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A prova de fogo do Oscar em seu 90° aniversário

Oscar deste ano escancara a diferença na estética cinematográfica entre grupos tradicionais e modernos da Academia

Hollywood: Presidente da Academia negou acusação de assédio (Mike Blake/Reuters)

Hollywood: Presidente da Academia negou acusação de assédio (Mike Blake/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 3 de março de 2018 às 07h08.

Última atualização em 4 de março de 2018 às 19h38.

LOS ANGELES — Apesar da chuva e da queda de temperatura, trazendo um inverno tardio para Los Angeles, está tudo pronto para o 90° Oscar. O (horrendo) shopping que abriga o teatro Dolby já foi evidemente isolado com painéis e andaimes, o trânsito em Hollywood Boulevard foi interrompido no entorno (causando o fenômeno do “engarrafamento Oscar”, bem conhecido na cidade). Tapete vermelho, estátuas gigantes, segurança, aquecedores de ambiente, tudo está em seu devido lugar.

Mas, este ano, há duas novidades, cortesia não da Academia, mas de artistas plásticos militantes.

Na tarde de quarta feira, como no filme Três Cartazes para um Crime, indicado a sete Oscars,  três outdoors no Hollywood Boulevard amanheceram cobertos de vermelho com os dizeres: “Todos nós sabíamos e ninguém ainda foi preso”, “Diga os nomes dos culpados ou cale a boca!” “E o Oscar de Maior Pedófilo vai para…”

Dois dias depois, uma estátua de Harvey Weisntein sentado num sofá, vestindo um roupão semi-aberto e com um Oscar na mão, amanheceu numa pracinha a dois quarteirões do Dolby, bem na esquina por onde as limusines têm que passar para despejar seus ilustres passageiros no tapete vermelho.

Mesmo para um evento que já enfrentou guerras, atentados terroristas e um homem pelado atravessando o palco, o Oscar 2018 vai passar por uma prova e tanto.

Estátua de Harvey Weinstein intitulada “teste do sofá” foi criada pelo artista plástico Jesus (Lucy Nicholson)

O prêmio mais cobiçado do cinema chega aos 90 anos no momento que a indústria que lhe deu origem atravessa um período de crises internas e intensas transformações, de alto a baixo.

No front meramente de negócios, o cinema como era compreendido naquela noite amena de Maio de 1929 – quando os primeiros Oscars foram distribuídos depois de um jantar comemorativo no hotel Roosevelt, em Hollywood — seria irreconhecível para o fundador da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, o chefão da MGM, Louis B. Mayer, e seus amigos. Os grandes estúdios não são mais reinos feudais autônomos, mas parte de gigantescos conglomerados multinacionais regidos por Wall Street.

A venda de ingressos no mercado doméstico há muito não sustenta a existência desses monstros: quem paga as contas são os merecidos estrangeiros. A China em breve vai suplantar os Estados Unidos em consumo de cinema e ocupar o posto de maior mercado audiovisual do mundo. A maior competição do cinema não é mais nenhum de seus inimigos anteriormente catalogados – a TV, o DVD, a pirataria – mas a incontrolável multiplicação de plataformas móveis de streaming.

E isso tudo é a menor parte da tempestade.

O 90° Oscar vai ser realizado no auge de uma crise de auto-estima que ocupou a maior parte de 2017 e ainda está longe de terminar. Na verdade, a crise vem de antes, do momento em que a Academia flagrou a si mesma como uma instituicão não-inclusiva, que indicava e premiava prioritariamente realizadores e intérpretes brancos – um reflexo da composição da própria Academia. Em 2012, segundo uma pesquisa do jornal Los Angeles Times, o corpo votante da Academia – 5,000 indivíduos considerados ‘ativos” , entre os 5.765 membros — era 94% branco, 77% masculina e 86% com idades acima de 50 anos.

A posse da executiva Cheryl Boone Isaac, em 2013 – primeira pessoa negra e apenas a quarta mulher na presidência da Academia– deflagrou muitas das mudanças que explicam as escolhas e tensões deste ano. Isaacs fez do recrutamento de novos membros – mais jovens, mais diversos e mais internacionais uma de suas prioridades. Quando ela deixou o posto, em 2017, a composição da Academia tinha mudado radicalmente. A Academia que deu seu maior Oscar para Moonlight – escrito , dirigido e estrelado por afro-descendentes, com uma temática LGBT — era composta por 46% de mulheres e 41 % de membros não-brancos- e, segundo o novo pesidente, o diretor de fotografia John Bailey, a meta é dobrar a presença de mulheres e não-brancos até 2020.

Essa é a Academia que votou este ano para os prêmios que veremos no domingo – uma Academia que (seguindo as escolhas dos Globos de Ouro, em janeiro) indicou filmes dirigidos por mulheres e negros (Lady Bird, Corra!), a primeira mulher diretora de fotografia (Rachel Morrison, por Mudbound) e dois filmes com temática LGBT, me Chame Pelo Seu Nome e o chileno Uma Mulher Fantástica.

São escolhas radicais para uma instituição quase centenária, que tradicionalmente se movimenta muito lentamente.

Por isso mesmo, há tensões internas que podem se expressar nas escolhas finais. Agora, mais do que nunca, a Academia está dividida. O “grupo tradicional” – em grande parte, os que estavam lá quando a virada de 2013 começou – ainda pensam em termos de “filme de Oscar” e “filme que não é Oscar” ( Lady Bird e Corra! estão nesta categoria, por exemplo).

Os novos membros – mais jovens e mais diversificados – querem exatamente o oposto: acabar com o conceito de “filme de Oscar”, reconhecer um amplo espectro de talentos e, possivelmente, concluir a trindade mexicana iniciada em 2013 com Alfonso Cuarón, continuada em 2015 com Alejandro Iñarritu e que agora pode culminar com Guillermo del Toro por A Forma da Água. Isso numa Academia centrada na produção estadunidense que premiava, no máximo, diretores britânicos.

E isso é só na parte que toca a escolhas e prêmios. O ambiente em torno da premiação está carregado de traumas e revoltas.

Até este ano, a questão racial dominava. Agora, é o abuso sexual que está na mira, também.

A série de devassas que começou com as acusações a Harvey Weinstein no meio do ano abriu as comportas de uma cultura abusiva que, na verdade, todo mundo sabia que existia, parte integrante do jogo de poder e acesso da indústria.

Como a festa criada para celebrar exatamente as pessoas que a criaram e a mantêm, pode encarar, absorver e digerir esta crise? É um desafio imenso e interessante – teremos vestidos pretos, como nos Globos de Ouro? Discursos inflamados? Acusações? Mea culpas?

Weinstein, hoje expulso da Academia (apenas a segunda pessoa a merecer o castigo, em 90 anos) e desgraçado no meio, já foi o rei do Oscar, emplacando vitória sobre vitória nos anos 1990 e 2000. Meros doze meses atrás ele era o bajulado anfitrião de uma opulenta festa pós-Oscar, num restaurante de luxo ao lado do Dolby, recebendo o beija-mão de vários ilustres e poderosos da cidade. Neste ano ele está, em efígie, pegando chuva na esquina de La Brea com Hollywood.

 

 

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