Magnata da música Clive Davis é tema de documentário da Netflix
Produtor de sucessos como Whitney Houston, Patti Smith, Janis Joplin e Bruce Springsteen também foi responsável por vexames como o duo Milli Vanilli
Estadão Conteúdo
Publicado em 24 de julho de 2020 às 15h00.
Última atualização em 24 de julho de 2020 às 18h13.
Clive Davis é um homem de 88 anos com muita história para contar e algumas outras a serem contadas sobre ele, sobretudo depois de ser contratado pela Columbia Records, assumir o mais alto posto da companhia e, então, fundar, em 1974, a Arista Records.
Uma rápida chamada de seus mais lucrativos contratados em início meio ou fim de carreira para que se saiba logo quem é esse senhor: Leona Lewis, Barry Manilow, Dionne Warwick, Whitney Houston, Annie Lennox, Kenny G, The Notorious B.I.G., Diddy, Aretha Franklin, Toni Braxton, Air Supply, Ace of Base, The Alpha Band, The Grateful Dead, TLC, Willie Nile, Nona Hendryx, Patti Smith, Janis Joplin, Bruce Springsteen, Santana, Simon & Garfunkel, Chicago, Blood Sweat and Tears, Aerosmith, Sean Combs Maroon 5, Alicia Keys e Ringo Starr.
Sim, lucrativos
O termo deixa artistas ouriçados mesmo hoje, com todo esse império desmontado, mas essa era a forma de Clive pensar. Um olho no lucro e um ouvido na música, Clive, o "Golden Ears” (ouvidos de ouro), teve o primeiro choque ao ver Janis Joplin cantar no Festival de Monterey, em 1967, com a Big Brother and The Holding Company, o que o fez contratá-la depois do show.
Uma época em que Janis não tinha sequer seu nome à frente da banda. "Só de lembrar, sinto um formigamento nos braços”, ele diz. "Vamos pra cama agora?”, sugeriu Janis, seguindo o protocolo dos anos 1960. Mas Clive não quis misturar as coisas. Sua trajetória que corre até os anos 2000, está contada em um documentário estreado há pouco na Netflix chamado no Brasil de Clive Davis - Nosso Ritmo. O nome em inglês é melhor, mesmo sendo mais bajulador: Clive Davis: The Soundtrack of Our Lives, ou Clive Davis: A Trilha Sonora de Nossas Vidas.
Sim, bajulador
Ao se tomar pelo documentário do diretor Chris Perkel, Clive Davis está em franco processo de beatificação em vida, mas, se há um ambiente em que não couberam santos no planeta, esse é o da indústria fonográfica. Aliás, o tom que se dispensa a Clive, assim como o tom que se dispensou a Clarence Avant no filme documental O Pai da Música Negra, só mostra a força dos magnatas contra os quais nenhum produtor de cinema quer brigar.
A cortesia em torno de Clarence é tão grande que sua maior polêmica, o fato de não ter repassado um centavo do que vinha das vendagens da lenda Sixto Rodriguez na África do Sul, a melhor história da história do rock dos anos 1970 revelada por outro documentário absolutamente sensacional, À Procura de Sixto Rodriguez, é jogada sutilmente para debaixo do tapete. Agora, a maior polêmica em torno de Clive, o escandaloso caso Milli Vanilli, quando uma dupla enganou o mundo cantando com uma voz que não era sua em uma gravadora dirigida por Clive, vale-se do mesmo artifício de se passar rápido por aquilo, com o diretor negando que soubesse de algo.
Ainda assim, é impossível diminuir as conquistas de Clive Davis. Whitney Houston, por exemplo. Clive a pega pobre, desconhecida e cantando para poucas pessoas e a transforma em uma gigante milionária e indomável. Num primeiro momento, o chefão não quer ver o que todos estão vendo, sua pupila perfurando o septo nasal com aspirações seguidas de cocaína, mas ele percebe que o fim pode estar próximo quando a magreza de Whitney não deixa mais dúvidas e escreve a ela uma comovente carta de amor.
Conta ele também que foi de sua cabeça a ideia de que o filme O Guarda-Costas deveria ter mais canções. Então, segundo diz, ele liga para o ator Kevin Costner para reclamar e tem dele o apoio para fazê-la cantar uma música a mais que deveria entrar para a trilha sonora: I Will Always Love You. A maior voz que Clive ouviu, a de Whitney, tem o maior tempo do documentário e parece ser a única que tinha a capacidade de emocioná-lo.
Assim como mandou que Whitney gravasse a canção, Clive decidia também o que Barry Manilow gravaria para fazer sucesso. Manilow queria cantar aquilo que compunha, e ele compunha centenas de canções, mas nada que, para Clive, teria algum impacto comercial. A canção Mandy chegou às mãos do cantor assim, no ano de 1974, e, de fato, se tornou um de seus maiores sucessos. "Eu apenas tornei seu ritmo mais lento”, diz ele, no documentário.
Ao assistir a essa parte, o cantor e compositor brasileiro Ed Motta não conseguiu ir adiante, escrevendo suas sensações em um pensamento que toma parte dos artistas sobre homens como Clive Davis: "Absolutamente abominável o documentário imenso sobre a vida de Clive Davis. Não consegui assistir inteiro, perplexo com a posição subserviente dos artistas contratados por ele, esse tipo de tirano da indústria do disco é sempre aplaudido mundialmente pelos desavisados do real papel da arte.
Barry Manilow, um dos retratados, sempre foi megacomercial, mas, antes de mais nada, era um compositor padrão Broadway de música e texto. Clive Davis convenceu Manilow, que é compositor, a gravar um cover de Scott English, o sucesso Mandy, que foi um sucesso não só pela música. Qualquer coisa que o grupo CBS coloque dinheiro vira sucesso. Mérito zero de um tirano, um dos milhares Darth Vader da música”, escreveu, em sua página no Facebook.
As palavras de Ed são as de muitos artistas, ciosos e defensores daquilo que criam, mas tente falar com os empresários. Clive, para os músicos, reunia em si os males dos "executivos de gravadoras” dos anos 1990, uma gente desalmada que triturava talentos para que eles reproduzissem protótipos estabelecidos pelo próprio mercado. Para os empresários, ele era um gênio.
Sua primeira saída da Columbia foi conturbada, às voltas com um escândalo com outro executivo da empresa e do qual ele é absolvido com condolências no documentário. Seu trabalho seguinte, na Arista, sua saída do selo anos depois com a volta para a Columbia e, posteriormente, as negociações com a BMG são regados de episódios de reconhecimento corporativo em que sua figura se prova insubstituível. Quanto à terceira ponta dessa tríade, o público, ele pode não saber quem é Clive Davis, mas suas memórias afetivas certamente saberão.