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Filho de Solimões, Gabeu é vanguardista do queernejo — entenda o que é

Artista traz sertanejo ao público LGBTQIA+ em disco de estreia, "Agropoc"; veja sua entrevista exclusiva com a EXAME

Capa do álbum "Agropoc" de Gabeu (Gabeu/Divulgação)

Capa do álbum "Agropoc" de Gabeu (Gabeu/Divulgação)

LP

Laura Pancini

Publicado em 24 de agosto de 2021 às 09h46.

Última atualização em 24 de agosto de 2021 às 15h05.

Gabeu quer "ressignificar o chapéu, a bota e a fivela". Nascido em 1998, nunca sequer houve um momento em que o jovem do interior de São Paulo estivesse sem a influência sertaneja: o artista começou a vida no mesmo momento em que seu pai, o cantor Solimões, lançava o disco “De São Paulo a Belém”, um dos maiores da sua dupla com Rionegro.

“A música sempre esteve ali, de uma forma ou de outra”, conta Gabeu a EXAME. Ao mesmo tempo, como homem gay, ele tinha dificuldade em se enxergar trilhando o mesmo caminho que o pai. “Sempre quis me lançar como artista no mercado, mas não sabia exatamente como. Não me via no sertanejo, mas não me via no pop”, disse.

É assim que o artista se tornou um dos fundadores do queernejo, gênero musical emergente no Brasil que traz o sertanejo na perspectiva do público LGBTQIA+. O nome vem da mistura de sertanejo com a palavra queer, termo guarda-chuva para definir quem não se encaixa em papeis heteronormativos de gênero e sexualidade.

Outras cantoras, como Reddy Allor e Alice Marcone, também são vanguardistas do gênero musical. “Vejo que é um movimento que bebe de diversas fontes. É sertanejo que estamos fazendo, mas cada artista tem referências diversas que vêm de diferentes lugares”, conta Gabeu sobre o queernejo, que se inspira majoritariamente na música pop.

De início, o cantor conta que teve receio em lançar sua primeira música, “Amor Rural”, que começou como uma brincadeira. “Eu corria um risco imenso de desagradar tanto o público tradicional sertanejo quanto a comunidade LGTBQIA+ consumidora de cultura pop”, disse. “Então foi realmente um tiro no escuro, porque não tínhamos referência de coisas que tinham sido feitas antes nesse estilo e que deram certo.”

Porém, certas pesquisas podem mostrar que a aposta de Gabeu foi certeira. O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), escritório privado brasileiro que lida com a distribuição dos direitos autorais das músicas aos seus autores, divulgou estudo que mostra que o sertanejo é o gênero mais tocado em todo o país

A pesquisa da Ecad analisou a execução pública de músicas na plataforma de streaming Spotify e descobriu que, de cada 100 músicas tocadas, 37 são do sertanejo. Em seguida, aparecem o pop (30%) e o dance (8%).

O disco de estreia, “Agropoc”

"Agropoc" de Gabeu

Foto do álbum "Agropoc" de Gabeu (Gabeu/Divulgação)

Em “Agropoc”, o artista passeia por diferentes vertentes da música sertaneja, desde o sertanejo raiz até o universitário. A capa do disco, com Gabeu segurando um rádio de pilha antigo enquanto usa um fone sem fio, traduz o contraste entre antigo e moderno presente nas músicas.

Nas letras, amores ingratos, sofrência, paixões avassaladoras, gandaias e bebedeiras, entre outros, atravessam o álbum de modo bem humorado, o que faz de "Agropoc" uma obra eficiente para dançar e cantar junto ao mesmo tempo.

Entre sertanejo e a cultura pop LGBTQIA+, a única semelhança nestes dois mundos contrastantes é o humor. Em músicas como “Sugar Daddy” e “Amor Rural”, Gabeu não hesita em fazer trocadilhos como “Sai desse armário e vem pro meu curral” e “Pode ser Milionário ou até José Rico/Eu não vou cair na lábia de um herdeiro”.

“A forma como eles [os sertanejos] utilizavam o humor para interpretar, cantar, contar histórias e até fazer leituras sociais e políticas da época, tudo isso me marcou muito”, relembra o cantor, que cita a música “Romance das Caveiras” da dupla Alvarenga e Ranchinho como uma de suas influências.

Porém, o artista deixa claro que não quer que o movimento se limite àquela “coisa caricata”. “Claro que temos o humor, mas não é só colocando a gente naquele lugar de palhaço para fazer pessoas héteros rirem”, comenta Gabeu.

Sua música “Filho” é o maior exemplo disso. Escrita como uma “carta aberta aos pais que não amam os filhos”, a música melancólica é inspirada na relação conturbada de um ex-namorado do artista com os pais. 

Entre os fãs, Gabeu conta que a favorita é “Bailão”, um modão sertanejo que levanta qualquer um para dançar. Já a sua é “Bandoleiro e o Atacante”, um country de faroeste que foge da estrutura tradicional da música e narra a história da dupla do título.

Já a mais estratégica, na opinião de Gabeu, é “Queda D’água”, um sertanejo universitário feito em parceria com a cantora Reddy Allor. “Não menciono gênero na música, com o intuito de que atinja mais pessoas. É uma música meio que para furar a bolha.”

Produzindo o álbum desde 2019, a expectativa de Gabeu para 2022 é finalmente ter a chance de fazer shows e tocar suas músicas autorais. 

“Espero que minhas letras façam meu público rir comigo, dançar comigo, chorar comigo, imaginar comigo, refletir comigo... Bato sempre nessa tecla, o álbum é diverso, nas composições isso não seria diferente. Então espero que as pessoas adentrem de fato cada narrativa e cada temática que eu decidi abordar neste projeto. Compor todas essas músicas foi uma enxurrada de emoções”, disse o cantor.

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