Carreira

Será o fim da escala 6x1 no Brasil? Varejistas, hotéis e até mineradoras já se movimentam

Com modelos 5x2 e 4x3, empresas apostam em menos dias de trabalho para atrair e reter talentos. Em paralelo, uma PEC tenta derrubar a escala 6x1 no Congresso

O Palácio Tangará é um dos hotéis de luxo que aderiu à escala de trabalho 5x2 este ano (Palácio Tangará/Divulgação)

O Palácio Tangará é um dos hotéis de luxo que aderiu à escala de trabalho 5x2 este ano (Palácio Tangará/Divulgação)

Publicado em 9 de dezembro de 2025 às 11h46.

Última atualização em 9 de dezembro de 2025 às 11h48.

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O movimento começou com um desabafo nas redes sociais, virou mobilização popular, ganhou apoio político e agora começa a se materializar dentro das empresas. A escala 6x1 — seis dias de trabalho para um de descanso —, padrão histórico no varejo, na hotelaria e em diversos serviços no Brasil, começa a perder espaço para modelos mais flexíveis, como o 5x2 e até o 4x3. Do balcão da farmácia aos corredores de hotéis cinco estrelas, o debate sobre tempo, saúde mental e produtividade chegou de vez ao centro das decisões estratégicas.

Hoje, gigantes do varejo, hotéis de luxo e empresas de tecnologia já abandonaram ou estão testando formatos alternativos. E, pela primeira vez, o tema também avança no Congresso Nacional, por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê a redução da jornada semanal para 36 horas, com quatro dias de trabalho.

Do varejo popular ao luxo: quem já largou o 6x1

No varejo farmacêutico, setor conhecido por jornadas exaustivas, o Grupo DPSP, dono das Drogarias Pacheco e Drogaria São Paulo, rompeu com o modelo tradicional ao adotar a escala 5x2 em todas as suas unidades. Dois dias de folga por semana passaram a ser regra — algo raro em um segmento que funciona sete dias por semana e depende de mão de obra intensiva.

No varejo de moda, a estreia da sueca H&M no Brasil, em agosto de 2025, também já nasce com um recado claro ao mercado: todos os seus funcionários trabalham na escala 5x2. “Acreditamos no equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Queremos inspirar outras empresas a oferecerem mais tempo de qualidade para seus funcionários”, afirma Joaquim Pereira, presidente da H&M no Brasil.

A operação começou concentrada em São Paulo, com quatro lojas até o fim do ano, além de um centro de distribuição em Extrema (MG) e escritório na capital paulista. A expectativa é chegar a 450 funcionários em 2025, todos com dois dias de folga semanais — ainda que em sistema rotativo. “Mesmo em shopping, daremos dois dias de descanso”, diz o executivo.

FILE PHOTO: Logo of H&M is seen in a display window of a store in Zurich, Switzerland

A estreia da sueca H&M no Brasil, em agosto de 2025, também já nasce com um recado claro ao mercado: todos os seus funcionários trabalham na escala 5x2

No setor de hotelaria, tradicionalmente um dos mais resistentes à flexibilização de jornadas, dois gigantes de perfis distintos decidiram reinventar seus modelos.

O Palácio Tangará, hotel de luxo localizado na zona sul de São Paulo, anunciou a adoção do 5x2 para toda a operação, substituindo a antiga escala 6x1. A mudança representa um investimento anual superior a R$ 2 milhões e veio acompanhada da contratação de 27 novos funcionários para manter o padrão de excelência.

“Queremos que os funcionários nos deem o máximo da dedicação, mas para isso precisamos oferecer o melhor para eles também. Sem equilíbrio entre investidores, funcionários e clientes, a casa cai”, afirma Celso do Valle, diretor-geral do hotel.

Com a mudança, os colaboradores passaram de 65 para 104 folgas por ano — um ganho de 39 dias de descanso — além da redução da jornada semanal de 44 para 42 horas, sem corte salarial. O pacote inclui ainda benefícios como alimentação completa, transporte próprio, auxílio-creche estendido, plano de carreira estruturado e até viagens internacionais como prêmio por desempenho.

No Rio de Janeiro, o Copacabana Palace, ícone da hotelaria brasileira, também decidiu apostar no 5x2. Desde maio deste ano, cerca de 90% dos 600 funcionários passaram a ter dois dias de folga por semana — exceção feita à segurança, que segue no regime 12x36.

“O foco do 5x2 é bem-estar, equilíbrio e saúde mental. Aqui não trabalhamos com máquinas. A autenticidade do serviço depende das pessoas”, afirma Guillaume Lemarchand, diretor de Recursos Humanos do hotel. Segundo ele, a escala será mantida inclusive em datas críticas como Natal, Réveillon, Carnaval e grandes eventos internacionais.

Copacabana Palace

Desde maio deste ano, cerca de 90% dos 600 funcionários do Copacabana Palace passaram a ter dois dias de folga por semana (Andia/Getty Images)

Leia também: Nine-day fortnight: Conheça a nova escala de trabalho que é uma alternativa à semana de 4 dias

O movimento que nasceu nas redes e chegou ao Congresso

A pressão social contra a escala 6x1 ganhou força em setembro de 2023, quando o então balconista de farmácia Rick Azevedo, morador do Rio de Janeiro, publicou um vídeo no TikTok relatando sua rotina exaustiva. A gravação viralizou, alcançou milhões de visualizações e deu origem ao Movimento Vida Além do Trabalho (VAT).

“Era o único dia da semana que eu tinha para viver. Para ir ao médico, arrumar a casa, ver o mar”, diz Rick. A mobilização avançou das redes para as ruas e, hoje, já soma 1,3 milhão de assinaturas em uma petição nacional.

@rickazzevedo

Até quando essa escravidão?? 😡 #clt #escala6x1 #fy

♬ som original - Rick Azevedo

O movimento inspirou a deputada Erika Hilton (PSOL-SP) a apresentar uma PEC que propõe reduzir a jornada semanal de 44 para 36 horas, com quatro dias de trabalho por semana. A proposta ainda precisa reunir 171 assinaturas para tramitar oficialmente na Câmara, mas já colocou o tema no centro do debate político.

“A escala 6x1 tira do trabalhador o direito de passar tempo com a família, de cuidar de si e até de se qualificar. Ela é incompatível com a dignidade do trabalhador”, afirmou a deputada em suas redes sociais.

O salto além do 5x2: a chegada da escala 4x3

Enquanto o debate legislativo avança, algumas empresas decidiram ir além do 5x2 e adotaram, na prática, a escala 4x3 — quatro dias de trabalho para três de descanso.

Uma delas é a AngloGold Ashanti, mineradora que completa 190 anos no Brasil. A companhia iniciou neste ano um projeto-piloto com cerca de 500 funcionários administrativos em Minas Gerais.

“Não cortamos salários nem benefícios. Mantemos o modelo híbrido e medimos trabalho por entrega, não por horas”, diz Felipe Fagundes, vice-presidente de RH.

No setor de tecnologia, a Vockan, empresa com operação no Brasil e nos Estados Unidos, adotou a semana de quatro dias há dois anos. Desde então, registrou aumento de 32% na produtividade, crescimento de 86% no faturamento, rotatividade próxima de zero e NPS de 98.

“Foi uma resposta direta à saúde mental e à atração de talentos”, diz Fabrício Oliveira, CEO da empresa.

Até setores mais tradicionais vêm testando o modelo. A Alimentare, empresa de refeições coletivas, implantou o 4x3 no time administrativo. “Para a empresa, os benefícios também são evidentes: o faturamento aumentou 15% e a lucratividade em 7% em comparação ao mesmo período do ano passado, e o turnover zerou”, diz Caroline Soldi Malgarin Medeiros, Coordenadora de Planejamento Estratégico da empresa.

Menos horas, mais resultado?

O Brasil vive um ponto de inflexão. A combinação entre pressão social, novas gerações no mercado, desafios de saúde mental e escassez de talentos coloca a jornada de trabalho na mesa dos conselhos e diretorias. Em maio de 2026 virá a nova NR-1 trazendo mais uma pressão para as empresas olharem para a saúde mental dos funcionários.

“A NR-1 é, hoje, uma resposta de socorro para um cenário de adoecimento coletivo, principalmente ligado à saúde mental”, afirma Yara Leal Girasole, advogada trabalhista e sócia do PK Advogados, especializada na área desde 2008.

Segundo ela, o aumento expressivo dos afastamentos por ansiedade, depressão e burnout — muitos já reconhecidos como doenças ocupacionais pelo INSS — pressionou o poder público a ampliar a visão sobre segurança no trabalho, antes restrita quase exclusivamente aos acidentes físicos. As empresas já estão tomando algumas medidas, e alguma apostaram na escala de trabalho.

Na prática, o que está em jogo não é apenas o número de dias trabalhados, mas a redefinição do próprio conceito de trabalho. Entregas, autonomia, inovação e bem-estar passam a pesar mais do que relógios de ponto. “A excelência só é possível quando quem cuida também é cuidado”, afirma Lemarchand, do Copacabana Palace.

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