Modelos desfilam na passarela da Gucci Ancora durante a Milan Fashion Week em Milão. (Daniele Venturelli/Getty Images)
Colunista
Publicado em 4 de outubro de 2023 às 09h57.
O mundo da moda está sempre em constante transformação e evolução, mesmo que evolução nesse caso significa olhar para trás para dar passos à frente. Apenas nessa primavera/verão 24, Sabato De Sarno retomou às raízes da Gucci após a saída de Alessandro Michele; Peter Hawkings fez sua estreia em Milão seguindo os passos de Tom Ford; e a brasileira Karoline Vitto brilhou com uma coleção plus-size inédita nas passarelas milanesas com o suporte da Dolce & Gabbana.
Nos últimos anos, testemunhamos uma notável mudança nos designs e na forma como as marcas se apresentam nas passarelas das icônicas capitais da moda. Desde o impacto da pandemia, uma transformação cativante ocorreu. As marcas, que apostavam em roupas ornamentadas e extravagantes, apresentações performáticas, e presenças VIPs em seus desfiles, tomaram um rumo mais minimalista e realista.
Em momentos em que ninguém sabe para onde ir, a moda volta para suas raízes. As marcas olham para o seu acervo, sua história e trabalham isso ao invés de realmente propor algo novo, algum rompimento. As peças dessa primavera/verão 24 em Milão e Paris apresentaram uma celebração da qualidade dos tecidos, cortes meticulosos e uma paleta de cores mais suaves. Essa evolução em direção a looks mais limpos e descomplicados reflete uma clara busca por uma moda mais atemporal e versátil, que pode ser adaptada a uma variedade de ocasiões.
A Prada volta a resgatar o ugly-chic, estética que a moda atual adotou mas teve origem nas passarelas da marca de Miuccia Prada, ainda na década de 1990. Mais uma prova do olhar para as raízes foi a re-criação de uma bolsa da marca lá dos anos 1930, criada pelo próprio Mario Prada, avô de Miuccia e fundador da marca.
Outro desfile que chamou atenção, nesse caso por sua simplicidade, foi o da Gucci, na estreia do novo diretor criativo Sabato De Sarno. Essa primavera/verão 24 foi sobre enfatizar a importância da roupa e do produto, evitando os excessos e os gritos chamativos que frequentemente associamos à moda. A abordagem dele foi na contramão do que se viu nos últimos anos na marca: minimalista e com os pés no chão.
No desfile da Gucci, pudemos testemunhar uma sensação nostálgica e uma espécie de "reinício" para a marca. De Sarno teve a coragem de quase apagar todo o estilo composto por Alessandro Michele. O desfile trocou toda a logomania e as roupas extravagantes por cores neutras, shorts curtos e peças justas. A mudança foi um refresco em relação ao excesso, à ideia de roupas concebidas principalmente para o Instagram, uma espécie de moda descartável, feita apenas para ganhar likes e seguidores. É interessante ver um retorno ao foco na moda para a vida real, mesmo que isso esteja ao alcance de apenas alguns, especialmente no caso das marcas de luxo.
Em Paris, Anthony Vaccarello, diretor criativo da Saint Laurent, resgatou a famosa jaqueta Saharienne deu as caras pela primeira vez em 1967, ajustada, bem rente ao corpo e foi imortalizada por Veruschka nas páginas da Vogue (então Paris) França, no ano seguinte. A peça sporty era um sopro de liberdade, utilitária e prática, termos que começavam a ser aceitos no guarda-roupas da época. Esse retorno às origens tem ajudado a Saint Laurent a recuperar sua posição de uma das marcas mais iconográficas da moda e reconquista os admiradores desse estilo mais sofisticado e moderno.
Essas mudanças no geral também trazem à tona a valorização de trabalhos e tecidos mais nobres, bem como a apreciação do artesanato, do trabalho manual, elementos que naturalmente encarecem as peças, mas as tornam mais especiais e menos suscetíveis a falsificações. É impossível não notar a volta das peças marcantes, bem estruturadas, principalmente com uma alfaiataria moderna. As Semanas de Moda em Milão e Paris recentemente nos brindaram com um vislumbre de como o minimalismo e a elegância, focados em produtos de alta qualidade estão ressurgindo no mundo da moda.