Como a pandemia do coronavírus afeta os museus ao redor do mundo
Em São Paulo, a cultura foi uma das áreas mais atingidas no total de cortes motivados pela queda na arrecadação do Estado
Estadão Conteúdo
Publicado em 27 de abril de 2020 às 13h34.
Última atualização em 27 de abril de 2020 às 15h47.
O fechamento dos museus durante a pandemia significa muito mais que o distanciamento de seus frequentadores das obras de seus acervos. Claro, elas ainda podem ser vistas online, mas é difícil prever as consequências da quarentena para essas instituições, que já sofrem com orçamentos limitados, falta de verba para aquisições de novas obras e manutenção de seu acervo.
Nos Estados Unidos, a situação afetou não só os grandes museus, obrigados a fechar suas portas e suspender suas programações durante o isolamento: o Metropolitan prevê um prejuízo de US$ 100 milhões pelo seu fechamento até julho, ou seja, um terço do seu orçamento operacional (US$ 320 milhões).
Em São Paulo, a cultura foi uma das áreas mais atingidas no total de cortes motivados pela queda na arrecadação do Estado (algo em torno de R$ 10 bilhões de abril a junho) por causa da crise do coronavírus. Uma situação atípica como essa pode provocar altos prejuízos, mas os museus estão buscando formas alternativas para manter suas atividades por meios virtuais. Fechados, eles exibem suas obras online.
Todos adiaram suas principais mostras este ano e aproveitam o fechamento para obras emergenciais, como o Masp. Seu presidente, Heitor Martins, revela que o museu está trocando os vidros de segurança do segundo andar durante o período da quarentena, para que o Masp possa receber visitantes na reabertura, em junho ou julho, segundo sua previsão.
Com uma programação monotemática, como nos anos anteriores - o tema deste ano é a dança -, o Masp chegou a abrir (em março) e fechou logo depois a exposição dedicada ao artista neoconcreto Hélio Oiticica. No segundo semestre, quando as atividades dos museus voltarem ao normal, essa e outras exposições - como a dedicada à coreógrafa norte-americana Trisha Brown (1936-2017) - vão ocupar o museu, que este ano tem como principal exposição uma mostra do pintor francês Edgar Degas com 150 obras suas (76 do próprio museu). Degas, evoque-se, realizou mais de 2 mil obras, metade das quais tendo como tema a dança.
"A retomada do ritmo no segundo semestre é certa, porque não perdemos nenhum patrocinador, as finanças do museu estão equilibradas e os acordos com os museus internacionais que são nossos parceiros foram mantidos", garante Martins. No entanto, a pandemia atrapalhou os planos de exibir em São Paulo o acervo da Fundación Jumex, museu da Cidade do México que tem um acervo precioso (Duchamp, Andy Warhol, Cy Twombly). As obras nem chegaram a sair de lá, segundo Martins. O Masp também perdeu um quarto das operações do museu proveniente da bilheteria, restaurante, loja e auditório.
Já a bilheteria da Pinacoteca do Estado não tem grande peso (8%) na manutenção do museu, cujo orçamento anual é de aproximadamente US$ 40 milhões (desse total, metade é repasse do Estado e R$ 15 milhões é captado junto a empresários). No ano passado a Pinacoteca teve 539 mil visitantes e, curiosamente, deve registrar este ano um número ainda maior, considerando as visitas ao tour virtual (no primeiro mês da quarentena, esse número chegou a 5 mil visitantes, cinco vezes superior ao que o museu recebe mensalmente). No período de março a abril a Pinacoteca registrou também um crescimento no número de seguidores nas redes sociais por conta do projeto #pinadecasa, que começou em 17 de março. Só no Instagram foram 12 mil novos seguidores.
Paulo Vicelli, diretor de Relações Institucionais da Pinacoteca, diz que o museu reforçou a presença online, desenvolvendo projetos para outras plataformas. A mostra da dupla de irmãos grafiteiros Os Gêmeos foi gravada em vídeo e está disponível virtualmente. "Além disso, a Pinacoteca tem feito lives com curadores e artistas para discutir as exposições", conta, revelando que os acordos com museus e organizações internacionais não foram cancelados por causa da pandemia, como o firmado com a Terra Foundation, para trazer a São Paulo uma exposição de arte figurativa americana que cobre o período 1913-1985.
A alternativa virtual é também a estratégia de outros museus, como o MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo). "Estamos tentando nos adaptar para criar novas experiências digitais e transferir a experiência física do museu para o digital, atingir um público maior", afirma Mariana Berenguer, diretora do museu, que em abril teve uma queda de 35% nas receitas indiretas, provenientes da loja, do restaurante e de clubes de assinaturas.
"Isso vai impactar o museu, porque temos uma despesa grande, que este ano está prevista em R$ 15,3 milhões", lamenta a diretora.
Berenguer relata que, desde o início da crise, a instituição vem apostando em iniciativas voltadas para o público online, como um tour virtual pelas seções do museu, transmissões ao vivo com artistas em seus ateliês mediadas por curadores, contação de histórias para crianças, além de conteúdos em redes sociais relembrando a trajetória do museu, ressaltando curiosidades e destaques do seu acervo, entre outras ações.
"É óbvio que a experiência física no museu não pode ser substituída totalmente, mas acreditamos que essa questão virtual vai se prolongar não apenas durante esse período de quarentena, mas posteriormente", prevê a diretora. Ela diz que o museu pretende investir em uma plataforma digital mais robusta, mas ainda precisa trazer a tecnologia necessária e um parceiro para viabilizar esse projeto.
O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) fechou as portas para o público e adotou o trabalho remoto em 17 de março, mas esse período de mais de um mês sem visitantes não afetou financeiramente o museu, cuja entrada é gratuita. "O MAC tem um orçamento fixo da USP e uma receita que vem dos concessionários, como o restaurante e a livraria, que é expressiva, mas não depende dessa verba para sobrevivência, e sim para aquisição de novas obras", explica o diretor do MAC, Carlos Roberto Brandão.
"Vejo o museu muito ativo nesse momento em que ele não está aberto. Não estamos só esperando tudo voltar à normalidade, até porque não achamos que a normalidade voltará. O mundo vai mudar. Temos que buscar novas maneiras de falar com o público", afirma Brandão.
Também com esse objetivo, o diretor do Museu da Imagem e do Som (MIS), Cleber Papa, expandiu a presença do museu no território virtual por 150 cidades do Estado, promovendo cursos, oficinas, seminários e mostras itinerantes online. Um dos programas, Cinema e Psicanálise, que reúne sempre um psicanalista e um jornalista debatendo um filme, ganhou como parceira a Netflix, que facilita a liberação dos direitos de exibição dos filmes.
"Antes, era um programa para apenas 70 pessoas no auditório, que chega hoje a mais de 1.200 espectadores online", comemora Papa. O MIS recebe do Estado R$ 13 milhões mensalmente. O restante vem de captação junto à iniciativa privada. "As grande empresas estão mantendo o patrocínio e não creio que deva mudar depois de agosto, quando pretendemos reabrir com uma mostra de John Lennon." E, para o próximo ano, as parcerias internacionais também devem continuar com mostras como a de Chaplin compositor, parceria com a Cité de la Musique de Paris.