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A história peculiar de uma aposta do basquete brasileiro

Stephanie Soares, de 20 anos, tem talento e trajetória incomuns

Stephanie só teve experiência de seis meses como atleta federada no Brasil (Darcy Brown/Master's University/Divulgação)
AB

Agência Brasil

Publicado em 11 de agosto de 2020 às 14h13.

Há exatamente um ano, a seleção brasileira feminina de basquete vivia um dia memorável. A vitória contra os Estados Unidos na final dos Jogos Pan-Americanos de Lima deu ao time a medalha de ouro, algo que não acontecia desde 1991. Para muitas atletas daquele grupo, foi o momento de, enfim, saborear uma grande conquista pelo país depois de anos com o Brasil no papel de coadjuvante. Para Stephanie Soares, à época com 19 anos, era só um começo mais do que promissor para a caminhada. A mais nova daquele grupo, Stephanie relembra como foi a farra depois da vitória: “Nossa, já era muito tarde, acho que uma da manhã e ainda estávamos dançando no ônibus, todo mundo muito feliz”.

Não foi a primeira participação dela na seleção principal, mas, de uma certa forma, ali a presença dela no time passava a ser para valer. A jogadora apareceu logo na primeira lista de convocadas pelo técnico José Neto, que assumiu pouco antes do Pan. No Peru, Stephanie teve um papel secundário, ficando, em média, 16 minutos por jogo em quadra. Mas Neto sempre soube que esse é um projeto a longo prazo.

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“O propósito do nosso trabalho é realizar o desenvolvimento da modalidade. Então, temos em foco a evolução de alguns jovens. A Stephanie é uma dessas apostas que fizemos para esse desenvolvimento”, relata Neto.

Tamanha demonstração de confiança de alguém que está no topo da pirâmide do basquete feminino do Brasil mostra o patamar que Stephanie atingiu. O que chama a atenção na história é que ela conseguiu exibir esse potencial mesmo com uma exposição relativamente reduzida.

A atleta pouco atuou no Brasil. Antes de explicar os motivos, vamos ao ano de 2017, quando o ADC/Bradesco, clube de Osasco, em São Paulo, fazia uma peneira que acabou infrutífera. Ninguém se destacou. Até que chegou uma menina de quase 2 metros de altura e encantou o técnico Cristiano Cedra.

“Já tínhamos encerrado as atividades e ela apareceu com a mãe. Resolvemos dar uma chance. Ficamos impressionados não só com o basquete, mas também com a postura. Se ela tivesse chegado dez minutos depois, nunca teria acontecido”, relembra.

Estados Unidos, quase uma segunda pátria

Aquela experiência de seis meses no ADC/Bradesco foi a única de Stephanie como atleta federada no Brasil. O motivo para isso é que os Estados Unidos são parte integral da vida dela.

A mãe de Stephanie, que a levou na peneira, é americana. Susan foi jogadora de basquete universitário na década de 80. Ela se casou com Rogério, que também jogou basquete. A mistura dos genes rendeu uma nova geração de apaixonados pelo esporte, que inclui Stephanie e os irmãos Tim, Jessica e Tiago.

Stephanie conta que sempre morou no Brasil, mas as visitas às terras americanas para ver aquele lado da família são bem comuns. Durante a entrevista, em determinados momentos, as ideias vêm primeiro em inglês, e o termo equivalente em português escapa.

As visitas se tornaram mais longas por conta do basquete. Stephanie também jogou no high school (ensino médio americano) e vai agora para a terceira temporada no basquete universitário, onde defende a Master's University, localizada em Santa Clarita (Califórnia). E a grande razão para a comissão técnica da seleção brasileira depositar tanta esperança nela é justamente o que ela tem feito por lá.

Stephanie já havia tido bastante destaque no primeiro ano de faculdade, mas na segunda temporada alcançou um nível significativamente mais alto. Na tabela de estatísticas da Naia, liga da qual a Master's University faz parte, Stephanie foi a líder em tocos (4,9) e rebotes (13,6) por jogo e a segunda maior cestinha, com média de 20,7 pontos por partida. A performance dela ajudou a equipe a realizar a melhor campanha da história da universidade, com 29 vitórias em 32 jogos. No final de março a brasileira foi reconhecida com uma honra inédita para a instituição. Pela primeira vez na história, uma atleta da Master's University foi escolhida a melhor do ano pela liga.

 

A cereja no bolo, no entanto, não pôde vir na forma de um título. A temporada acabou cancelada quando chegava à reta final. Além da conquista coletiva, a pandemia do novo coronavírus (covid-19) também impediu que Stephanie alcançasse outras glórias individuais. Caso ela tivesse marcado apenas mais 17 pontos (pontuação abaixo da média para ela) viraria a maior cestinha das Mustangs (apelido da equipe) em uma mesma temporada.

“Ficamos todas muito tristes, principalmente as que estavam no último ano de faculdade. Mas tudo acontece por um motivo. Temos que nos preparar para a próxima temporada”, diz.

Se apresentar evolução semelhante à que mostrou do primeiro para o segundo ano, Stephanie pode se aproximar de um dos seus objetivos, atingir a liga profissional dos Estados Unidos, a WNBA. Esse é, obviamente, o principal sonho que ela tem na carreira. Mas não será fácil.

É raro que atletas que atuam na Naia consigam ser escolhidas por equipes da WNBA. O esporte universitário é uma engrenagem muito bem sustentada nos Estados Unidos e os programas mais fortes estão em outra liga, a NCAA, que costuma atrair os principais jovens, que, anos depois, chamam a atenção das equipes profissionais.

O técnico de Stephanie na Califórnia, Dan Waldeck, prefere olhar por outro ângulo. Ele destaca que o fato de atuar numa liga menor acaba fazendo com que a brasileira se sobressaia em relação às adversárias. Uma das poucas atletas que chegaram à WNBA vindo da Naia foi Erin Buescher Perperoglou, que inclusive estudou e jogou na Master's University e também foi campeã da liga profissional pelo Sacramento Monarchs, em 2005.

Waldeck coloca a capacidade de melhorar de Stephanie como um motivo para acreditar. Hoje, o técnico tem em mãos uma jogadora que tem altura de pivô (1,98m), mas que não se limita a cumprir somente esse papel. Como teria que concluir a graduação para poder entrar na WNBA daqui a dois anos, Stephanie pode diminuir a suposta diferença que existe entre ela e outras jovens que atuam por universidades mais destacadas.

“Muitas vezes, jogadoras dessa altura acabam tendo apenas uma capacidade. Ela não. Tem habilidade de armadora, mas também pode jogar no garrafão. E ela não era assim dois anos atrás. Ela se dedicou e hoje pode jogar contra qualquer adversária”, opina Waldeck por telefone.

A avaliação do americano é semelhante à de Cristiano Cedra. Stephanie geralmente é a atleta mais alta da seleção, com mais estatura até do que a pivô Érika. Mas é difícil enquadrá-la em rótulos. No site da universidade, ela é listada como ala-pivô, enquanto a irmã Jessica, oito centímetros mais baixa, aparece como pivô. Cedra acredita que isso acontece pelo estilo de jogo da brasileira, que lembra o de outro jogador que desafia as noções preconcebidas de posições em quadra, o sérvio Nikola Jokic, do Denver Nuggets, da NBA.

“Ele joga como armador, mesmo tendo 2,13m. A Stephanie é assim também, muito por conta de ter jogado com meninas bem mais baixas que ela desde nova”, expõe.

Laços familiares são parte crucial da história

O fascínio que existe pelo que Stephanie é, e pode vir a ser, em quadra é só parte da peculiaridade da figura dela. Ao procurar pela história dela, é frequente achar depoimentos sobre o impacto que a família, e consequentemente a educação que ela recebeu, tem na pessoa que Stephanie é.

Um exemplo representativo disso é a escolha da Master's University como o local para ela se formar. As raízes familiares foram uma das razões, sem dúvida. O pai, Rogério, estudou e jogou lá, assim como os irmãos. Mas tem mais.

“É uma escola pequena. Uma escola cristã. Eu queria crescer espiritualmente, estudar a Bíblia. Isso era importante para mim”, revela Stephanie.

Além de jogar e se aprofundar nos estudos bíblicos, ela cursa Cinesiologia na faculdade. Stephanie diz que o basquete era parte da equação, mas que sempre foi incentivada a estudar.

Ela também revela que a educação que recebeu não incluiu o hábito de ver televisão. Como consequência disso, por exemplo, ela não conhece muitos dos principais nomes do basquete americano, o melhor do mundo.

A educação e a religiosidade são traços marcantes que Stephanie leva para todo lugar aonde vai, inclusive a seleção. Segundo ela, num ambiente com diversas crenças, ninguém tem restrições com relação à dela: “Uma coisa muito legal que elas têm é o respeito. Todo mundo entende a crença de cada um. Acreditamos em coisas diferentes, mas conseguimos nos unir para jogar junto como time”.

O comportamento da jovem de 20 anos vem chamando a atenção das líderes do grupo. Positivamente. “A Teté está sempre disposta a aprender. Você olha para ela e consegue perceber aquela vontade de sugar tudo, sabe? Isso me lembra muito de quando cheguei à seleção”, diz a ala Damiris.

Seria exagero, nesse momento, dizer que Stephanie é peça fundamental no Brasil. Mas já é uma ausência sentida. No pré-olímpico, disputado em fevereiro, na França, ela não pôde comparecer por estar em meio à temporada universitária nos Estados Unidos. O Brasil não conseguiu a vaga para Tóquio e agora já pensa em 2024 antes mesmo de os Jogos de 2021 (antes 2020) terem acontecido.

É impossível saber se em quatro anos ela estará na WNBA ou focando em alguma outra coisa que não o basquete. Mas é bastante provável que, se o plano brasileiro de fazer a seleção feminina desenvolver talentos e voltar a ser forte conseguir avançar, Stephanie terá tido participação vital. E dias como aquele em Lima se tornarão bem mais frequentes.

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