Documentário sobre impeachment de Dilma estreia na Netflix
O documentário "Democracia em Vertigem", dirigido por Petra Costa, aborda a polarização política brasileira, que resultou no impeachment de Dilma
Estadão Conteúdo
Publicado em 19 de junho de 2019 às 11h51.
Última atualização em 24 de junho de 2019 às 16h13.
Tudo começou com o chileno Patricio Guzmán. Não, foi antes. No processo eleitoral de 2014, Petra Costa sentia o país dividido, mas ainda não havia experimentado a urgência de sair para a rua com sua câmera para documentar o que se passava. Mas aí veio 2016, o mar de gente vestindo verde/amarelo.
Ela havia visto recentemente o tríptico de Guzmán, A Batalha do Chile - A Insurreição da Burguesia, O Golpe de Estado e O Poder Popular. Foi aí que Democracia em Vertigem começou a nascer para ela. Entender o Brasil, o que se passava - tudo. "Começou com o impeachment da (presidente) Dilma (Rousseff) , mas aí era preciso entender como havíamos chegado àquilo."
E ela prossegue: "O projeto foi crescendo na minha cabeça. Era preciso voltar à rua, seguir o processo no Congresso, documentar o que estava se passando no País. Só que para isso tive de voltar às greves do ABC. E, filmando os acontecimentos, dei-me conta do isolamento no Planalto Central. Voltei a Juscelino (Kubitschek) e à construção de Brasília. E, nem assim, o filme me parecia completo. Veio o novo processo eleitoral, a candidatura de (Jair) Bolsonaro". O resultado de todo esse esforço está disponível na Netflix, a partir desta quarta-feira, 19.
O filme teve sua estreia mundial em Sundance, em janeiro, e depois disso percorreu um importante circuito de festivais. Ganhou muitos elogios. Em diferentes países, Petra ouviu gente lhe dizer que não havia feito um filme só sobre o Brasil, e que o filme dela captava um momento crítico da história do mundo, ajudava a entender os EUA sob Donald Trump, a direitização de vários países da Europa.
Para o cinéfilo brasileiro, que conhece melhor a autora - de Elena e O Olmo e a Gaivota -, não será surpresa vê-la assumir sua marca, a narrativa em primeira pessoa. O filtro é o olhar de Petra, a forma como ela viveu e sentiu esses anos. Mas há um plus a mais, como diria Daniel Filho - Petra pertence a uma família rica, do ramo da construção (Andrade Gutierrez). Ela faz o filme de uma perspectiva de classe. Diz, textualmente, que essa "guerra" está sendo levada por sua classe, contra os pobres.
Ela entrevista a própria mãe, que diz que os processos da Lava Jato carregam uma novidade no combate à corrupção. Mas a mãe também reflete que a elite está disposta a sacrificar uma parte de si para mascarar o que chama de partidarização do processo.
Por mais que considere o Brasil surreal, Petra, ao se lançar ao filme com a Netflix e investidores estrangeiros, de fundos internacionais - não queria investidores brasileiros para garantir sua independência -, jamais imaginou que Democracia em Vertigem chegaria ao público nesse momento particular da Lava Jato. O que a moveu foi uma convicção profunda.
"No filme sobre a morte da minha irmã (Elena) e, em O Olmo e a Gaivota, em torno de uma gravidez, estava convencida de que o que, às vezes, parece muito íntimo, é também político. Agora, é o inverso, o político é que é íntimo. Perder um ente querido pode ser muito triste, dilacerante, mas estamos na iminência de perder a nação, e aí a dor é infinita. Estou lutando pela minha, pela nossa identidade."
Não foi fácil chegar à ex-presidente Dilma Rousseff. Petra escreveu-lhe uma carta, pediu ajuda a todo o mundo que conhecia para tentar chegar ao núcleo palaciano. Um dia veio a resposta: "Dilma vai falar, é só esperar". Passaram-se semanas, e nada. Um dia, veio o alerta: "É agora".
Petra regressou a Brasília. Dilma concedeu-lhe uma entrevista formal. Não era o que queria, nem a usou no filme. Terminou abrindo o coração - queria outra coisa, mais visceral. O acesso ao carro presidencial, como nesse momento, após a votação do impeachment na Câmara, em que Dilma, singular e paradoxalmente, está no carro com seu advogado. "Ela diz que está vivendo uma situação kafkiana, mas foge ao óbvio. Diz que não é o Kafka de O Processo, mas o de O Castelo, e explica por quê. É simples, direta, e brilhante. É um dos meus momentos favoritos."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.