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Em busca de lúpulo brasileiro

Na cidade paulista de Campos do Jordão brotou um fenômeno raro no Brasil: uma plantação de lúpulo robusta, com aroma que lembra flor de maracujá. O lúpulo é uma trepadeira da família das canabináceas que integra a tríade sagrada de ingredientes da cerveja: água, malte e lúpulo. Dos três ingredientes, é o mais pesquisado mundo […]

LÚPULO DE CAMPOS DO JORDÃO: a procura por uma cerveja genuinamente brasileira / Camila Almeida
DR

Da Redação

Publicado em 20 de maio de 2016 às 19h39.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h03.

Na cidade paulista de Campos do Jordão brotou um fenômeno raro no Brasil: uma plantação de lúpulo robusta, com aroma que lembra flor de maracujá. O lúpulo é uma trepadeira da família das canabináceas que integra a tríade sagrada de ingredientes da cerveja: água, malte e lúpulo. Dos três ingredientes, é o mais pesquisado mundo afora, e aquele que mais aproxima o universo da cerveja do requintado mundo do vinho. São os diversos tipos e dosagens de lúpulo que diferenciam a cerveja em amargor e aroma.

No Brasil, 100% das cervejas são produzidas com lúpulo importado, porque o clima não favorece. O lúpulo precisa de clima frio, seco e grande altitude para vingar. Mas essa realidade está começando a mudar. A cervejaria Baden Baden, de Campos do Jordão, em parceria com a fazenda Entre Vilas, realizou sua segunda colheita de lúpulo brasileiro em abril. Mesmo após uma temporada difícil para a agricultura na Serra da Mantiqueira, com poucos dias de frio, muitas chuvas e até granizo caindo sobre a plantação, o lúpulo vingou.

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“Esse é um passo importante para produzir uma cerveja brasileira que tenha características realmente únicas”, diz Rubens Mattos, gerente de pesquisa e desenvolvimento da cervejaria Brasil Kirin. A primeira safra, colhida no ano passado, havia sido inesperada: normalmente, a planta não floresce no primeiro ano. Com a safra inaugural, ainda recém-nascida na escala de maturidade, foi produzida a primeira cerveja com lúpulo brasileiro, no estilo Helles Bock, em edição comemorativa de 15 anos da Baden Baden.

Este ano, a colheita já se mostrou mais consistente. O agrônomo Rodrigo Veraldi, proprietário da fazenda, espera colher entre 200 e 300 quilos de lúpulo este ano – ainda é pouco, mas é o bastante para 200.000 litros de cerveja. “Conseguimos produzir aqui uma variedade muito rústica. Ela cresceu sem nenhum sistema de irrigação e ao ar livre. Uma produção de baixíssimo custo e muito resistente às adversidades climáticas e às pragas, excelente para ser replicada por agricultores locais”, diz.

Ainda é cedo para falar de ampliar a produção. “Por enquanto, esse lúpulo ainda tem pouco amargor, mas é muito aromático. Ainda estamos observando como a planta vai se desenvolver. Até a quarta safra, ela produz o que chamamos de baby hop, um lúpulo filhote”, afirma Veraldi. Combinações genéticas também não foram testadas ainda. As plantações de lúpulo ficam maduras e mais viáveis de serem exploradas comercialmente a partir do quinto ano.

As primeiras referências a plantações de lúpulo datam do século 8, na Alemanha. No mundo, o lúpulo se tornou popular no século 16 e, desde aquela época, é crucial para adicionar aroma e sabor à cerveja. Antes dele, usava-se ingredientes como gengibre ou anis, mas o lúpulo se consolidou porque, além do amargor, também oferece propriedades conservantes à cerveja. Mas foi com a Inglaterra e a expansão do comércio marítimo que o lúpulo chegou às Américas, no século 17. Em todo o mundo, existem cerca 200 tipos de lúpulo, numa conta que cresce a cada ano com os novos cruzamentos. Cada um deles dá um sabor muito específico à cerveja – pode ser gosto de banana, de chocolate, de maracujá…

Uma cerveja com a cara do Brasil

Há dez anos, Rodrigo Veraldi havia ganho uma porção de sementes de um amigo. Fez mudas em vasos, colocou na estufa, passou anos tentando descobrir qual variedade seria mais produtiva, dentre as oito plantas geneticamente diferentes que floresceram. Acabou escolhendo uma que parecia mais promissora, mas nada de ela apresentar uma produção consistente. “Eu desisti. Joguei a planta fora numa área de descarte que eu tenho aqui no terreno. Anos depois, quando passei por lá, havia uma moita enorme de lúpulo, cheia de flores”, conta o agricultor. Desse pé, plantou um hectare de lúpulo, com sucesso. A Brasil Kirin, empresa dona da Baden Baden, também está testando plantações em Itu e no Paraná, e tentando ver como o lúpulo se adequa aos outros tipos de clima.

Em 2015, foram produzidos 13,8 bilhões de litros de cerveja no Brasil, o que representa uma queda de -2% em relação a 2014. Deste mercado, apenas 6% é voltado à produção especial ou artesanal, com maior adição de lúpulo. A cerveja tradicional tem entre 12 e 15 IBU (International Bitterness Unit, ou Escala Internacional de Amargor), enquanto uma pilsen tradicional, estilo do qual ela derivou para se tornar mais comercial, tem pelo menos 30 IBU. As cervejas especiais, produzidas com lúpulo importado dos Estados Unidos e da Europa, podem chegar a 100 IBU, e são recentes no Brasil. “Quando a Baden Baden nasceu, em 1999, apenas a Colorado [de Ribeirão Preto] fazia cervejas artesanais. Desde o começo, ela apostou nessa produção, quando os consumidores brasileiros nem conheciam e até rejeitavam as cervejas mais amargas”, diz Juliano Mendes, um dos fundadores da cervejaria catarinense Eisenbahn, fundada em 2002 e também vendida à Brasil Kirin (antiga Schin) em 2008.

Segundo os fabricantes, as cervejas especiais chegam a 6% do mercado brasileiro – mas aí estão incluídas marcas como Budweiser e Heineken. As com sabores realmente diferentes – e muito lúpulo na receita – não devem chegar a 2% do mercado. “Nos próximos três anos, a previsão dos fabricantes é que as cervejas especiais ocupem 12% do mercado”, avalia Alexandre Candido, gerente de cervejas especiais da Brasil Kirin. No mundo, elas já dominam 14% do mercado e devem atingir 20% até 2020.

Desenvolver novos tipos de lúpulo, feitos sob medida para o gosto dos novos consumidores, é um caminho que deu certo nos Estados Unidos. Por lá, as cervejas especiais e a plantação de lúpulo cresceram concomitantemente. Hoje, os Estados Unidos produzem cerca de 40% do lúpulo no mundo e as cervejas americanas do estilo India Pale Ale rivalizam em qualidade com as tradicionais britânicas, usando só ingredientes locais. Na verdade, os americanos criaram uma nova escola cervejeira, com bebidas mais amargas que as europeias.

No Brasil, apesar de o lúpulo nacional ser um caminho para firmar uma escola brasileira de cerveja, não é a única saída. Já existem mais de 250 cervejarias no Brasil, a maior parte delas em busca de uma bebida que tenha a nossa cara. Frutas como umbu, jabuticaba, cambuci e bacuri, além de rapadura e pimenta, começaram a fazer parte das receitas. Isso já nos diferencia muito da escola alemã, por exemplo, onde reina a Lei da Pureza, que permite apenas cervejas feitas com água, malte e lúpulo. A lei, batizada de Reinheitsgebot, completou 500 anos essa semana. Deixa os alemães muito orgulhosos do produto que fazem no país, mas gera polêmica com alguns cervejeiros artesanais, que acreditam que a limitação impede que a Alemanha avance em inovação.

“Acredito que o caminho para a cerveja brasileira – e para qualquer outra cerveja do mundo – é apostar nos ingredientes locais e nas características únicas de cada lugar”, afirma David Michelsohn, dono da Cervejaria Júpiter e da Choperia São Paulo, que só vende as cervejas produzidas no estado de São Paulo. “No exterior, as cervejas brasileiras fermentadas em barris de amburana, como a cachaça, despertam muita curiosidade”, diz. A cervejaria paranaense Way Beer e a mineira Backer, comprada recentemente pela Ambev, já se arriscaram nessa técnica de maturação. Fundar uma escola de cerveja demanda tempo e entendimento do jeito brasileiro de fazer e beber as cervejas locais. A escala deve ajudar também a derrubar o preço. Uma garrafa da Baden Baden 15 anos, feita com lúpulo de Campos do Jordão, custa perto dos 28 reais.

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