Restaurante El Salnés oferece lombo de lhama cru para apreciar o sabor diferente (AFP/AFP)
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Publicado em 16 de agosto de 2022 às 08h00.
Sal e macambo no prato para temperar a carne crua de um mamífero que tem estado ausente das mesas no Equador. Isso até agora, com a inovação do chef Mauricio Acuña de incluir carne de lhama no cardápio. A lã deste parente distante dos camelos é usada para confeccionar roupas, mas sua carne quase não era utilizada na gastronomia.
O chef Acuña, que trabalho nos restaurantes estrelados dos espanhóis Ferran Adrià e Martín Berasategui, está tentando mudar isso. Em seu restaurante El Salnés, no norte de Quito, o cozinheiro de 50 anos oferece lombo de lhama cru para apreciar o sabor diferente. Também serve um pedaço do pescoço, que cozido possui um sabor semelhante ao da carne de porco.
A população do único animal de carga da América pré-colombiana aumentou com a expansão do império inca, explica Carlos Montalvo, arqueólogo do Museu de Arte Pré-Colombiana Casa del Alabado de Quito.
Registros arqueológicos revelam que os habitantes das altas terras equatorianas comiam principalmente cuy (porquinho-da-índia) e veados, sem registros de manadas massivas de lhamas. Segundo Montalvo, por não estar "presente na tradição culinária", os animais foram trocados pelas ovelhas, vacas e porcos trazidos pelos europeus.
El Salnés faz parte de uma recente leva de restaurantes em Quito que experimentam ingredientes locais com técnicas modernas. Acuña não é o primeiro chef do Equador a fazer experimentos com carne desse camelídeo. Há uma década, o luxuoso Hotel Casa Gangotena, no centro histórico de Quito, serve bifes da paleta.
Com a ajuda do programa Pequenas Doações da ONU, o cozinheiro chegou depois de muitos anos a uma comunidade que produz carne de lhama na província de Chimborazo, no sul, e de lá conseguiu levar a mercados populares de Quito.
Susana Yánez está há mais de 30 anos à frente de sua barraca no mercado de Las Cuadras, onde exibe meio corpo de uma lhama esfolada. Embora a vendedora veja um aumento nas encomendas de restaurantes e hotéis, admite que a carne de lhama "não vende muito", mesmo tendo um preço semelhante (US$3,50 o quilo, com osso) à carne de porco e de borrego.
No Mercado Central de Quito, Ana Taco, uma das vendedoras da carne, diz que compram "principalmente os restaurantes onde vêm estrangeiros". Nas montanhas andinas do Peru e da Bolívia, o consumo de lhama é mais frequente. Entretanto, os comensais equatorianos preferem carne de porco, cuy ou mariscos da costa.
Em troca, as lhamas, com seus pescoços longos e orelhas no formato de banana, são vistas como mascotes no campo, atração turística ou como um animal sagrado. Já para o jantar, não são tão procuradas. O chef de cozinha crê que se deve à uma "erosão cultural" e às práticas estrangeiras. "É um momento de adotar uma agricultura mais antiga com métodos totalmente enraizados na nossa cultura".
Gabriel Barriga, da associação de criadores de lhamas Intiñan, estima sua população em 20.000 animais entre as províncias de Imbabura, Pichincha, Tungurahua, Chimborazo, Bolívar e Azuay. Na serra andina, é considerado um animal "ecologicamente correto": suas patas acolchoadas não danificam os solos das charnecas como as vacas e seus dentes cortam a grama ao invés de arrancar como as ovelhas, diz Barriga.
As famílias indígenas quíchuas são responsáveis pelos pequenos rebanhos. Elas também os comem, especialmente secos com sal no estilo "charqui", conservadas por anos dessa forma. Por mais de 30 anos Intiñan financiou a compra de lhamas em Chimborazo, em um projeto que incluiu visitas de veterinários e até aulas de culinária baseadas no animal. Entretanto, por conta da pandemia, o projeto foi encerrado no final de 2020.
Agora, a aposta de cozinheiros como Acuña é popularizá-lo e levar diretamente para as casa. "Não apenas um restaurante", diz o chef, "mas estar nos supermercados; mais cedo ou mais tarde estará lá".