Carreira

Missão quase impossível

A história do Solar Impulse, primeiro avião movido totalmente a energia solar, mostra que ideias aparentemente malucas podem atrair investidores, profissionais qualificados e cientistas geniais

Bertrand Piccard, André Borschberg e o avião Solar Impulse (ao fundo): fruto de dez anos de trabalho (Jean Revillard/Rezo.ch/Solarimpulse/Polaris)

Bertrand Piccard, André Borschberg e o avião Solar Impulse (ao fundo): fruto de dez anos de trabalho (Jean Revillard/Rezo.ch/Solarimpulse/Polaris)

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Da Redação

Publicado em 13 de outubro de 2014 às 11h34.

São Paulo - Março de 2015 tem tudo para ser um marco na história da aviação. Será nesse mês que o Solar Impulse, primeiro avião do mundo movido totalmente a energia solar, vai decolar da região do Golfo Pérsico para uma viagem ao redor do mundo.

O avião de 2.300 quilos, uma ideia de execução considerada impossível até alguns anos atrás, é um projeto dos empreendedores suíços Bertrand Piccard, de 56 anos, e André Borschberg, de 61. O Solar Impulse foi desenvolvido por um time de 90 profissionais na Escola Politécnica de Lausanne, na Suíça.

Sua história é inspiradora porque mostra como uma ideia aparentemente maluca pode atrair investidores, gente qualificada e parceiros de negócio de diferentes áreas. Dada sua proposta inovadora, Bertrand e André são convidados regularmente para falar em escolas de negócios e de engenharia. 

Bertrand é psiquiatra, balonista e faz parte de uma família de cientistas. Auguste Piccard, seu avô, inventou a cabine pressurizada para voos de balão e o batiscafo, aparelho esférico feito de aço, usado para descer ao fundo do mar. Auguste foi o primeiro homem a atingir a estratosfera, em 1931.

Jacques Piccard, pai de Bertrand, usou o batiscafo para bater o recorde mundial de descida no oceano, ao mergulhar até 10 .916 metros. Bertrand tem o mesmo gene do pai e do avô. Em 1999, depois de várias tentativas malsucedidas, Bertrand conseguiu, ao lado do inglês Brian Jones, a proeza de dar a volta ao mundo num balão, sem escalas.

Foi justamente nessa experiência que percebeu quanto a falta de combustível poderia fazer com que sua aventura fosse por água abaixo. Assim nasceu o sonho do avião movido a energia solar. Em 2001, Bertrand pediu um estudo de aplicabilidade do projeto à Escola Politécnica Federal de Lausanne. Foi aí que conheceu seu parceiro de aventura.

André é engenheiro mecânico e começou a carreira na consultoria McKinsey, na qual ficou cinco anos. Saiu da consultoria para trabalhar em um fundo de investimento, onde teve a oportunidade de administrar várias empresas e startups na área de tecnologia. Fascinado pelo mundo da aviação, ainda jovem passou pelo treinamento da Força Aérea Suíça. E tem pilotado por mais de 20 anos.

Bertrand e André iniciaram o projeto do Solar Impulse há dez anos. De lá para cá, o projeto foi conquistando patrocinadores, parceiros de pesquisa e grandes corporações interessadas no desenvolvimento de novas tecnologias. Entre elas estão a belga Solvay, a Omega, pertencente ao Grupo Swatch, a fabricante de elevadores Schindler e a ABB, que opera nos setores de energia e tecnologia. No total, há 90 parceiros de negócios e 100 conselheiros.

Vontade de mudar o mundo

Hoje, o time do Solar Impulse conta com engenheiros, técnicos, pilotos, profissionais da tecnologia da informação, especialistas da aviação e de comunicação. Além da diversidade de formação, a equipe reúne funcionários de nove nacionalidades. “Procuramos os melhores em cada área, mas isso não é suficiente. Eles também têm de ter espírito empreendedor”, diz André.

As equipes são organizadas em quatro grupos básicos. A equipe central desenvolve a tecnologia, o desenho e constrói a aeronave. O time do centro de controle reúne engenheiros, o diretor de voo e especialistas em tecnologia da informação. O terceiro grupo é o de operações em solo, que prepara o avião, ajuda na decolagem e recebe o avião após o voo.

E o quarto grupo é composto do pessoal de administração, marketing e comunicação. “Temos uma gestão muito ‘mão na massa’ e uma visão bem clara de nosso projeto”, diz Bertrand.

O desafio, de acordo com os empreendedores, é gerir a diversidade e manter o nível de energia e motivação das equipes, principalmente quando algo não funciona — e muita coisa dá ­errado. “Tomamos muitos riscos. ­Estamos construindo algo que não existe. E, é claro, acabamos falhando”, diz André.

Na gestão da equipe, André menciona um desafio típico: quando os engenheiros têm de trabalhar com profissionais sem formação em engenharia. E aí, muitas vezes, os engenheiros têm dificuldade para aceitar certas propostas. Como resolver o dilema? “Com muito envolvimento, coaching e treinamento”, diz André.

“Esse é meu papel. Contratei praticamente todo mundo do projeto. Conheço todos pessoalmente. E isso faz diferença.” Para Bertrand, um desafio como o Solar Impulse só pode ser superado se houver diversidade. “Essas diferenças estimulam a criatividade. É por meio da comparação e do confronto de experiências que soluções originais aparecem”, afirma Bertrand.

Outra questão fundamental para a dupla de líderes é manter a equipe motivada. “Primeiramente, temos um sistema de gestão de projeto muito bom, com marcos a ser atingidos. Eu acredito muito na determinação de metas regulares como ferramentas de incentivo e aprendizado”, diz André.

O Solar Impulse é um projeto com começo, meio e fim. Esse fim seria a execução da volta ao mundo, o que acaba deixando a equipe sem perspectiva de futuro. Nesse caso, a estratégia dos líderes é dar um novo rumo à empresa. “Estamos desenhando uma organização focada em tecnologia, que continuará a operar após a viagem. Ela produzirá novas soluções e as fornecerá ao mercado”, diz André.

Tudo indica que os sócios estão no caminho certo. Provas não faltam. Bertrand conta que, certa manhã, caminhava pelo centro de Zurique quando foi abordado por uma jovem. Ela o reconheceu. Dirigiu-se a ele e disse, em tom de desaprovação, que havia perdido seu namorado, um engenheiro do projeto Solar Impulse, por culpa de Bertrand.

O engenheiro estava sempre tão ocupado que não tinha tempo para a namorada. Bertrand imediatamente perguntou se ela havia conversado com o namorado e pedido alguma explicação. Ela disse que sim, e a resposta do engenheiro foi: “Se você quer mudar o mundo, tem de fazer algum sacrifício”. “Quando um engenheiro diz uma coisa dessas é maravilhoso porque ele entendeu o espírito do projeto”, diz Bertrand.

Gestão afinada

O resultado dessa combinação de pioneirismo com uma gestão afinada é que o projeto do Solar Impulse tem conseguido adaptar tecnologias já existentes e criar novas soluções. A começar pela estrutura do avião, feita de folhas de fibra de carbono, três vezes mais leve do que o papel, o que afeta o peso da aeronave.

Normalmente, os aviões são feitos de um composto formado por carbono epóxi, uma matriz de resina e fibra de carbono. As células fotoelétricas usadas nas asas são finas como um fio de cabelo e bem mais eficientes do que as utilizadas nos painéis solares de residências.

As baterias de lítio usadas no Solar Impulse são feitas de uma combinação química inovadora, que reduz o processo de oxidação, resultando em mais eficiência e em maior duração. Vale lembrar que elas pesam 633 quilos, mais de um quarto do peso do avião. Na cabine também não faltam novidades.

Há um sistema de vibração que alerta o piloto e que funciona como uma fonte de informação adicional à visual e à auditiva. Um equipamento de eletrocardiograma adaptado para ser usado pelo piloto monitora as batidas do coração, gerando informações sobre o nível de fadiga e de vigilância do profissional.

Roupas de fibras de náilon inteligentes estão sendo desenvolvidas para os pilotos. São chamadas inteligentes porque conseguem estabilizar a temperatura do corpo. Tal material está sendo desenvolvido pela Solvay e pela Rhodia (que pertence ao grupo Solvay). Segundo André, parte do desenvolvimento desse material envolve profissionais da Rhodia no Brasil. 

Durante a viagem ao redor do mundo, cada piloto vai voar de quatro a cinco dias. A cabine é muito pequena e não há como ficar em pé. Em razão disso, só há possibilidade de o piloto alongar as pernas. Uma cadeira reclinável e um travesseiro ergonômico foram desenvolvidos para que ele possa descansar e se exercitar.

O planejamento para a viagem de volta ao mundo também envolve a preparação adequada dos pilotos. André pratica ioga de quatro a cinco dias por semana. “Somos defensores da ideia de tecnologias limpas, que é a base para a concepção do projeto do Solar Impulse, mas nossa mente também tem de estar em equilíbrio, e nosso corpo, saudável”, afirma o engenheiro. Além disso, os pilotos devem usar meditação e técnicas de respiração para poder descansar e se recuperar ao longo do trajeto.

O curioso é que boa parte da inovação aplicada ao Solar Impulse não vem da indústria de aviação. “Um dos melhores carros elétricos produzidos hoje em dia não é manufaturado pelas montadoras de automóveis, e sim pela Tesla Motors, uma empresa nova no setor”, afirma Bertrand.

“Nós somos pioneiros, não somos industrialistas. Abrimos as portas e depois a indústria implementa as tecnologias”, diz Bertrand. O engenheiro e o psiquiatra carregam essa missão juntos.

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