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Eles amam o carro que as pessoas amam odiar

No panteão de carros considerados atrocidades irremediáveis, um está acima de todos, ou talvez abaixo: o Yugo

Carros: para os colecionadores de carros antigos, a mecânica ultrapassada não é um grande problema.  (Brian Kaiser/The New York Times)

Carros: para os colecionadores de carros antigos, a mecânica ultrapassada não é um grande problema. (Brian Kaiser/The New York Times)

MD

Matheus Doliveira

Publicado em 22 de junho de 2021 às 07h25.

Última atualização em 22 de junho de 2021 às 15h46.

No panteão de carros considerados atrocidades irremediáveis – pense em Edsel, Aztek, Pacer –, um está acima de todos, ou talvez abaixo: o Yugo.

Sem dúvida, nenhum carro foi mais caluniado do que esse utilitário. Foi chamado de "difícil de ver com o estômago cheio" e "a Mona Lisa dos carros ruins", e se dizia que se parecia com "algo montado sob a mira de uma arma" – particularmente adequado porque a empresa iugoslava que montava o carro, a Zastava, também fazia armas de fogo.

Você pode chegar ao ponto de dizer que era "um carro completamente menor e vil", como Eric Peters fez em seu livro "Automotive Atrocities" (Atrocidades automotivas, em tradução livre), mas não deixe que Jay Pierce, cujo site yugoparts.com mantém os carrinhos funcionando, o ouça. "Esse ataque 'comédia' começou com o 'The Tonight Show' e é uma maneira doentia de fazer com que as redes ganhem dinheiro prejudicando as pessoas. Realmente, precisamos de leis mais duras contra a difamação neste país", afirmou ele com um nojo mal disfarçado.

Pierce é um dos fãs mais assertivos do Yugo, que defende a reputação do carro com o afeto superprotetor geralmente reservado a gatinhos que ficam cegos ou a cães de três patas.

"Você vai encontrar pessoas que gostam dele pela obscuridade, apenas pela novidade de possuir os mal-amados", comentou Valerie Hansen, de Columbus, em Ohio, que está restaurando seu quarto Yugo, modelo raro de 1984 trazido por um expatriado iugoslavo. Seu motor é ainda menor que a versão de 54 cavalos importada pela Yugo America.

Hansen disse que gosta do Yugo por duas razões. Primeira: ele tem a ver com suas raízes ancestrais dos Bálcãs. Em segundo ligar, sua simplicidade mecânica significa que ela mesma pode fazer reparos: "Dá para consertar um Yugo com uma faca de manteiga e um elástico."

O Yugo nem sempre foi visto tão favoravelmente, embora seu preço de US$ 3.990 (US$ 9.900 em dólares de hoje) tenha ganhado manchetes em seu lançamento em 1985. Os econoboxes concorrentes incluíam o Chevy Chevette, que custava US$ 5.645; o Ford Escort L por US$ 6.327; e um Volkswagen Golf por US$ 7.190.

A revisão da "Consumer Reports" beirava a crueldade. "O motor lutou e se esforçou nos aclives da estrada em alta velocidade." A transmissão? "Facilmente, a pior que encontramos em anos." O interior estava "coberto com um pano que se assemelha ao de uma toalha de banho". Por outro lado, "é fácil acionar o pisca-pisca quando você quer virar à esquerda".

No entanto, inicialmente não faltaram compradores para o Yugo. "Fomos bem. Um pouco bem demais no início", observou Steve Moskowitz, que era revendedor e agora é executivo-chefe do Clube de Carros Antigos dos EUA.

"Bem demais" porque as legiões de novos donos descobriram problemas antes das revendedoras, como as velas de ignição inadequadas para o combustível sem chumbo dos Estados Unidos. "Tivemos pequenos problemas; não eram falhas de motor. Era uma ideia decente e uma boa compra para quem procurava transporte básico", garantiu Moskowitz.

Outros problemas surgiriam. "Eles exigiam manutenção específica", disse Daniel Tohill, que dirige a página do Facebook Yugo America Chat/Talk/Buy/Sell. Mais especificamente, se a correia de distribuição não fosse consertada antes dos 50 mil quilômetros, os pistões do motor bateriam nas válvulas até destruí-las.

É difícil entender por que alguém esperaria mais que uma mera adequação do Yugo. Ele usava peças da Fiat, marca cuja reputação de inconfiabilidade fez a montadora abandonar os EUA em 1983.

(Brian Kaiser)

Com a saída da Fiat, o empresário automotivo Malcolm Bricklin viu uma oportunidade. Bricklin havia introduzido o Subaru 360 "Ladybug" nos Estados Unidos, que em 1969 a "Consumer Reports" classificou como "inaceitável". O Ladybug falhou, mas a Subaru dos EUA sobreviveu. Em meados dos anos 70, ele criou o Bricklin SV-1, carro esportivo cujo design foi um presságio do DeLorean. Também não deu certo. Então, importou dois carros esportivos da Fiat, o X1/9 e o 124 Spider, rebatizando-os de Bertone X1/9 e Pininfarina 124 Spider. Isso não resolveu os problemas de ferrugem.

Na narrativa de Bricklin, a Pininfarina terminou seu contrato com ele como parte de um acordo para fazer o Allanté Pininfarina para a Cadillac, deixando-o com um carro a menos do que prometera aos revendedores. "Então, encarreguei alguém de encontrar o carro mais barato do mundo", contou ele em um painel de discussão em 2013.

Este foi encontrado na Iugoslávia. Bricklin foi lá e viu "aquela fábrica caindo aos pedaços, com 50 mil pessoas quando deveria ter duas mil e 127 sindicatos comunistas. Eu disse: 'Ah, não é divertido?'".

Mas o Yugo enfrentaria um inimigo muito mais formidável que o comunismo: Jay Leno. "Sempre terei a sensação de que Jay Leno pessoalmente matou o carro. Ninguém gosta de ter um modelo que é uma piada", disse Moskowitz.

É um princípio dos fãs que o carro teria ido bem se não fossem essas piadas, sempre presentes no "Tonight Show" de Leno desde o fim dos anos 80. "Leno causou danos incalculáveis ao meu negócio e aos proprietários do Yugo", afirmou Pierce.

"O Yugo bolou um dispositivo antirroubo muito inteligente: aumentou as letras do nome" era uma das piadas de Leno.

Mas não foi só Leno. Mesmo agora, os entusiastas de carros contam piadas como: "Você sabe por que o Yugo tem um desembaçador de janela traseira padrão? Para manter suas mãos quentes enquanto você o empurra." Ou: "Como você dobra o valor de um Yugo? Encha o tanque de gasolina... caso não haja um vazamento." Foi satirizado em filmes como "Quem Não Matou Mona?" e em músicas como "In a Yugo".

(Brian Kaiser/The New York Times)

Poucos motoristas do Yugo se ofendem. "Nós mesmos fazemos piadas", comentou Hansen.

"As pessoas compram esses carros hoje como piada, e para ganhar prêmios em concursos de carros", disse Nick Bygrave, funcionário da Midwest-Bayless Italian Auto, fornecedora de peças da Ohio Yugo em Columbus. Ele encontrou um GVS de 1987 coberto de musgo, abandonado em um campo fazia 20 anos, mas que funcionava. Quando se livrou do musgo, a pintura estava fosca. "Não quero me gabar, mas ele ganhou o 'Cars and Coffee' todas as vezes", contou ele sobre essas exibições periódicas.

Quando Kevin O'Callaghan comprou 39 Yugos para que seus alunos da Escola de Artes Visuais de Nova York os transformassem em esculturas, o preço mais alto que pagou foi US$ 80. "Um cara chegou a levá-lo até minha casa. Perguntei a ele o preço. Resposta: 'Não quero nada por essa porcaria. Só quero uma carona para casa, e não nele.'"

Apesar de todas as suas falhas – muitas, muitas, muitas falhas –, os proprietários garantem que o Yugo é menos problemático e mais charmoso do que normalmente se pensa. Quando Bygrave planejou uma viagem de Ohio a Nova York, seu chefe lhe disse: "Não acho que seja uma boa ideia." Bygrave escreveu "NYC OR BUST" (Nova York ou Morte) na janela traseira e saiu durante uma nevasca. "Depois de 11 horas, quando cheguei a Nova York, as pessoas estavam buzinando, um carro da polícia ligou a sirene, um cara em um caminhão de lixo nos filmou com um celular. Meu rosto acabou doendo de tanto que sorri."

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