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Bancos, tsunami e Trancoso: a epopeia de um Rothschild que vende vinhos no Brasil

Philippe de Nicolay Rothschild, que escolheu o Brasil para morar, diz só importar rótulos dignos da sua própria mesa

Philippe de Nicolay Rothschild, fundador da importadora PNR (Edega/Divulgação)
DS

Daniel Salles

Publicado em 11 de janeiro de 2021 às 06h00.

Última atualização em 11 de janeiro de 2021 às 16h15.

Quando mudou para o Brasil em 2010, o empresário francês Philippe de Nicolay Rothschild pensou em criar um banco privado. Era uma ideia natural para um descendente da mais notória e poderosa dinastia de banqueiros da Europa. A sondagem do mercado, no entanto, revelou que o setor estava saturado e Philippe desistiu da ideia. Contudo, embora o filho dos famosos barões Guy e Marie-Hélène de Rothschild, como qualquer Rothschild, não precisasse trabalhar para viver, na época com apenas 55 anos, não estava disposto a se aposentar. “Eu precisava de uma atividade”, diz Philippe num português claro com um acento francês.

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Decidiu, então, trabalhar com vinhos e fundou a PNR Import. Outra ideia bastante natural: o sobrenome Rothschild é quase sinônimo de grandes vinhos, está ligado a dois dos maiores (e mais caros) rótulos de Bordeaux, o Château Lafite Rothschild e o Château Mouton Rothschild. O primeiro pertence ao ramo mais próximo da família de Philippe que detém o Domaine Barons de Rothschild. Além do Château Lafite, o grupo, do qual seus dois irmãos são sócios, tem outras vinícolas na França, no Chile, na Argentina e na China. Era com essas vinícolas que ele pensava trabalhar.

A PNR era destinada a trazer apenas os rótulos da família para o Brasil. Com o tempo, no entanto, o empresário sentiu necessidade de ampliar o portfólio. Hoje a empresa importa vinhos de seis países e tem dois braços, a Monvin, que se destina a vendas para restaurantes e mercados, e a Edega, que inclui uma loja virtual para o consumidor final e um clube de vinhos.

O grande diferencial do negócio é a curadoria mais do que especial. “Eu provo todos os vinhos”, diz Philippe. “Só trago aqueles que eu compraria para tomar”. Isso é uma garantia. Poucas pessoas têm a experiência com vinhos de qualidade que ele tem. Philippe cresceu bebendo os vinhos da adega do barão, uma das mais bem fornidas da história. Começou em grande estilo. Quando completou 11 anos, em 1966, o pai abriu uma garrafa de Château Lafite Rothschild 1911 e serviu meia taça para o aniversariante. “Adorei”, diz. “Pedi mais”. O barão não deu, mas, a partir daí, toda semana o garoto tinha direito a meia taça. A primeira vez que visitou o château da família em Bordeaux foi aos 14 anos. Adorou e fez questão de voltar todo ano.

Entrada do Château Lafite Rothschild (Divulgação/Divulgação)

“Não tive uma infância muito comum”, admite Philippe. A família vivia em Paris, no elegante  Champs-Élysées, mas o centro de sua vida foi por muito tempo o Château de Ferrières, um castelo a 26 quilômetros da cidade construído em 1855 pelo seu trisavô, o barão James Mayer de Rothschild, o primeiro a chegar à França, para onde iam quase todos fins-de-semana e onde recebiam. Um palácio tão grandioso que faria Downton Abbey parecer uma cabana, a propriedade tinha mais de um quilômetro quadrado de jardins, mais de 30 quilômetros quadrados de florestas, um hall com 37 metros de comprimento e 18 metros de altura, uma biblioteca com mais de 80 mil volumes, vários salões e  80 suítes para convidados, fora os aposentos da família.

A história dos Rothschild é cercada de pompa e circunstância. Os banqueiros estão no topo da sociedade europeia há gerações. O fundador da dinastia foi Mayer Amschel Rothschild, que nasceu no gueto judáico de Frankfurt em 1744, filho de um modesto comerciante de roupas. Mayer foi um empreendedor, fundou o banco e se envolveu com comércio internacional.

Teve dez filhos, cinco homens. Mandou cada um deles, com capital, para um país da Europa para expandir os negócios, criando assim uma rede internacional de bancos. Fizeram fortuna e a família ganhou alguns títulos de nobreza. Os descendentes de Mayer construíram palácios, colecionaram arte, deram grandes recepções, fizeram filantropia, mas principalmente se dedicaram aos negócios. Conservaram sua cultura judaica e forjaram um modelo de nobreza (dedicada ao trabalho) bem diferente da decadente nobreza cristã do século XIX. “O sobrenome Rothschild está na base do capitalismo”, diz Philippe. “Meus antepassados investiram em redes de trem pela França, minas de ouro na Austrália e no Canadá, petróleo e gás na África. Trabalharam junto dos governos ajudando a criar a nova economia do século XIX.”

Quando Philippe nasceu, em 1955, eles eram o que havia de mais chique em Paris, apesar de terem tido que se afastar durante a ocupação nazista. O Barão Guy de Rothschild teve uma vida cheia de aventuras. Na Segunda Guerra, quando a França foi ocupada, teve de fugir para os Estados Unidos. Lá se uniu às forças do general Charles de Gaulle, que mantinha um governo paralelo no exílio, e embarcou num navio cargueiro de volta para lutar na Europa. O navio foi torpedeado e naufragou. Guy passou 12 horas no Atlântico Norte, um mar bastante frio, antes de ser resgatado. Na Inglaterra, uniu-se ao quartel-general das forças aliadas.

O empresário e a mulher, Cris Lotaif (Divulgação/Divulgação)

Lutou também para manter os negócios da família no período da Segunda Guerra. Obrigado a vender boa parte de suas empresas pelo fato de serem judeus, conseguiu que os compradores aceitassem cláusulas de recompra nos contratos. Um dos seus grandes méritos foi nos anos 1950 ter atraído para a direção e aproximado do Banco Rothschild um professor chamado Georges Pompidou, que mais tarde viria a ser presidente da França. Guy era sócio do Château Lafite Rothschild, mas nunca participou da sua administração.

Prima de terceiro grau do barão, dezenove anos mais jovem do que ele, a mãe de Philippe também descendia dos Rothschild, mas era católica. Nascida e educada em Nova York, filha de um barão holandês, Marie-Hélène de Rothschild foi a figura mais importante da sociedade francesa dos anos 1960 aos 1980. Era chamada pela imprensa de “a rainha de Paris”. Foi mecenas das artes e patrona de grandes nomes da moda. Conhecida por seu comportamento pouco convencional, Marie-Hélène deu festas memoráveis, como o baile surrealista de 1972, no qual a baronesa vestiu uma cabeça empalhada de veado com dois diamantes como lágrimas e ao qual o próprio Salvador Dalí compareceu.

Foi ela quem, em 1959, dois anos após se casar com o barão, reformou e restaurou o glamour  do Château de Ferrières, onde seu marido havia sido criado. O castelo estava desocupado desde a Segunda Guerra Mundial. Nos salões de Ferrières  a rainha de Paris reunia a nobreza européia, intelectuais, políticos, artistas, empresários, as principais figuras do jet set internacional, na época em que havia um jet set. Passaram por ali Grace Kelly, Audrey Hepburn, Rudolf Nureyev e tantos outros.

“Um dia, quando tinha 8 anos, minha avó disse que eu iria conhecer sua melhor amiga, Maria Callas, que era cantora de ópera”, conta Philippe. “Quando Callas chegou, eu disse que não sabia o que era ópera. Então, ela cantou uma ária do Barbeiro de Sevilha para mim.” Uns poucos anos mais tarde, quando tinha 14 ou 15 anos, o rapaz ouviu Richard Burton declamar Shakespeare por três horas na mesa de um almoço de sábado no Château de Ferrières, enquanto admirava os olhos lilás de Liz Taylor. “Nunca vi nada igual”, diz. “Era linda.”  Aos 18 anos, conheceu Liza Minnelli, que era pouca coisa mais velha do que ele, na casa de praia da família em Marbella, no sul da Espanha, e os dois ficaram amigos.

Quando foi estudar Ciências Políticas em Los Angeles, Philippe continuou encontrando Liza. Na sua casa, conheceu mais uns tantos artistas: Robert de Niro, Margaux Hemingway, Martin Scorsese são os nomes que lhe vêm à mente. Nos Estados Unidos, entretanto, pela primeira vez, o filho do banqueiro levou uma vida mais ou menos normal. Nos dois primeiros anos,viveu num alojamento estudantil. Depois, alugou um pequeno apartamento. “Foi a primeira vez que me senti independente”, diz. “Ali pouca gente sabia exatamente quem eu era. Uma vez só um professor de política disse que não tinha nada a me ensinar, referindo-se ao fato do Pompidou ser o melhor amigo de meu pai. Aprendi muito sobre a cultura dos americanos, o que me foi bastante útil nos negócios mais tarde.”

Quando voltou para a Europa, Philippe foi trabalhar com a empresa de mineração e metalurgia da família. Foi por essa empresa que veio pela primeira vez para o Brasil em 1981, para Salvador, negociar minério. “Aí eu conheci a feijoada e a caipirinha”, lembra. Depois foi trabalhar no banco  Rothschild & Cie Banque, que seu irmão mais velho, David, o atual Barão de Rothschild, havia fundado e que mais tarde viria a se fundir com o banco da família na Inglaterra e formar o Rothschild Group. Chegou a presidente para Hong Kong e Singapura e até hoje é acionista, mas, aos 55 anos, decidiu largar tudo e se mudar para o Brasil.

Foi o tsunami de dezembro de 2004 na Ásia que trouxe o Rothschild para as nossas praias. Seis dias antes do réveillon daquele ano, quando uma onda gigante varreu as praias asiáticas matando 230 mil pessoas, Phillippe estava hospedado com a família no Club Med da Tailândia, na ilha de Phuket. Naquela manhã, ele jogava golfe num campo a quilômetros do hotel e da praia quando percebeu o pânico geral, mas sem entender o que as pessoas diziam. Por sorte, havia um táxi aguardando por ele e o motorista aceitou levá-lo de volta para o hotel. Quando chegou ao Club Med, o local estava deserto e tudo destruído.

Château Lafite Rothschild (Divulgação/Divulgação)

Ali ficou sabendo que os hóspedes tinham se refugiado em um monastério. Lá encontrou, a salvo, sua família: a então esposa Pia de Brantes, as duas filhas dela e seus dois filhos, François e Guy, fruto de um casamento anterior. Havia centenas de pessoas no local,  desesperadas. Não sabiam como sairiam dali. Philippe pegou seu Blackberry, ligou para o presidente do Club Med Henri Giscard d’Estaing, seu amigo, filho do ex-presidente da França, e negociou a retirada do local de todos os 519 sobreviventes do Club Med, hóspedes e funcionários.  Por essa façanha, recebeu das mãos do presidente francês Jacques Chirac a medalha de cavaleiro da Legião de Honra e ganhou do Club Med o direito de passar uma semana com sua família em qualquer resort do grupo no mundo no ano seguinte.

“Achei melhor escolher uma praia mais calma, que não estivesse na rota dos terremotos e tsunamis”, diz Philippe. “Fui para Trancoso, me apaixonei e comprei um terreno." A casa levo 3 anos para ser construída. Na inauguração, no réveillon de 2009 para 2010, Philippe passou com a família e os amigos. Voltou para a França e disse para o irmão: “Estou saindo do banco. Vou mudar para o Brasil.” E veio. Ficou até a páscoa em Trancoso e depois veio para São Paulo onde já tinha amigos. Entre as suas relações, estava a empresária Eliana Tranchesi, dona da Daslu, onde tinha comprado várias peças para a casa da Bahia. Foi ela quem o apresentou para sua quarta mulher, Cris Lotaif, com quem mora hoje no bairro do Morumbi. “Ela mudou minha vida”, afirma.

Durante a quarentena, o casal está retirado na Fazenda Boa Vista, um condomínio do Grupo Fasano no interior do Estado, onde Philippe pretende construir uma casa. De lá, Philippe tem tocado os negócios da importadora, que, segundo ele, vão muito bem. A empresa, que começou trazendo 15 mil garrafas, hoje importa 100 mil. "O faturamento de 2020 foi 80% superior ao de 2019”, conta. De fato, o ano foi bom para o mercado de vinho no Brasil, mas antes disso o empresário já enfrentou as dificuldades impostas pela crise econômica que o país vem sofrendo. Nunca, porém, pensou em voltar para a Europa. “Deixei meu passado para trás e recomecei minha vida em 2010”, diz. “Meu novo país se chama Brasil. Só me sinto francês quando tem uma partida de futebol Brasil e França.”

 

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