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Anthony Bourdain fez da comida uma aventura

O chef e apresentador que morreu nesta sexta-feira usava a perspectiva culinária para falar de grandes temas como o conflito entre israelenses e palestinos

BOURDAIN: a CNN acreditava na capacidade do chef de contar histórias que não estavam no jornalismo diário (Travel Channel/Reprodução)
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Da Redação

Publicado em 8 de junho de 2018 às 11h59.

Última atualização em 8 de junho de 2018 às 15h51.

Em 2012 eu tentava uma brecha na atribulada agenda do chef Alex Atala para marcar uma foto para a revista EXAME, quando ele avisou que nos próximos dias a empreitada seria impossível: o chef e apresentador Anthony Bourdain estava chegando a São Paulo. E, mesmo para Atala, na época dono de um dos cinco melhores restaurantes do planeta, Bourdain era prioridade absoluta.

Bourdain morreu nesta sexta-feira, aos 61 anos, em Estrasburgo, na França, onde estava para gravar episódios de seu programa de televisão culinários Parts Unknown, exibido pela CNN desde 2013. De acordo com comunicado divulgado pela emissora, a causa da morte foi suicídio.

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Mais do que chef, Bourdain ficou conhecido como grande contador de histórias. Ele usou a comida como ponto de partida para mostrar um dos preceitos do jornalismo, defendido pelo americano Gay Talese: contar o lado glamouroso da vida de pessoas comuns, e o lado comum da vida das grandes celebridades.

Com Atala, Bourdain gravou um episódio do programa que ainda apresentava para o Travel & Living Channel, Sem Reservas. Fizeram um churrasco na casa do chef, em São Paulo, e foram à feira. O episódio paulistano terminou com Bourdain dormindo num motel barato de Guarulhos antes de pegar o voo de volta. Numa visita anterior ao país, afirmou que São Paulo era “feia à beça”, e chegou a tomar 14 caipirinhas em Camburi, antes de se despedir apaixonado pela comida.

Com sarcasmo e ironia, Bourdain conseguia mostrar uma realidade que muitas vezes ficava de fora até da cobertura jornalística diária dos grandes veículos. Tanto que foi contratado pela CNN para fazer reportagens de lugares como a Faixa de Gaza, mostrando como as tradições culinárias de palestinos e israelenses se moldavam à rotina dos conflitos.

No episódio, narrou como os palestinos adoraram recebê-lo porque estavam acostumados a “equipes de filmagem aparecendo apenas para gravar as tradicionais cenas de crianças atirando pedras e mulheres chorando”.

Em 2016, discutiu as relações entre Vietnã e Israel numa refeição com o então presidente americano Barack Obama num restaurante em Hanoi, enquanto tomavam cerveja e comiam noodles.

“Ele trouxe um conteúdo diferente num momento em que o mundo se abria para a gastronomia. Hoje você vê gastronomia até num boteco de esquina”, diz o chef Jun Sakamoto, que ciceroneou Bourdain em visitas ao Brasil. “Mas ele não falava só da cozinha. O que é a comida, se não a expressão cultural de um povo? A cozinha francesa, por exemplo, foi transformada pelas privações da guerra, que forçaram as pessoas a comer comida estragada. Foi assim que nasceram os grandes molhos franceses”.

Em seu mais famoso livro, Cozinha Confidencial, lançado em 2000, Bourdain afirma que comandar uma cozinha era o mais próximo que ele podia chegar na vida adulta das aventuras infantis de liderar um navio pirata. E que a cozinha era um grande lugar para ver o mundo sob outra perspectiva.

Bourdain se via como o Chuck Wepner da cozinha. Wepner era um boxeador esforçado e durão que entrou para a história ao derrotar Muhammad Ali, em 75. “Admirava sua resistência, sua estabilidade, sua habilidade de se recompor, de levar uma surra como um homem”.

O chef aproveitou a obra para narrar os períodos negros de depressão, de alcoolismo, de vício em cocaína. Bourdain viveu no limite, mas usou essa personalidade para construir uma carreira incomum.

“Sempre acreditei que boa comida e boas refeições demandam risco. Podemos estar falando de comer um queijo Stilton não pasteurizado, ostras cruas ou de trabalhar para associados ao crime organizado; comida, para mim, sempre foi uma aventura”, escreveu.

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