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Ele ajuda a resgatar a história da Cartier. E a entender o que faz sentido hoje

O trabalho de Pierre Rainero, diretor de imagem e herança da maison francesa, é vasculhar os arquivos e analisar o contexto em que cada relógio foi lançado

Pierre Rainero, diretor de imagem e herança da Cartier: preocupação em fazer peças para serem usadas (Jean François Robert/Divulgação)

Pierre Rainero, diretor de imagem e herança da Cartier: preocupação em fazer peças para serem usadas (Jean François Robert/Divulgação)

Ivan Padilla
Ivan Padilla

Editor de Casual e Especiais

Publicado em 19 de abril de 2024 às 07h00.

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GENEBRA. Pierre Rainero está há 40 anos na Cartier. Isso significa que ele fez parte significativa da história recente da maison de luxo origem francesa, fundada em 1847. É o homem certo no cargo certo. Ele começou na área de comunicação, foi diretor de marketing, passou por outros cargos e países até assumir a diretoria de imagem e herança da marca, na sede em Paris.

E se tem uma marca com herança, essa é a Cartier. Na edição deste ano do salão de relojoaria Watches & Wonders, em Genebra, que aconteceu entre 9 e 13 de abril, a marca que hoje pertence ao grupo Richemont lançou releituras de clássicos, como um Santos, apresentado pela primeira vez em 1904, com numerais invertidos, e uma versão deslumbrante do Tortue, de 1912, para ficar em dois exemplos.

Durante um intervalo no salão de Genebra, Rainero falou com a Casual EXAME sobre o seu trabalho no dia a dia e a história da Cartier.

Como é o seu dia a dia de trabalho, qual é a sua rotina?

Dentro do salão Watches & Wonders ou em geral (risos)? Não tenho dois dias iguais, tenho muitos tópicos diferentes para lidar. Minha responsabilidade central é com o estilo. Tenho uma equipe grande, umas 70 pessoas, entre a parte de patrimônio, a parte de exposição, a parte de arquivos. Nem estou contando os departamentos de arquivo em Londres e Nova York. Temos a parte curatorial da coleção e a parte comercial para as peças antigas, também em Genebra. O departamento de exposições lida com museus e coisas do tipo.

O quanto seu trabalho se conecta com os lançamentos de cada ano?

Os trabalhos se conectam, claro, mas em diferentes níveis. O trabalho do meu departamento é enriquecer os outros setores sobre o que a Cartier representa. A primeira coisa que você precisa saber é que, dentro da empresa, as únicas pessoas que têm acesso livre aos arquivos são os designers. Mas além desse acesso livre por conta própria, meu papel é fornecer a eles uma análise do que estamos vendo e compartilhar com eles os principais princípios por trás de tudo. É explicar o como e o porquê. Porque na verdade os objetos foram criados em um certo contexto e esses princípios podem dar origem a outro tipo de objeto hoje porque o contexto é diferente.

Este ano o Santos vem com números arábicos. É a primeira vez nessa linha?

Não, não, não é a primeira vez. Tínhamos isso no passado já. Muito raramente, mas tínhamos, sim. Para pedidos especiais nós fazemos muito, a propósito. E até com números chineses, com números japoneses, números indianos. Na China você também tem dois tipos de números, tem os mais tradicionais e os mais novos. Então somos muito, digamos, flexíveis em termos de números. Mas os números romanos são mais tradicionais dentro dos Santos.

"Existe uma cultura Cartier da beleza"

Você disse em outras entrevistas que seu modelo favorito é o Tank. Por quê?

Verdade, eu não menti. Eu gostava do Tank antes de me juntar à Cartier. Eu pensava no que havia levado a Cartier a essa forma específica, a essa beleza e a essa simplicidade principalmente. Me lembro do meu interesse na essencialidade da forma, nessas duas linhas paralelas, tão diferentes de todas as outras que existem no mundo inteiro de relojoaria. Ao mesmo tempo eu ficava intrigado pela tradição que ele carrega, os números romanos, especialmente o número quatro, que não é aquele quatro tradicional, que é com um I e um V, e sim quatro vezes o I. Também ficava intrigado porque na época o Tank era produzido apenas em ouro amarelo, segundo meu conhecimento, eu não sabia que existia em platina ou ouro branco na época. Então havia uma espécie de design muito contemporâneo em termos de simplicidade ou essencialidade, e ao mesmo tempo, algo que inscrevia aquele objeto em uma certa tradição ocidental.

É pela simplicidade então?

Eu não sabia nada sobre a Cartier, mas a minha curiosidade foi uma forma de perceber o que faz a Cartier diferente. Hoje, quando eu entendo a vontade por trás da equipe de Louis Cartier na época, eu até passei a apreciar ainda mais o Tank. Desde o Santos em 1904, o Tonno em 1906, o Tortue em 1912 e o design do Tank em 1917, você pode ver esse caminho em direção ainda mais à simplicidade para produzir um relógio de pulso. O Tank pode ser considerado como o passo final para se alcançar essa essencialidade. O Tortue é igualmente simples. A única diferença é falta de linhas retas, você tem uma espécie de parênteses, uma curva. Eu gosto do Tortue porque é bem equilibrado em termos de volume.

O que faz a Cartier tão especial? É a beleza, é o design?

É a beleza do design (risos). Primeiro, mesmo que pareça um pouco ambicioso, a noção de beleza é essencial. Temos que estar convencidos de que o objeto é bonito. É claro, a beleza pode ser muito relativa, relativa à cultura, relativa a você mesmo. No nosso caso, é uma cultura da Cartier de beleza, estamos totalmente cientes de que temos nossa própria noção de beleza. É o nosso ponto de vista sobre o que torna um objeto bonito. Nosso trabalho diário é brincar com formas, criar formas, projetá-las. O que também devemos mencionar na Cartier é a constante preocupação que temos em criar objetos que sejam relevantes para os clientes de hoje. Sempre insisto nisso. Quando estamos diante de um novo projeto, um novo projeto criativo, as perguntas que levantamos são sempre as mesmas. Claro que tem que ser bonito, isso é essencial para nós. Mas há outro tipo de pergunta que devemos fazer: isso é relevante para o modo de vida das pessoas hoje? Está inserido naturalmente no modo como as pessoas vivem? Se você comprar um objeto apenas para colocar em um cofre ou para admirar em uma prateleira, acho que seria um fracasso. Estamos criando objetos para serem usados e usados. Se você não os usa, é um grande fracasso.

Depois de 40 anos na Cartier, como vê a empresa hoje? O DNA é o mesmo?

O DNA permanece o mesmo, mas a maneira como nos expressamos é obviamente diferente de como era há 40 anos. É isso que faz a diferença. Eu sempre falo sobre um tema que é a relação entre as leis do tempo e as leis da eternidade. É claro que as leis do tempo mudam. E acho que não podemos ignorar as leis do tempo, mas ao mesmo tempo há uma dimensão que eu chamaria de eternidade, que é o que permanece. O que nos cerca, de certa forma, é a nossa cultura. É nosso passado, nossos antepassados, é a maneira como vemos as coisas, a maneira como percebemos a beleza, a maneira como percebemos as formas. Acho que essas coisas são uma eternidade. E acho que isso também é uma coisa muito Cartier.

  • O jornalista viajou a convite da organização do salão Watches & Wonders
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