Treino, nutrição e prevenção de lesões, veja tudo para uma vida longa nas pistas (Alex Wong/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 20 de agosto de 2012 às 12h04.
São Paulo - Elas estão ganhando as pistas — e levando como prêmio mais que medalhas. "Na minha experiência de 20 anos treinando mulheres, vejo que a maioria busca qualidade de vida com a corrida", conta a treinadora Eliana Reinert, proprietária da assessoria Projeto Correr e técnica de atletismo e corrida do Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo (SP).
E a participação feminina no mundo da corrida cresce a passos largos. Em maio, ultrapassou a marca de 37% dos associados da Corpore, principal organizadora de competições do Brasil. "Em alguns circuitos de curta distância, a presença chega a 50%”, diz o diretor executivo da entidade, Armando Cunha Santos. “Nos Estados Unidos e na Europa, elas já são metade até mesmo em alguns percursos mais longos."
Se você já faz ou pensa em fazer parte desse grupo e quer correr com mais segurança e performance, saiba que há diferenças anatômicas, neuromusculares e hormonais entre homens e mulheres que requerem cuidados bastante pontuais. Com a ajuda de especialistas — entre treinadores, fisiologistas, ortopedistas e nutricionistas —, mostramos quais são essas diferenças e damos o passo a passo para você vencer qualquer desafio.
Raio X da questão
O corpo feminino guarda mistérios que não só os homens tentam desvendar.
"Como tem aumentado o número de corredoras, uma série de pesquisas nessa área surgiu no país nos últimos cinco anos. A medicina cada vez mais se dedica a entender a anatomia e a mecânica da corrida delas", conta o médico especialista em cirurgia do joelho Adriano Leonardi, mestre em ortopedia e traumatologia pela Santa Casa de São Paulo e proprietário da clínica Taktos Medicina Esportiva, de São Paulo. Confira abaixo as principais particularidades das corredoras.
Ossos
A menor massa óssea nas mulheres magras traz um ganho: baixo peso por área corpórea e, consequentemente, menos fadiga ao praticar o esporte. "E o estrogênio age como moderador da ação dos osteoblastos, células que fazem a formação do tecido ósseo, e dos osteoclastos, responsáveis pela reabsorção dele", explica a ginecologista do esporte pela Unifesp Tathiana Parmigiano, do HCor, em São Paulo, e do Comitê Olímpico Brasileiro. Na menopausa, com a falta desse hormônio, a atuação das células que consomem os ossos é maior que a das que repõem.
Quadris
Para deslanchar nas pistas, capriche no fortalecimento dessa região. A bacia mais larga pode causar mau funcionamento dos músculos dos quadris, principalmente dos glúteos médios, nas laterais, responsáveis por estabilizar toda a pelve durante a corrida.
Tornozelos e pés
Existem treinos específicos para deixar essa região firme e forte. Isso porque a largura e o comprimento dos ligamentos dos tornozelos e joelhos são menores, deixando-os mais frágeis. "Devido à maior frouxidão ligamentar, os pés tendem a pronar (desabar para dentro) durante o apoio no solo", diz Adriano. Sem o condicionamento físico adequado, há chance de sobrecarga nos ligamentos e de lesões como canelite e fratura por estresse.
Cérebros, nervos e músculos
A mulher tem mais flexibilidade muscular e articular, reduzindo a chance de distensões. "Mas a ativação — ou seja, as reações involuntárias de contração e relaxamento que ocorrem quando o pé toca o solo — é mais lenta se comparada à dos homens", afirma Adriano. Com esse "atraso", os músculos não ficam totalmente preparados para a aterrissagem e o risco de torção, lesões ou microtraumas por repetição é maior. Para melhorar o desempenho e evitar lesões, o ortopedista recomenda exercícios de aceleração e desaceleração dos músculos (os pliométricos) individualizados e com orientação. Exemplos desses treinos são saltos e mudanças súbitas de direção, que desenvolvem ritmo, velocidade, resistência e força.
Assoalho pélvico
Corredoras que fazem a lição de casa na musculação afastam a probabilidade de desenvolver incontinência urinária. "Durante a corrida, existe uma sobrecarga nessa região de três a quatro vezes o peso corporal", explica Tathiana. "Além disso, a uretra da mulher é mais curta."
Sistema reprodutor
É possível correr em qualquer período do ciclo menstrual — quem manda é sua disposição. "Mas estudos de biomecânica mostram que na fase ovulatória e na gravidez a estrutura corporal feminina fica mais frágil", diz Adriano. "Isso porque o hormônio relaxina, produzido nesses momentos, afrouxa os ligamentos e provoca a diminuição de colágeno para estender a bacia. Assim, ele prepara o corpo para o parto."
Joelhos
Corrigir o alinhamento dos joelhos também está na cartilha da atleta prevenida. A tendência é que as mulheres apresentem o que os médicos chamam de joelho valgo, quando o formato das pernas lembra um X. A patela fica posicionada fora de seu eixo e não desliza como deveria, causando atrito lateral.
Santo remédio
Correr melhora a saúde e a disposição das mulheres
A lista de benefícios da atividade física é extensa. Não raro, ela é prescrição médica para muitos problemas de saúde. No caso das mulheres, traz ainda vantagens extras, como melhora na tensão pré-menstrual (TPM), mais pique na menopausa, partos mais tranquilos, turbinada no metabolismo e melhora na autoestima. Veja abaixo mais detalhes do que esse esporte pode fazer pela sua qualidade de vida e ainda uma planilha que ensina como incluir a atividade física no seu dia a dia.
Aceleradoa
O hipotireoidismo, disfunção da glândula tireoide que causa queda na produção de hormônios e deixa o metabolismo mais lento, é sete vezes mais comum entre mulheres, apontou estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para quem tem o problema, a corrida pode ser uma aliada.
"O exercício ataca os principais sintomas do hipotireoidismo, que são ganho de peso, retenção de líquido, prisão de ventre e sonolência", diz a personal trainer Gabriela Novaes Arantes, especialista em fisiologia do exercício e diretora da assessoria esportiva Tiro Certo, de São Paulo. Segundo Gabriela, a corrida aumenta o metabolismo de repouso das mulheres, que nesse grupo fica entre 40% e 60% do normal. Como consequência, ajuda a emagrecer ou manter o peso.
Correndo por dois
Gravidez não é motivo para apertar o pause. Mas, se você nunca correu, essa não é a hora de estrear. O ideal é manter as mesmas atividades físicas dos três meses anteriores, só que sem ultrapassar o esforço moderado. A frequência cardíaca máxima deve ser menor que a habitual, variando de acordo com o estágio da gestação e o preparo físico. Se o médico liberar e um treinador acompanhar, a corrida só trará benefícios: previne o aparecimento de diabetes gestacional e hipertensão, além de ajudar a ter um parto mais tranquilo e recuperação mais rápida. Após o parto, hora de retomar o ritmo aos poucos.
"Recomendo esperar até terminar a loquiação, que é aquele sangramento indicativo da cicatrização do útero", explica Tathiana Parmigiano. "Se for parto normal, geralmente dá para recomeçar gradualmente depois de duas semanas. Quem faz cesárea aguarda em média seis." Se o bebê passa a mamar menos depois que a mãe volta a praticar, é sinal de que o ácido lático liberado durante o exercício alterou o gosto do leite – embora não interfira na quantidade nem na qualidade, ressalta a ginecologista. A saída, então, é reduzir a quantidade de treinos.
Uma nova mulher
Na menopausa, os ganhos na saúde são evidentes: o exercício diminui o risco de doenças cardiovasculares, melhora os calores e, em alguns casos, permite até dispensar a reposição hormonal (sempre consulte um médico para checar qual a melhor alternativa no seu caso). Fora a melhora na autoestima. "Muitas vezes, as mulheres se acham desmotivadas e menos atraentes nessa fase da vida, com medo das mudanças físicas e emocionais", diz a treinadora Eliana Reinert.
"A prática regular de uma atividade física ajuda a colocar a vida em nova perspectiva, a avaliar o que quer manter dali em diante e o que quer mudar." Nas provas e nos treinos, o contato com outras participantes que têm as mesmas afinidades é prazeroso. Nas pistas, criam-se vínculos que permanecem até fora delas.
Turbilhão de hormônios
Não dá mesmo para ficar só nos aspectos físicos quando o assunto é mulher. O balé dos hormônios femininos produz efeitos que a razão desconhece. "Por exemplo, não há consenso médico quanto ao dia do ciclo menstrual ideal para correr", diz Tathiana. Geralmente, as praticantes preferem calçar o tênis depois do período menstrual. "Mas tenho pacientes que se sentem dispostas durante ou até antes, mesmo com cólica, porque a endorfina é vasodilatadora e analgésica, aliviando sintomas da tensão pré-menstrual (TPM), como dores e irritação". De qualquer maneira, vale a boa e velha recomendação: respeite os sinais do seu corpo. Se a cólica estiver fraca, tente correr. Muitas vezes, um treino leve é um santo remédio. Se ela já estiver muito forte, descanse e volte a correr no dia seguinte.
Comece a correr
Um plano para quem saiu das caminhadas e quer fazer da corrida uma aliada
"O objetivo desta planilha é criar três níveis diferentes de esforço físico, para as iniciantes se acostumarem ao ritmo da atividade", afirma a treinadora Cristina Carvalho, diretora do Projeto Mulher. Em dias intercalados aos de corrida, ela indica a prática de alongamento ("a proposta é aumentar a flexibilidade e prevenir lesões") e de musculação. Nos treinos de quarta, ela alia corrida e avanços, exercícios em que damos um passo largo e agachamos. "As sessões devem ser de 30 minutos", afirma Cristina.
Comer, beber e correr
Para fazer bonito nas pistas, o corpo precisa de combustível adequado
Quem faz esporte precisa comer direito, para obter energia e os nutrientes certos para ter um bom desempenho e afastar as lesões. E alguns nutrientes merecem mais atenção do time feminino: ferro e vitamina C, para compensar a perda de sangue no período menstrual; isoflavona, substância parecida com o hormônio feminino estrógeno; cálcio, para diminuir a chance de desenvolver osteoporose; e as gorduras do bem, potentes anti-inflamatórios que ajudam a espantar o desconforto na TPM. Uma das vantagens da corrida é ajudar a manter o peso.
Mas um cuidado que as mulheres devem ter é em relação à preocupação excessiva com o peso. Desnutrição e magreza excessiva podem ser tão danosas para a saúde quanto o sobrepeso. "Cerca de 80% das corredoras não conhecem a Tríade da Mulher Atleta, síndrome caracterizada por um balanço energético negativo [quando o gasto calórico é maior que o consumo], disfunções menstruais e baixa densidade mineral óssea", afirma Tathiana. A raiz desse problema está na alimentação: errando na quantidade e na qualidade do que põe no prato, o corpo responde com debilitações. Confira a seguir quatro itens que devem fazer parte da dieta da corredora saudável.
Ferro
Em geral, as mulheres têm mais tendência a desenvolver anemia por falta de ferro, causada pela perda de sangue durante o período menstrual. "Um bife pequeno, de 50 gramas, supre 20% das necessidades diárias. O ideal é consumir de duas a três vezes por semana", afirma a nutricionista Patrícia Campos-Ferraz, pós-doutoranda da Escola de Educação Física e Esporte da USP. "O feijão também é ótima fonte de ferro, além de ter fibras. Uma concha, cinco vezes por semana, é suficiente."
Vitamina C
Ela melhora a absorção do ferro no organismo. Uma tangerina contém a quantidade diária necessária. "Vale também temperar com limão a salada de folhas verde-escuras, ricas em ferro", diz Luciana Bruno, nutricionista clínica da Sociedade Brasileira de Diabetes. Outras opções de alimentos ricos em vitamina C são: acerola, laranja, goiaba, pimentão, abacaxi, tomate.
Isoflavona
É chamada de fitoestrógeno, por ter ação semelhante ao hormônio feminino. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou que os sintomas da menopausa entre mulheres que ingeriram 100 mg de isoflavona por dia tiveram uma redução de 80%. Soja e derivados são as fontes principais, mas a concentração da substância varia muito em cada produto, dependendo do tipo do grão, do solo e do processamento.
Cálcio
O cálcio fortalece os ossos — e por isso é um nutriente essencial para as mulheres, que têm menor massa óssea e, na menopausa, mais propensão à osteoporose. Segundo estabelece o Food and Nutrition Board, conselho americano de nutrição, a dose diária ideal de cálcio para mulheres saudáveis entre 19 e 50 anos é de 1 000 mg. A partir daí, deve ser aumentada para 1 200. Um copo de iogurte desnatado tem 200 mg e uma fatia de queijo minas fresco oferece 205 mg. Já 100 gramas de aveia fornecem 392 mg de cálcio. "Gestantes e mulheres na menopausa geralmente precisam consumir de quatro a cinco porções diárias. Por exemplo, um copo de leite, duas fatias de queijo e um copo de iogurte", explica Luciana.
Gorduras do bem
"Salmão, linhaça, azeite e frutas oleaginosas em geral (como amêndoas e castanhas) apresentam ácidos graxos poliinsaturados na composição, que têm ação anti-inflamatória e podem amenizar o desconforto e o inchaço durante a TPM, além de dores musculares depois do treino", diz Patrícia. "É recomendável pelo menos uma porção de um deles ao dia, principalmente na segunda metade do ciclo menstrual."
Dupla dinâmica
Para correr hoje e sempre, é importante aliar treino e musculação
Ao combinar corrida e fortalecimento, você melhora o rendimento e previne lesões. “O foco deve ser nos pontos de maior sobrecarga no corpo feminino: core, glúteos e medial da coxa”, diz o treinador Marcos Paulo Reis, diretor da MPR Assessoria Esportiva e colunista da Runner's World. “As mulheres têm a pelve mais larga e os joelhos angulados, favorecendo a pronação na pisada e a sobrecarga das articulações.” Confira a seguir exercícios de fortalecimento específicos para as mulheres, as diferenças de performance entre eles e elas nas pistas e uma planilha para voar no asfalto.