Autoajuda e finanças: quais os livros mais vendidos na pandemia?
No ranking, também se destacam obras de George Orwell e de Djamila Ribeiro
Estadão Conteúdo
Publicado em 30 de julho de 2020 às 21h55.
Última atualização em 30 de julho de 2020 às 23h12.
Dos 15 livros mais vendidos no Brasil de 23 de março até 12 de julho, durante a quarentena, 10 são de autoajuda, sobretudo financeira, dois são de ficção - ambos de George Orwell -, apenas três foram escritos por mulheres, dois são de brasileiros e só um é recente, do fim de 2019: Pequeno Manual Antirracista, de Djamila Ribeiro, cujas vendas foram influenciadas também pelos debates e protestos que se seguiram ao assassinato de George Floyd. O ranking foi feito pela Nielsen a pedido do Estadão e mostra o brasileiro Thiago Nigro no topo, com Do Mil ao Milhão Sem Cortar o Cafezinho.
"Thiago é um fenômeno, todos escutam o que ele fala. Ele citou dois livros antigos e vimos as vendas deles aumentarem também", diz Daniela Kfuri, diretora de Marketing e Vendas da HarperCollins Brasil referindo-se aos títulos O Homem Mais Rico da Babilônia, que vende duas vezes mais agora e o 7º no ranking, e O Investidor Inteligente, o 15º.
Do Mil ao Milhão, de 2018, foi o terceiro livro mais vendido do ano passado e não é o único daquela lista a continuar com uma boa performance. A Sutil Arte de Ligar o F*da-se, o best-seller de 2018 e de 2019, está na segunda posição. Os Segredos da Mente Milionária, Pai Rico, Pai Pobre, O Poder do Hábito, Mindset, O Milagre da Manhã também seguem entre os mais vendidos, afinal, não é de hoje que estamos cansados e querendo melhorar alguma coisa - a conta bancária, o ânimo diante da vida e de suas adversidades -, desejos acentuados em tempo de incertezas.
"Na pandemia, a busca por esse tipo de livro expandiu ainda mais. As pessoas estão preocupadas com a crise, o emprego, querendo entender melhor como se relacionar com seus ganhos", comenta Daniela. Nesse período, a HarperCollins, como a maioria das editoras, diminuiu drasticamente o número de lançamentos. Entre abril e junho, só fez lançamentos digitais, já que as livrarias físicas são essenciais para a divulgação de um livro. Um ponto a se comemorar foi que as vendas de e-books aumentaram, para a editora, pelo menos 40%. No início da pandemia, ela lembra, foram feitas até campanhas para incentivar esse tipo de leitura.
Algo assim também aconteceu com a Sextante. Numa situação normal ela teria lançado 50 livros, mas não fez mais do que 20, todos físicos, na quarentena. "Mas o e-book está indo muito bem mesmo e tivemos um crescimento expressivo, da ordem de 60%", destaca Marcos da Veiga Pereira, sócio da Sextante e presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros (Snel).
Pereira comenta ainda que a venda de livros digitais é muito influenciada pelo preço e a editora passou a ter uma atitude mais proativa e promocional com relação a eles. Além do preço (o valor indicado na lista ao lado é o de tabela, sem os atuais descontos), o que contribuiu para seu crescimento foi a praticidade num momento em que as livrarias estavam fechadas e começando a lidar com outras formas de venda, quase sempre menos ágeis do que um leitor ansioso gostaria. "A facilidade de entrega do produto é imensa. Cinco minutos depois da compra, já é possível ler."
O e-book e o e-commerce deram uma movimentada nas vendas de março para cá, e ajudaram o mercado editorial a segurar um pouco as pontas. Mas a recente reabertura das livrarias físicas, dentro do plano de flexibilização do combate ao coronavírus, trouxe um novo, ainda que desconfiado - já que há sempre o risco de voltar a fechar -, ânimo para o setor, que viu suas vendas crescerem ligeiramente.
Entre 15 de junho e 12 de julho, período mais recente analisado pelo Painel do Varejo de Livros, que Nielsen e Snel anunciam hoje, foram comercializados 2,95 milhões de exemplares, com faturamento de R$ 117,08 milhões - os melhores índices da quarentena e um aumento de 0,64% em volume e de 4,44% em valor, em comparação com o mesmo período de 2019. Para se ter uma ideia entre 23 de março e 19 de abril, o começo do isolamento, foi vendido 1,58 milhões de cópias e o faturamento ficou em R$ 65,6 milhões - uma queda de cerca de 45% com relação ao ano anterior. Os números foram melhorando aos poucos. Entre abril e maio, o mercado vendeu 2,05 milhões de exemplares e faturou R$ 82,99 milhões. Entre maio e junho, foram 2,7 milhões de cópias e R$ 109,03 milhões de faturamento. Apesar disso, a perda acumulada em 2020 é de 10,5% em volume e de 9,8% em valor. O levantamento não considera e-book.
"Consumidores e mercado editorial andaram perdidos nas primeiras semanas. Houve desencontro entre o que o cliente queria e o que mercado tinha a oferecer, mas rapidamente os varejistas começaram a encontrar caminhos. Nesse período, os leitores preferiram comprar literatura de entretenimento (ficção e não ficção comercial), com destaque para literatura estrangeira, que cresceu 2%", afirma Ismael Borges, coordenador do Bookscan, da Nielsen.
O editor Emilio Fraia, da Companhia das Letras, credita a redescoberta de 1984 e de A Revolução dos Bichos, obras de George Orwell dos anos 1940 e as duas únicas ficções no top 15, ao debate sobre as fake news. "Orwell acreditava que, se não fosse combatido, o totalitarismo poderia triunfar em qualquer parte. E hoje nós o lemos também em busca de suas reflexões sobre o apagamento da verdade."