pelo que aconteceu, ninguém saberia quem eu sou."

Pilkington marcara o ritmo na Maratona de Los Angeles em 1993 e fizera um bom trabalho, atravessando o percurso num calor de 27 graus. Seus melhores tempos, de 2h11 na maratona e de 1h01 na meia maratona, o tornaram conhecido por ser alguém capaz de correr muitos quilômetros em ritmo constante, e por isso foi chamado para a prova de 1994. Receberia 3 000 dólares pela tarefa de coelho e mais 3 000 se acertasse seu tempo.

Pilkington saiu na largada. E ninguém o seguiu. Havia 19 000 competidores e relativamente poucos corredores de elite com probabilidade de vencer a corrida, e Pilkington havia sido apresentado na reunião de atletas na noite anterior. Chegou até a perguntar ao diretor da prova: "Se ninguém me acompanhar, o que você prefere que eu faça?" A resposta foi: corra no tempo combinado. "Eu pretendia correr todo o percurso", ele conta. "Meu plano era liderar a corrida até o quilômetro 25, então sair da liderança, mas finalizar mesmo assim. Eu sabia que tinha preparo para 2h10, talvez até para 2h09."


Pilkington alcançou a metade da prova exatamente no tempo combinado (haviam pedido para ele correr entre 1h05min00 e 1h05min15, e seu número real foi 1h05min10), mas não havia ninguém em seu calcanhar. Então continuou. "Na marca de 35 km, ainda não havia outros por perto, e eu sabia que havia vencido", diz. Ele o faria com 2h12min13.

Luca Barzaghi, da Itália, chegou 39 segundos depois e levantou os braços em triunfo, só para ser recompensado com uma medalha de prata. "Eu achava que o coelho já tinha saído", disse com raiva a um intérprete. "Eu estava mantendo meu ritmo. Não estava correndo contra ele."

Mas os organizadores não ligaram. "Virou uma boa história para contar", diz Pilkington. "Serei para sempre conhecido como o coelho que venceu a corrida. Quando me questionam se eu não deveria ter caído fora, respondo: "Eu estava tão adiantado que teria feito o papel mais idiota do mundo se parasse"."

Trinta minutos após a prova Wanamaker, uma multidão ainda ocupa o Madison Square Garden. O orgulhoso vencedor Mekonnen e o elegante segundo lugar Lagat estão dando uma entrevista coletiva na sala de imprensa.

Matt Scherer está no vestiário, àquela altura completamente invadido, tirando o uniforme de corrida e secando-se com uma toalha. Junto dele há outros corredores suados e um bando enorme de crianças em idade escolar gritando animadas. Scherer está satisfeito, mas levemente apreensivo. "Acho que eu estava no tempo certo, mas eles não me acompanharam", diz. "Então tentei fazer um ajuste para que conseguissem me alcançar. Eu meio que parei de olhar para o cronômetro. Não diria que fiquei ansioso, mas entrei num estado mental diferente."

Essa é a clássica aflição dos coelhos. Será que os astros ficaram satisfeitos comigo? Será que foi boa a corrida? (Alguns dias depois, Scherer ficou sabendo que Jordan ficara feliz com seu trabalho, indicando que seria chamado mais vezes para ser coelho.) Por fim, Scherer assume que foi satisfatório. Forma-se uma fila de crianças pedindo autógrafos, que ele distribui diligentemente com um discreto sorriso de apreciação. Afinal, agora é parte do jogo. Se não fosse coelho, teria que pagar para estar no Madison Square Garden. E já pensa em manter seu treinamento para estar em forma na próxima prova — que ele espera correr bem, embora não (obviamente) até o fim.

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Um homem ali por perto segurou a regata ensopada de suor que Scherer lhe entregava, mas sua expressão era de alguém confuso, como se perguntasse: “Esse cara não estava participando da corrida?” De fato, Scherer, outrora atleta da Universidade do Oregon, havia feito uma transição tão perfeita de participante a espectador que muitos observadores sequer haviam notado a saída dele no meio da prova.

O ato de Scherer foi um tipo de truque mágico, algo bastante adequado, considerando que ele é um “coelho”. Em distâncias curtas, como os 800 metros, ou longas, como as maratonas, a tarefa do coelho é liderar a corrida até determinado ponto (metade da corrida, normalmente), dando duro enquanto os outros corredores se concentram apenas em seguir o ritmo dele e, desse modo, economizam energia. Quando atinge a distância predeterminada, o coelho sai (para a direita ou esquerda da pista, dependendo do que for atrapalhar menos a corrida) e fica no banco assistindo ao restante da prova.

Anjos e Demônios

O coelho costuma ser contratado para o trabalho pelos organizadores da prova, interessados em acelerar as marcas e testemunhar recordes. Mas não são poucos aqueles que os consideram uma afronta ao espírito esportivo, diametralmente opostos à ética do “participar para vencer”. Eles estão lá para correr só um pedaço do caminho em um ritmo alucinante, inviável para ser sustentado por toda a prova — e levar um dinheiro por isso.


A opinião anticoelho persiste, por exemplo, nas maratonas de Nova York e Boston, que proíbem a prática. "Grande parte [dos nossos atletas de elite] conhece estratégia, a maioria sabe como buscar uma vitória e como fazer dela a prioridade máxima", diz Mary Wittemberg, presidente da New York Road Runners, ao anunciar em 2007 a proibição dos coelhos a partir de então.

Mas não pense que eles estão à beira da extinção. As maratonas de Chicago, Londres e Berlim usam coelhos, e Roterdã chega a contar com meia dúzia deles (as quatro estão entre as maratonas mais rápidas do mundo). Coelhos do sexo masculino foram usados em maratonas femininas, como quando Paula Radcliffe bateu o recorde mundial, com 2h15min25, na Maratona de Londres em 2003. E mesmo onde os coelhos não são bem-vindos, lá estão eles: em Nova York e Boston, jovens quenianos e etíopes marcam o ritmo para os veteranos de sua nacionalidade, compondo uma espécie de sociedade secreta dos coelhos não oficiais.

Existe desagrado, mas nem tanto por parte dos competidores: a maioria acha que os coelhos, ao correr num ritmo constante, auxiliam todo mundo. "Acho que nenhum de nós se irrita com os marcadores de ritmo", diz Ryan Hall, o maratonista norte-americano de 28 anos que terminou em décimo na Olimpíada de Pequim, em 2008. "Eles trabalham juntos, sem dúvida, mas não há nada errado com isso. E me ajudaram a conseguir meu melhor tempo, então sou grato por seu esforço."

Relógio Interno

Marcus O'Sullivan reprovava os coelhos — até que ele mesmo acabou virando um. Após uma temporada desanimadora em 1992, foi requisitado para ser coelho de uma prova de 1 500 metros em Zurique, Suíça. "Para ser honesto, senti como se estivesse me vendendo", disse O'Sullivan, quatro vezes atleta olímpico dos EUA e cinco vezes vencedor da Wanamaker Mile.

Ao conversar com a esposa Mary O'Sullivan sobre suas dúvidas, ouviu algo decisivo: "Você não está ficando mais jovem". A marcação de ritmo abriu os olhos de O'Sullivan para a velocidade em que ele de fato era capaz de correr saindo na frente. "Isso me deu um novo horizonte" — e o ajudou a prolongar a vida nas pistas até 1998, quase aos 37 anos de idade.


Animados com esses predecessores, a maioria dos marcadores contemporâneos se vê como parte de uma tradição antiga, orgulhosa e necessária. Para eles, o "coelhismo" é atividade para a qual são privilegiados (pois têm um bom relógio interno). Programam treinos com esse objetivo, tendendo, por exemplo, a correr voltas dentro do que acreditam que serão os tempos recomendados. Admitem que a dificuldade do treino é menor do que se praticassem para competir, mas o aspecto mental é crucial.

Nos dias que antecederam a prova no Madison Square Garden, Scherer assistiu no YouTube às cinco edições anteriores da Wanamaker e fez anotações conforme se concentrava em sua estratégia de coelho. "Descobri que na Wanamaker a gente gasta mais energia tentando permanecer na raia, porque as curvas são extremamente fechadas", diz o atleta, que nunca havia participado de uma prova no Garden. "Se você está na linha entre as raias 1 e 2, tudo bem." Esses detalhes são, por assim dizer, cenouras para o coelho.

Matt Scherer acertou ganhar 1 000 dólares pelo trabalho, e assim fica difícil enriquecer. Contudo, se continuar nessa nova escolha vocacional, pode ganhar de 3 000 a 5 000 dólares numa corrida de rua de renome. Em comparação, na maior prova da qual ele já participou como competidor regular (os 800 metros da Prefontaine Classic de 2008), finalizou em sétimo lugar e ganhou um prêmio de apenas 200 dólares. Estava percebendo que não conseguiria ir muito além da sétima posição nessas provas, então fez as contas e viu que ser coelho era mais lucrativo.

É bastante improvável que houvesse coelhos nas primeiras competições olímpicas. Entretanto, quando o mundo começou a ficar fascinado pela corrida, no início dos anos 1950, a questão do ritmo era assunto quente. Roger Bannister, formado em medicina, tratou como experimento científico sua meta de se tornar o primeiro a completar 1 milha em menos de 4 minutos — e os marcadores de ritmo foram essenciais ao plano do estudante britânico.

Na verdade, Bannister trouxe dois coelhos na cartola para a pista de Iffley Road, em Oxford, na tarde de 6 de maio de 1954, quando finalizou com 3min59s4. O colega de equipe Chris Basher conduzira-os pelas primeiras duas voltas; Chris Chataway conduziu-o pela terceira volta e metade da quarta. Só deu Bannister na linha de chegada.


Enquanto isso, do outro lado do mundo, seu ferrenho concorrente australiano John Landy resistia assiduamente contra o uso de marcadores de ritmo, enquanto tentava (em vão) derrotar Bannister na barreira dos 4 minutos.

Correndo Atrás

Bannister sabia, como todos os corredores, que a marcação de ritmo resulta em tempos mais rápidos. O raciocínio por trás do uso dos coelhos era — e continua sendo — composto por três ideias básicas.

Em primeiro lugar, fisiologicamente é mais fácil correr atrás do que na frente dos outros. Você, por exemplo, protegesse do vento. "Uma boa estimativa é que o esforço seja 15% menor quando se corre atrás de alguém", diz David Krummenacker, que já foi campeão mundial dos 800 metros e atualmente é um dos mais conceituados coelhos de pista do mundo.

Em segundo, psicologicamente também é mais fácil correr atrás. Khadevis Robinson, corredor norte-americano dos 800 metros que no ano passado começou a ser coelho em provas de milha durante sua reabilitação de lesões, afirma: "Se você lidera uma corrida desde o início, as chances de vencê-la são ínfimas ou nulas".

E o mesmo se aplica às maratonas. As variações de ritmo podem até resultar em ótimas corridas, mas não em tempos espetaculares. As maratonas que geralmente produzem os tempos mais velozes são aquelas em que os coelhos não são persona non grata (não é coincidência que grande parte dos recordes mundiais atuais tenha sido estabelecida em Londres, Berlim e Roterdã).

De fato, quando Haile Gebrselassie almejou o recorde mundial da maratona em Berlim, em 2008, era como se a Páscoa estivesse acontecendo em setembro: ele tinha nada menos que quatro quenianos no papel de seus coelhos. Um a um foram saindo da corrida, e Geb marcou o recorde de 2h03min59.

Pop Star

Os coelhos normalmente são figuras pouco conhecidas, que residem na periferia do mundo das pistas. Uma exceção é David Krummenacker. Bastante conhecido e respeitado nos Estados Unidos, ele é um dos nomes preferidos para marcar o ritmo da prova da milha de Wanamaker.


Em julho de 2010, por exemplo, Krummenacker foi coelho de uma (notavelmente veloz) prova de 1 500 metros da Liga de Diamante, o principal circuito mundial do atletismo, em uma etapa em Mônaco. Nela, marcou para Silas Kiplagat (3min29s27), do Quênia, para Amine Laalou (3min29s53), do Marrocos, e para Andrew Wheating, da Universidade do Oregon, que correu os 1.500 metros em 3min30s90, o quarto tempo mais rápido já feito por um norte-americano.

Se é escalado como coelho em meia dúzia de corridas em estádios e em mais outras tantas ao ar livre, Krummenacker consegue obter ganhos na casa das centenas de milhares de dólares. E nunca, segundo ele, ficou incomodado ao ver o próprio nome (que um dia já esteve entre os melhores do circuito mundial) marcado em vermelho na lista de competidores com um "não finalizou a prova".

"Existe uma camaradagem entre os corredores, um sentimento de querer ajudar o colega, e isso se estende aos marcadores de ritmo", diz Krummenacker. "No meu dicionário, 'coelho' não é insulto."

A carreira de Krummenacker na nova função começou na temporada de provas de rua em 2009, quando seu agente, Mark Wetmore, ligou para perguntar se ele queria a tarefa de marcar o ritmo em dois eventos — o de 800 metros e o de 1 milha — na Aviva Grand Prix Race, em Londres, no mês de julho. "Por que não?", pensou.

Seus dias de ápice como competidor já tinham se encerrado. Ele descobriu ser bom com ritmos pré-estabelecidos e seu treinamento permitiu que atingisse com apenas meio segundo de diferença os tempos de volta requisitados. Terminada a competição, os vencedores lhe deram os parabéns por proporcionar a eles o que se conhece como "ritmo honesto". Assim entrou ele no jogo e dele tornou-se parte.

Quando o Coelho Falha...

Diretores de prova e atletas de elite adoram coelhos experientes como Krummenacker, pois podem contar com a consistência no desempenho deles. Entretanto, devido a contratempos de última hora, a lesões e à escassez de marcadores qualificados, às vezes encontrar um coelho para a prova pode virar correria de última hora.


Foi o que o organizador Tom Jordan descobriu na prova Prefontaine Classic de 2005, ao acreditar quando um agente lhe disse que uma queniana, Eunice Chepkirui Kirwa, poderia marcar os 1 500 metros numa pista lotada com 16 competidoras, entre as quais a estrela britânica Paula Radcliffe, e que prometia ser rápida.

Mas a corrida foi tudo menos rápida, e o problema principal foi com a "lebre". Quando Eunice começou a fraquejar antes de completar os 800 metros combinados, permaneceu na prova decidida a completar a tarefa designada. O resto das corredoras deveria tê-la ultrapassado, mas também seguiam um roteiro e ficaram atrás da marcadora.

Porém, ela estava mais devagar que o planejado. Uma competidora chegou a tropeçar em Eunice. Dentre as baixas, houve cinco que não finalizaram (Eunice, inclusive) e uma vitória a passo de tartaruga, com 4min09s45. "Foi uma aula sobre como o coelho pode ser importante numa prova", afirma Jordan — para o bem e para o mal.

No momento em que um coelho põe os pés na linha de partida, ele tem instruções específicas sobre em qual ritmo deve correr durante a primeira metade da prova. Essas instruções são comunicadas a ele (diretamente ou através do treinador ou agente) pelo diretor do evento, que por sua vez já consultou o favorito (ou os favoritos) da corrida sobre o ritmo a ser pedido ao coelho.

Às vezes, entretanto, o coelho descobre ser peão num jogo de xadrez envolvendo os principais concorrentes. Com Krummenacker, isso chegou a ocorrer uma vez na própria linha de partida. "Um cara se aproximou e disse: 'Ei, eu sei que essa prova tem de ser veloz, mas alguns de nós não estão se sentindo bem hoje, então você pode ir mais devagar'." Ele sabia, no entanto, que aquele corredor queria manipulá-lo e não alterou o ritmo.

Entretanto, houve ocasiões em que, bem antes da prova, Krummenacker ouviu a mesma mensagem de alguns corredores, dizendo achar que o ritmo pedido era rápido demais. Ele conta que procurou o diretor do evento e disse: "Veja: eu sou capaz de correr nessa velocidade, mas ninguém vai conseguir me acompanhar, e não vai ser muito bonito".


Então o diretor lhe disse para reduzi-la em alguns segundos. É um ato delicado de equilíbrio (um "lugar intermediário", como o próprio Krummenacker classifica) para o coelho, que acaba sendo obrigado a se reunir com os diretores, para conseguir trabalhos, e também com os atletas, em prol da confiança competitiva. "Quanto mais você faz isso", diz ele, "mais confiança vai sentir."

Mas o mais difícil para um coelho é decidir o que fazer quando os outros corredores não o acompanham. Mesmo com todo o planejamento pré-prova, os corredores que tentam vencer tomarão suas próprias decisões. "É o elemento-surpresa", diz Krummenacker.

Tirando a Cartola

Dedicado a servir, um coelho deve abdicar de seu espírito competitivo. Seu tempo de competidor de elite ficou para trás. Como qualquer coelho diria: a razão pela qual eles marcam ritmo é que o trecho final tornou-se difícil de transpor. Então, durante um trecho da prova, é como se fossem atletas de primeiro nível — mas isso não dura até a linha de chegada.

Mas há noites em que a magia dos coelhos parece estar no ar. Krummenacker recorda-se dos 1 500 metros em Zurique, em 2009, quando ele e outro coelho, Peter van der Westhuizen, da África do Sul, ficaram surpresos com a própria margem de liderança ao saírem nos 800 e 1 200 metros, respectivamente. "Eu sinceramente não sei se conseguiria ter vencido", diz Krummenacker. "Entretanto, com certeza fiquei desapontado naquela noite por não ido até o fim."

É compreensível. Afinal, os coelhos já foram vencedores em algum nível antes de se tornarem marcadores de ritmo. Através das eras, pouquíssimos marcadores estiveram em posição de realizar aquela grande fantasia dos coelhos, que é ganhar uma prova. Quando isso acontece, é manchete nos jornais.

O norte-americano Tom Byers era conhecido principalmente pelo estilo cabeludo bicho-grilo quando competia nos 1 500 metros ao fim da década de 70 e início da de 80. Era um dos melhores do mundo, mas classificado abaixo dos principais atletas de meia distância, entre os quais estavam Steve Ovett, Steve Cram e John Walker. Por esse motivo, Byers foi selecionado para ser o coelho desses três competidores numa pista repleta de astros em junho de 1981, no famoso Estádio Bislett, em Oslo, Noruega.


Byers descobriu-se com uma vantagem de 70 metros quando já se aproximava da curva final e pensou: "Dane-se!" Ovett, por fim, começou a ir atrás do coelho, mas não conseguiu alcançá-lo. Os favoritos acharam que Byers se cansaria no ritmo em que estava indo. Uma desculpa esfarrapada, já que a corrida estava acontecendo ali mesmo, na frente de todos. "Por um dia eu fui celebridade", conta Byers.

Considerando a distância das maratonas e o fato de que não têm lugar numa pista oval, é compreensível perder de vista o coelho num percurso de 42 km. Em maratonas, de tempos em tempos, é possível até ver os não-coelhos na frente por um tempo, competidores comuns torcendo para que a família esteja filmando seu trunfo naquele breve período de tempo em que estão na liderança.

Até hoje não se sabe o que os outros corredores pensavam estar acontecendo na Maratona de Los Angeles em 1994, quando Paul Pilkington, o coelho designado, abriu uma distância enorme na liderança. Atualmente, ele é treinador e assistente de percurso cross-country na Weber State University, em Utah (EUA), e sabe qual é o assunto do meu telefonema antes mesmo que eu fale. "Não me importo. Se não fosse pelo que aconteceu, ninguém saberia quem eu sou."

Pilkington marcara o ritmo na Maratona de Los Angeles em 1993 e fizera um bom trabalho, atravessando o percurso num calor de 27 graus. Seus melhores tempos, de 2h11 na maratona e de 1h01 na meia maratona, o tornaram conhecido por ser alguém capaz de correr muitos quilômetros em ritmo constante, e por isso foi chamado para a prova de 1994. Receberia 3 000 dólares pela tarefa de coelho e mais 3 000 se acertasse seu tempo.

Pilkington saiu na largada. E ninguém o seguiu. Havia 19 000 competidores e relativamente poucos corredores de elite com probabilidade de vencer a corrida, e Pilkington havia sido apresentado na reunião de atletas na noite anterior. Chegou até a perguntar ao diretor da prova: "Se ninguém me acompanhar, o que você prefere que eu faça?" A resposta foi: corra no tempo combinado. "Eu pretendia correr todo o percurso", ele conta. "Meu plano era liderar a corrida até o quilômetro 25, então sair da liderança, mas finalizar mesmo assim. Eu sabia que tinha preparo para 2h10, talvez até para 2h09."


Pilkington alcançou a metade da prova exatamente no tempo combinado (haviam pedido para ele correr entre 1h05min00 e 1h05min15, e seu número real foi 1h05min10), mas não havia ninguém em seu calcanhar. Então continuou. "Na marca de 35 km, ainda não havia outros por perto, e eu sabia que havia vencido", diz. Ele o faria com 2h12min13.

Luca Barzaghi, da Itália, chegou 39 segundos depois e levantou os braços em triunfo, só para ser recompensado com uma medalha de prata. "Eu achava que o coelho já tinha saído", disse com raiva a um intérprete. "Eu estava mantendo meu ritmo. Não estava correndo contra ele."

Mas os organizadores não ligaram. "Virou uma boa história para contar", diz Pilkington. "Serei para sempre conhecido como o coelho que venceu a corrida. Quando me questionam se eu não deveria ter caído fora, respondo: "Eu estava tão adiantado que teria feito o papel mais idiota do mundo se parasse"."

Trinta minutos após a prova Wanamaker, uma multidão ainda ocupa o Madison Square Garden. O orgulhoso vencedor Mekonnen e o elegante segundo lugar Lagat estão dando uma entrevista coletiva na sala de imprensa.

Matt Scherer está no vestiário, àquela altura completamente invadido, tirando o uniforme de corrida e secando-se com uma toalha. Junto dele há outros corredores suados e um bando enorme de crianças em idade escolar gritando animadas. Scherer está satisfeito, mas levemente apreensivo. "Acho que eu estava no tempo certo, mas eles não me acompanharam", diz. "Então tentei fazer um ajuste para que conseguissem me alcançar. Eu meio que parei de olhar para o cronômetro. Não diria que fiquei ansioso, mas entrei num estado mental diferente."

Essa é a clássica aflição dos coelhos. Será que os astros ficaram satisfeitos comigo? Será que foi boa a corrida? (Alguns dias depois, Scherer ficou sabendo que Jordan ficara feliz com seu trabalho, indicando que seria chamado mais vezes para ser coelho.) Por fim, Scherer assume que foi satisfatório. Forma-se uma fila de crianças pedindo autógrafos, que ele distribui diligentemente com um discreto sorriso de apreciação. Afinal, agora é parte do jogo. Se não fosse coelho, teria que pagar para estar no Madison Square Garden. E já pensa em manter seu treinamento para estar em forma na próxima prova — que ele espera correr bem, embora não (obviamente) até o fim.

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