Hotéis vs. Airbnb: o caos da Covid-19 em um setor combalido
Enquanto o setor busca se recuperar, a disputa entre os hotéis e o compartilhamento de casas leva ambos a buscar meios de atrair o público
Guilherme Dearo
Publicado em 6 de junho de 2020 às 07h00.
O Airbnb , criado em 2008, trouxe caos para o setor hoteleiro . O site roubou uma enorme fatia do mercado, diminuiu o preço das diárias de hotéis, inspirou a criação de redes de baixo custo e levou os hotéis de todos os tipos a criar restaurantes, bares e lobbies com um clima caseiro. Recentemente, porém, o Airbnb demitiu cerca de um quarto de seus funcionários, em um sinal claro das dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa. A questão agora é: a Covid-19 vai trazer caos ao Airbnb?
"Creio que os hotéis levarão vantagem no curto prazo", afirmou Henry Harteveldt, analista do setor hoteleiro e fundador do Atmosphere Research Group, prevendo que os hotéis sairão na frente em relação à higiene e aos protocolos de distanciamento social padronizados.
Enquanto o setor busca se recuperar, a disputa entre os hotéis e o compartilhamento de casas leva os dois setores a buscar meios de convencer o público de que os quartos que oferecem estão livres do vírus, respeitam as regras do distanciamento social e seus termos de serviço são justos.
Termos de serviço não padronizados
A repentina onda de cancelamentos trazida pela Covid-19 conscientizou os viajantes dos diferentes termos de serviço aplicados pelas empresas de reservas – desde cancelamentos gratuitos de último minuto até a responsabilidade total pelo pagamento de viagens agendadas com meses de antecedência.
A maioria dos hotéis conta com generosas políticas de cancelamento que permitem que os viajantes alterem suas reservas sem multas entre 24 e 48 horas antes do check-in.
A exceção são as diárias pré-pagas sem direito a reembolso, que costumam ser as mais baixas do mercado – uma boa opção, a menos que você tenha de cancelar a estada. Mas até mesmo nesses casos a maioria das grandes redes hoteleiras, incluindo Marriott, Hilton e Hyatt, optou por oferecer reembolso até mesmo nas taxas mais baratas durante o segundo semestre deste ano. Algumas redes devolveram o dinheiro das reservas feitas até o fim de junho.
Em vista da crise econômica e de saúde pública, "o principal dever dos gestores de redes hoteleiras é a gentileza", afirmou Chekitan Dev, professor de marketing e comunicação executiva na faculdade de hotelaria da Universidade Cornell, que acredita que a recuperação do setor começa com o máximo de liberalidade com os reembolsos e a oferta de mais incentivos para agendamentos, como o acréscimo de upgrades.
As pessoas que costumam ficar em casas particulares descobriram a importância de ler as letras miúdas do contrato, uma atitude bem diferente do normal.
Em dezembro, a editora Jessica Bradford, radicada na Califórnia, reservou uma casa de quatro quartos no sul do Maine pelo Airbnb, para onde iria por uma semana com um grupo de amigos em julho. No fim de abril, quando o estado do Maine informou que, até o fim de agosto, exigiria que todas as pessoas vindas de fora do estado fizessem quarentena durante 14 dias, ela tentou cancelar a reserva e percebeu que a política de cancelamento do local, cuja estada durante uma semana custaria US$ 7 mil, só poderia ser feita até 48 horas após a reserva. Depois disso, a empresa devolveria apenas 50 por cento do valor, caso o cancelamento fosse realizado mais de uma semana após a data da reserva.
"A culpa é minha por não ter lido direito, mas a política de cancelamento do site é rígida demais", disse Bradford, que ainda está tentando recuperar o depósito de US$ 3,5 mil.
O Airbnb se negou a comentar as propriedades alugadas no Maine, mas afirmou que a empresa estendeu a política de reembolsos para diárias reservadas entre 14 de maio e 15 de junho, e que essa foi a terceira extensão do prazo de reembolso gratuito. Como a reserva de Bradford é para julho, ela espera que a política seja prorrogada mais uma vez.
Esse episódio destaca a variabilidade dos termos de serviço dos sites de aluguel. No caso do Airbnb, os anfitriões têm a opção de escolher sua própria política de cancelamento, que varia de "flexível", ou até 24 horas antes do check-in, a "rigorosa", como no caso de Bradford. O Airbnb disse que mais de 60 por cento dos anfitriões oferecem políticas flexíveis ou relativamente flexíveis e que está introduzindo um filtro no mecanismo de busca para que os viajantes possam encontrar ofertas com termos mais flexíveis.
Na categoria "termos de cancelamento", o vencedor é: o hotel.
Sobre a higiene
Quando as viagens voltarem a ser amplamente liberadas, e supondo que isso seja feito antes que se encontre um medicamento, ou uma vacina, contra a Covid-19, qualquer lugar que ofereça pernoite – de trailers a iates, passando por hotéis e sites de aluguel – deve recuperar a confiança dos viajantes e encorajá-los a sair de sua zona de controle. Uma forma de fazer isso é prometer uma limpeza de nível hospitalar.
"A limpeza e a higiene serão o novo restaurante cinco estrelas ou os lençóis de 800 fios. Hotéis de rede ou hotéis butique bem gerenciados podem oferecer uma vantagem atraente em relação ao aluguel de quartos particulares, já que os hotéis usarão produtos de limpeza profissionais ou de nível industrial. As equipes de limpeza serão treinadas para limpar de acordo com os padrões estabelecidos pelos hotéis. E os hotéis contarão com orçamento de marketing para promover a novidade", observou Harteveldt.
Atualmente, muitas redes de hotéis já estão estabelecendo novos procedimentos de limpeza inspirados nos estabelecidos pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos EUA. A rede Marriott inclui o uso de sprays eletrostáticos para espalhar desinfetantes que matam germes em todo o quarto. Em parceria com a Clinic e com o fabricante de produtos de limpeza Lysol, a rede Hilton planeja lançar um novo selo de proteção para os quartos em junho deste ano, com o objetivo de mostrar que ninguém entrou no quarto desde que ele foi higienizado, e disponibilizar lenços desinfetantes em áreas de grande circulação, como os elevadores.
A Associação Americana de Hotelaria e Hospedagem, um grupo que representa o setor, divulgou para seus membros uma série de diretrizes intitulada "Stay Safe" (Fique Seguro), incluindo melhores práticas para o uso de germicidas, assim como práticas de distanciamento social, como marcar os lugares na fila do balcão.
Empresas de aluguel de casas particulares também estabeleceram novos protocolos de limpeza. Os novos padrões do Airbnb, lançados em maio, seguem as diretrizes do CDC, incluindo usar máscara e luvas para fazer a limpeza e estabelecer um período de espera de 24 horas entre os hóspedes. Os anfitriões que seguirem essas diretrizes receberão destaque no site do Airbnb.
As empresas que fazem gestão do aluguel de casas particulares e usam equipes de limpeza profissionais também anunciaram novos procedimentos. Com sede em Austin, no Texas, a TurnKey Vacation Rentals, que faz a gestão de mais de cinco mil casas nos EUA, organiza as equipes de limpeza por meio de um aplicativo que inclui listas de limpeza específicas para cada casa e que exige que os trabalhadores enviem fotos para confirmar que fizeram o trabalho.
Portanto, o que vem pela frente? Enquanto os hotéis podem levar a vantagem em relação aos métodos de limpeza mais modernos, os espaços compartilhados típicos dos hotéis, como elevadores e lobbies, podem causar dúvidas nos viajantes. "Algumas pessoas podem achar que uma casa compartilhada é melhor do ponto de vista da saúde. Os hotéis ainda não venceram essa batalha", afirmou Harteveldt.
Na categoria "higiene", temos um empate.
A promessa da privacidade
Na era do distanciamento social, o aluguel de quartos particulares se destaca pela promessa de mais privacidade.
"O setor de locação de quartos particulares afirma que é favorável ao distanciamento social. Muitos hóspedes não querem nem se encontrar com o anfitrião e preferem receber um código de segurança para abrir a porta", afirmou Joseph DiTomaso, um dos fundadores e executivo-chefe da AllTheRooms, uma ferramenta de busca de quartos e casas particulares para temporada.
A AllTheRooms Analytics, a divisão de análise de dados da empresa, revelou que as áreas do setor de aluguel de curta temporada que mais cresceram entre meados de fevereiro e o fim de março foram cidades pequenas, como Concan, no Texas; Geyserville, na Califórnia; e Bridgehampton, em Nova York.
"Esses dados mostram que as pessoas estão fugindo de áreas urbanas em favor de esconderijos em vilarejos, cidades pequenas e cidades litorâneas. A crise do coronavírus causou um êxodo urbano e um aumento nos aluguéis de curta duração em regiões rurais", de acordo com o relatório.
A Vacasa, uma empresa com sede em Portland, no Oregon, que faz a gestão de mais de 26 mil casas de aluguel em todo o planeta, afirmou que, mais recentemente, os clientes têm reservado os quartos por seis dias, em média, em vez da média comum, de apenas três dias. De acordo com a empresa, as áreas remotas foram as que mais cresceram.
Mais densamente povoados, os hotéis precisam fazer mais para cumprir as exigências de distanciamento social. Os hotéis de luxo têm discutido a possiblidade de suspender o turndown. Os hóspedes do Marriott levarão os próprios carrinhos de serviço para dentro do quarto. Muitos hotéis seguirão conceitos de hotéis automatizados, como o Yotel, uma rede de baixo custo que conta com diversos endereços, inclusive em Nova York, onde os hóspedes fazem check-in em um terminal no lobby que dispensa cartões para entrada e saída do quarto. Quem armazena as bagagens é um robô.
"Os hotéis que evitam contato humano podem ser considerados a nova opção de luxo", comentou Harteveldt.
Isso também significa que algumas amenidades que diferenciam os hotéis e atraem a população local – incluindo bares, restaurantes premiados e piscinas no terraço – vão se tornar muito menos animadas por algum tempo.
Na categoria privacidade, o vencedor é: o compartilhamento de casas e quartos.