Carreira

Intercâmbio de trainees com a Heineken e a Mars

Heineken e Mars derrubam o conceito tradicional de programa de trainees e promovem pela primeira vez no Brasil um modelo integrado de formação de jovens profissionais

Oito dos dez jovens selecionados no programa: ao longo de três anos, eles passarão por migrações estratégicas entre as áreas das duas empresas (Omar Paixão)

Oito dos dez jovens selecionados no programa: ao longo de três anos, eles passarão por migrações estratégicas entre as áreas das duas empresas (Omar Paixão)

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Da Redação

Publicado em 28 de novembro de 2013 às 19h43.

São Paulo - Em agosto do ano passado, uma população de quase 20 000 jovens entrou numa disputa para conquistar uma, entre as poucas dez vagas oferecidas, num programa de trainees. A relação candidato-vaga (de 1 993 para 1) foi considerada a mais alta entre os tradicionais programas do país.

O que chamou tanto a atenção desses estudantes não foram o salário e os benefícios, que estão bem dentro do que o mercado oferece, mas a oportunidade de, logo de início, entrar em duas empresas de nome ao mesmo tempo: a Heineken e a Mars.

O modelo integrado de programa de trainees, uma iniciativa da cervejaria holandesa, foi pioneiro no Brasil. Com apenas dois anos e meio no país, a empresa buscava algo inovador que causasse certo frisson no mercado para atrair os jovens.

Foi então que Clara Trindade, diretora de recursos humanos da Heineken, teve a ideia de usar uma ou mais empresas no processo para, juntas, atraírem e desenvolverem os trainees. Com o apoio da consultoria Across, iniciou-se uma seleção do melhor parceiro para esse projeto. A Heineken considerou empresas de bens de consumo não concorrentes, cujas culturas não fossem conflitantes.

Segundo Karina Trindade, gestora da área de jovens talentos da Across, a busca não foi fácil. “Todas as empresas ficaram encantadas com a ideia, mas algumas não quiseram se arriscar por ser um projeto pioneiro e outras não acreditavam ter muita afinidade com os valores da Heineken”, diz ela. 

Das cerca de cinco empresas procuradas, uma topou o desafio — a fabricante americana de alimentos Mars, cuja matriz experimentou um projeto parecido ao se unir à L’Oréal no Reino Unido. “Nós tínhamos o mais importante: objetivos e valores compatíveis”, diz Clarissa Gazzaneo, gerente de talentos da área de chocolate e alimentos da Mars. “Um programa como esse nos diferenciaria das oportunidades existentes no mercado e atrairia talentos. Então topamos.” 

Segundos os especialistas, a aproximação das culturas das duas companhias é o principal desafio desse modelo. “A ideia é muito legal, mas algumas organizações tentaram isso no passado e esbarraram nessa questão, o que não permitiu que esse modelo virasse tendência”, diz Sofia Esteves, da Cia. de Talentos, empresa especializada em recrutamento de trainees. “É muito difícil ter os valores afinados e é aí que começam os problemas, pois a definição do perfil dos candidatos tem que ter um consenso.” 


O perfil dos candidatos desejados foi discutido entre os RHs. Ambas as empresas buscavam jovens que tivessem inglês fluente e disponibilidade para viajar e residir em qualquer local do Brasil e qualidades comportamentais, como paixão pelo crescimento, proatividade, criatividade, flexibilidade, adaptabilidade, capacidade de exercer influência, agilidade e maturidade.

Não havia restrição de cursos de ensino superior para as vagas de vendas e marketing. Já as áreas de pesquisa & desenvolvimento e supply chain visavam aos recém-formados em engenharia e química. Ainda na fase de seleção, que durou oito dias e contou com três etapas (provas online, dinâmicas de grupos e painéis de entrevista), o RH de cada empresa já ia separando seus preferidos.

Ao final do processo, cinco jovens foram para a Mars e cinco para a Heineken. O desejo manifestado pelos jovens já na ficha de inscrição foi levado em consideração, mas não foi requisito para a escolha. 

Além do perfil, outra estratégia que ajudou no processo de escolha das empresas pelos candidatos foi o consenso quanto à remuneração. O salário inicial — não divulgado — para todos os trainees, independentemente da empresa e da função que ocupariam de início, é o mesmo.

Dessa forma, o candidato teria de levar em consideração sua afinidade com cada uma das companhias acima de qualquer outro quesito. Somente após os três anos de programa é que as empresas vão exercer sua política salarial independentemente, de acordo com seus critérios de avaliação de desempenho. 

Com os dez selecionados, as duas companhias iniciaram o processo de integração. Nos três primeiros meses, a turma toda participou das atividades unida — ora na sede da Heineken, em São Paulo, ora nas sedes administrativas da Mars, que ficam em Campinas (segmento de petcare) e Guararema (fábrica de chocolate e alimentos), ambas no interior de São Paulo.

A partir do segundo semestre, os jovens seguem para suas respectivas áreas. Mas esse movimento não é ainda definitivo. Ao longo dos três anos de programa, eles passarão por migrações estratégicas, que devem durar entre dois e três meses entre as empresas. Ao fim do período, voltam para suas áreas.

Essa mobilidade entre dois negócios foi o que mais encantou os candidatos. “O job rotation possibilita que o trainee conheça mais de um negócio durante o programa e observe as maneiras diferentes de cada empresa trabalhar”, diz a jovem engenheira química Maíra Pauli Simões, de 23 anos, trainee de manufatura da Heineken Brasil. “Outro ponto que me atraiu foi o período de três anos do programa. É mais tempo para que possamos nos desenvolver.” 


A possibilidade de conhecer dois mundos num mesmo programa também foi o que mais atraiu o administrador de empresas Renan Braga Machado, de 26 anos, trainee de vendas da Mars.

“A bagagem de conhecimento que essa troca vai trazer é imensa. Serão diferentes profissionais, diferentes problemas e diferentes formas de resolvê-los”, diz ele. “Ao voltarmos para nossas funções originais, certamente estaremos com uma visão mais apurada.” 

Custo pela metade

Para as empresas, a troca também é interessante, pois possibilita formar profissionais com mais de uma visão de negócio e manter dois celeiros de talentos — um dentro de casa e outro no lado vizinho. Há ainda mais um ganho embutido nesse intercâmbio: o custo do programa.

Como as consultorias normalmente cobram o mesmo valor para desenvolver um programa, seja para cinco, seja para dez trainees, o preço foi de um só — dividido entre as duas companhias. “Durante o desenvolvimento dos trainees o objetivo é aproveitar os momentos em que estão todos juntos para otimizar custos com treinamentos, salas, logística, entre outros”, afirma Clara, da Heineken. 

O risco, segundo os especialistas, é generalizar demais o conteúdo do treinamento. Para Mauro Mercadante, sócio-diretor da LAB SSJ, consultoria especializada em desenvolvimento corporativo, os conteúdos dos programas devem estar diretamente relacionados aos desafios reais que cada empresa vive no dia a dia. “Um programa em conjunto é muito mais genérico e pode perder um pouco sua eficiência”, diz ele. 

De forma mais conservadora, o que algumas companhias têm feito com o objetivo de otimizar custos e tempo é simplificar a fase de seleção de seus processos.

Na Cia. de Talentos, por exemplo, não se faz mais um teste de inglês para cada processo. Hoje, o jovem realiza o teste uma vez só e sua nota vai para um banco de dados, que tem validade por um determinado período. “Isso evita o cansaço e a desistência, já que os jovens se candidatam para vários processos ao mesmo tempo e os teste são praticamente os mesmos”, diz Sofia. 

Outra solução apontada por Mercadante para empresas menores e com menos recursos é mandar um jovem para um curso na consultoria com outros trainees de diversas empresas. “A organização pagaria a participação de apenas um trainee nesse programa, com a possibilidade de trocar experiências com outros profissionais e ter acesso a um tipo de conhecimento que possa contribuir para a gestão da companhia”, diz ele. 

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