O vale-alimentação vai mudar? Entenda o que acontece com novo decreto
Entre simplificações de normas trabalhistas, o decreto nº 10.854 trouxe novas regras para a oferta de benefícios de alimentação
Luísa Granato
Publicado em 12 de novembro de 2021 às 17h48.
Última atualização em 16 de novembro de 2021 às 13h56.
Nesta semana, o governo federal publicou o decreto nº 10.854, documento que simplifica diversas normas trabalhistas e as reúne em 15 pontos. A maior novidade fica no capítulo sobre a alimentação do trabalhador, que traz uma flexibilização para o vale-alimentação.
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Entenda a seguir os principais pontos que o novo decreto traz, o que muda na vida dos funcionários, das empresas e para os fornecedores de benefícios:
O que diz o decreto sobre a alimentação do trabalhador?
As principais novidades na parte do decreto que fala sobre alimentação podem ser resumidas em três pontos práticos:
- O uso dos cartões não ficará restrito a uma rede fechada de estabelecimentos conveniados;
- Ao contratar um fornecedor do benefício, a empresa não poderá receber descontos no valor contratado, prazos que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores ou outros benefícios e verbas;
- A portabilidade gratuita do serviço de pagamento de alimentação oferecido pela pessoa jurídica beneficiária do PAT, caso solicitada pelo trabalhador.
E o documento estabelece um prazo de 18 meses para empresas adequarem os contratos e a oferta dos benefícios para as novas regras.
Segundo o advogado trabalhista e sócio do escritório Gomes, Almeida e Caldas Advocacia, Camilo Onoda Caldas, o primeiro ponto causa preocupação pela possibilidade de aumento no número de fraudes pelo fato do convênio exigir uma burocracia maior para o benefício ser utilizado.
“Por outro lado, existe uma segurança maior de que o benefício vai ser utilizado da maneira correta”, comenta.
A fraude que o advogado menciona é a prática de venda do vale, que é crime. Segundo pesquisa de 2019 da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), 39% dos trabalhadores vendem o vale e usam o valor para pagar as contas.
Filipe Richter, sócio da área tributária do Veirano, comenta que a grande preocupação com a flexibilização do uso é que o valor seja usado para outros fins e que se torne um complemento do salário. E isso influenciaria no cálculo de imposto a ser pago pelas empresas e pelo trabalhador.
“A reforma trabalhista veio amenizar essa questão. No texto, consta que valores pagos na alimentação não constituem encargo trabalhista ou da previdência, salvo fosse pago em dinheiro”, afirma ele.
Sobre o artigo 175, que veta a prática de descontos na contratação do fornecedor do serviço, o advogado tributário acredita que isso mude a atratividade do produto. “Se não posso ter desconto, não é benéfico para mim. Se for assim, não poderia pagar direto ao funcionário de outra forma?”, diz.
E que muda na vida dos funcionários?
Na prática, a medida fará com que, em breve, os cartões de vale-alimentação sejam aceitos por mais estabelecimentos. Esse é o principal efeito que o trabalhador deve observar.
Para Marcelo Ramos, Co-general Manager da Swile Brasil, e Pedro Lane, co-fundador da Flash, ambas startups que oferecem, entre outros produtos, a flexibilidade para o vale refeição e alimentação dentro de uma carteira digital, essa mudança vai aumentar o valor que é entregue para o funcionário.
Com mais opções, o funcionários poderá usar o valor do vale em locais de sua opções, como, por exemplo, em estabelecimentos próximos de sua casa durante o home office.
A medida não vem para alterar o oferecimento do benefício. Mesmo com a mudança de desconto para a contratação, o vale-alimentação e o vale-refeição são obrigações das empresas registradas no Programa de Alimentação ao Trabalhador (PAT) ou por acordos feitos com sindicatos de cada categoria.
“O decreto atualiza premissas que foram estabelecidas em 1976, então o texto está atrasado. Nós iniciamos em um segmento que estava ‘commoditizado’ e trouxemos novas práticas com soluções de tecnologia, mas sempre atuamos dentro da lei e com compliance”, diz Ramos.
Desde 2017, com a reforma trabalhista, já era possível oferecer novas soluções para pagar a alimentação do trabalhador com maior flexibilidade através de cartões pré-pagos. Ramos explica que a tecnologia das startups de benefícios permite que o valor de alimentação não se confunda com outros valores, como um auxílio para home office e bolsa-cultura, e os princípios da CLT e da PAT se mantenham.
Com maior concorrência no setor, os executivos também acreditam que as fornecedoras precisarão se modernizar e isso aumenta a qualidade do que é oferecido ao trabalhador.
E o que muda para as empresas?
Com o prazo de 18 meses para adequação às novas regras, Lane vê um período mais curto para as empresas começarem a reavaliar o produto que contratam.
“Algumas empresas, na iminência de fechar o orçamento do próximo ano, o que acontece em setembro e outubro, podem ter fechado seus contratos com prazo até o próximo ano. Sentimos uma pressão nesse sentido. Acho que próximo ano trará uma série de inovações para dentro das empresas do setor”, afirma.
De acordo com dados da Flash Benefícios, o setor já movimenta mais de R$ 150 bilhões por ano. E o co-fundador acredita que o decreto irá ampliar suas fronteiras para atingir novos clientes. Com mais startups entrando no setor, a previsão é que ele fique mais aquecido.
Sem o desconto, chamado na área de rebate, o que vai realmente pesar na hora de escolher um fornecedor será o pacote total de vantagens e soluções que a empresa pode contratar de uma vez.
É o que defende Eduardo del Giglio, CEO da Caju Benefícios, que vê o foco das negociações saindo da oferta de um desconto de 2% para se tornar o produto e qual o valor que aquele investimento agrega à jornada do empregado.
“Acho que tem mais relação com como você escolhe seu banco. Você escolhe pelo que falam, pelo o que você lê, pelas funcionalidades e como te atende”, diz.
Para ele, a mudança nas regras do vale-alimentação será um empurrão a mais dos gestores de Recursos Humanos para soluções mais flexíveis.
Numa pesquisa recente da consultoria em saúde Mercer Marsh Benefícios com 737 empresas brasileiras, de vários portes e setores de atuação, 48% disseram adotar algum benefício corporativo flexível. Numa sondagem semelhante, em 2019, só 17% tinham essa prática.
Como a tendência do mundo do trabalho é de um futuro mais flexível, o mercado de benefícios deve seguir junto das demandas dos seus consumidores, os trabalhadores.
“A expectativa para o próximo ano é alta. O que vai ser observado pelo RH é o preço, a forma, o que o produto faz, se ele ajuda a tirar trabalho operacional e qual a integração com outras operações”, afirma.
A reportagem da Exame entrou em contato com as empresas Sodexo e Alelo para comentar as implicações do decreto. Ambas afirmaram que o posicionamento se daria de forma unificada por meio da Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT). Até o fechamento da matéria, a associação ainda não havia terminado sua análise do documento.