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Balada de réveillon no sul da Bahia gera protestos de moradores

População da Vila de Santo André tem medo de uma onda de contaminação de covid-19. Médicos apontam risco alto de transmissão do vírus em festas

O rio São João de Tiba, em Santo André: vila reservada e isolada (Ivan Padilla/Exame)

O rio São João de Tiba, em Santo André: vila reservada e isolada (Ivan Padilla/Exame)

Ivan Padilla

Ivan Padilla

Publicado em 11 de novembro de 2020 às 16h32.

Última atualização em 12 de novembro de 2020 às 08h47.

A programação do chamado Réveillon da Vila dá o tom do evento. Segundo o site, serão seis festas imperdíveis, entre 27 de dezembro e 2 de janeiro, no Beach Club da Vila, um espaço de 4.000 metros quadrados. O line up ainda não foi divulgado, “mas de uma coisa você pode ter certeza: será de uma energia realmente inesquecível, com shows ao vivo e DJs.”

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Em uma carta aberta sobre o evento, os organizadores dizem esperar até 600 pessoas por dia. A vila em questão é Santo André, um pacato e isolado povoado com apenas 800 moradores, que faz parte do município de Santa Cruz Cabrália, no sul da Bahia. Para chegar ao vilarejo é necessário atravessar de balsa o rio São João de Tiba.

A Vila de Santo André ganhou certa notoriedade quando a seleção da Alemanha resolveu se hospedar por lá para a Copa de 2014. Mas nem mesmo a publicidade gerada então mudou a cara do povoado. Com ruas de terra batida, conta com 13 quilômetros de praia nativa e fica em uma área de proteção ambiental.

A divulgação da festa de réveillon agora tem causado protestos entre os moradores de Santo André, por dois motivos principais. O primeiro é o evidente risco de uma propagação de covid-19, no momento em que o número de contaminação na Bahia parou de cair. Até agora Santo André teve sete casos notificados, todos com sintomas leves.

Turista que não volta

O segundo motivo é o impacto gerado pelo excesso de turistas que não vão mais retornar. “Santo André é um lugar tranquilo, para andar de bicicleta, ver o pôr do sol na beira do rio, com as maritacas voltando para o mangue. Não é lugar de balada”, diz a jornalista Lea Penteado, vice-presidente do Conselho de Turismo de Santa Cruz Cabrália e moradora de Santo André há 16 anos.

Segundo Penteado, o turista que vai para lá em busca de balada não é fiel, não volta depois, e espanta os visitantes mais frequentes, que procuram tranquilidade. “Já aconteceram aqui três grandes festas de réveillon na vila, organizadas por grupos de fora”, lembra. “Naquelas ocasiões a população ficou dividida. Para uma parte, é sempre uma oportunidade de trabalho, de ter uma renda a mais.”

O que mudou agora, segundo Penteado, é o temor da covid-19. O pequeno hospital de Santa Cruz Cabrália está em obras no momento. Em Porto Seguro, cidade a 22 quilômetros de distância, só há dez leitos públicos disponíveis para pacientes de covid-19. Isso teria unido os moradores em torno dos protestos contra a realização do réveillon.

Em carta aberta, o movimento criado chamado #Revelliondavilanao afirma: “As pousadas Fazenda Amendoeira, Vila Araticum, Victor Hugo, Ponta de Santo André, Brisamar, Hospedaria Santo André e Pousada da Vila, com seus respectivos restaurantes, além do Resort Village Mata Encantada, se manifestam totalmente contra a realização do referido evento e assinaram o abaixo assinado que já consta com aproximadamente 300 assinaturas de moradores, empresários e turistas."

Hoje, o movimento organizou uma manifestação de protesto no campo de futebol da vila, com presença da afiliada local da TV Globo.

Baladas para 200 pessoas

O decreto do governo da Bahia autoriza a realização de eventos para no máximo 200 pessoas – ou seja, um terço do máximo estimado por dia na festa de fim de ano de Santo André. Segundo os organizadores do réveillon, essa capacidade pode ser revista. “Estamos contanto com uma nova diretriz, aumentando a capacidade atual”, afirma Marcelo Campos, um dos sócios na empreitada.

Segundo Campos, se o limite atual de 200 pessoas for mantido o evento deve acontecer do mesmo jeito. “O que vai mudar são as atrações. Em vez de artistas grandes vamos acabar contratando atrações menores. Mas a estrutura de bar, contratação de staff, aluguel do local, tudo isso temos condições de manter.”

Como medida de prevenção, diz Campos, a ideia é disponibilizar testes gratuitos de covid-19 para os frequentadores. Ele diz que a intenção não é apenas organizar pontualmente as festas de fim de ano, e sim manter uma programação mais extensa ao longo do ano. “Temos recebido pedidos para fazer um festival gastronômico, outro de mindfulness. Esse é um projeto de causa longa.”

Até agora foram vendidos cerca de 100 pacotes, ao preço de 1.600 reais por todos os dias, de acordo com Campos. “Estamos mantendo a produção com cláusulas que garantem a devolução de valores pagos e de cancelamento de serviços, caso tenhamos de cancelar.”

Não é essa a ideia, porém. “Nossos projetos vão garantir renda para a população local, trazer desenvolvimento. Claro que fazer um evento com boa parte da população local contra é um cenário incômodo. Mas sabemos que podemos fazer um evento com coerência, garantindo os cuidados e trazendo prosperidade.”

Risco alto de contaminação

E o que dizem os médicos especializados sobre o risco de contaminação em uma balada? "No atual momento, dez meses depois do início da pandemia, já sabemos que esses eventos são considerados super spreaders", afirma a pneumologista Leticia Kawano Dourado, membro do grupo de painelistas da OMS que desenvolve diretrizes sobre tratamento para covid-19.

"Os eventos festivos são responsáveis pela disseminação de uma grande quantidade de casos, caso haja alguém contaminado. São aglomerações com música alta, em que as pessoas precisam falar perto umas das outras, não usam máscara porque estão bebendo", afirma Kawano Dourado. "O tempo de exposição também é prolongado, as pessoas ficam três, quatro horas numa festa. É diferente de passar por uma pessoa infectada em um corredor ou mesmo em um metrô. E o sujeito infectado em uma festa depois pode transmitir o vírus para as pessoas com quem mora."

 

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