VOZES: As feridas invisíveis do assédio
Mulheres que sofrem assédio sexual tem um risco três vezes maior de desenvolver depressão e sintomas como estresse e distúrbios do sono
Bússola
Publicado em 6 de julho de 2022 às 11h00.
Por Karin Vervuurt*
Você com certeza conhece uma mulher que já sofreu assédio no trabalho. Na verdade, vou reformular. Você com certeza conhece várias mulheres que já sofreram assédio no trabalho. Muito provavelmente, a maioria. É o que mostram os dados de um levantamento feito pela empresa de gestão de recursos humanos Mindsight: mulheres sofrem três vezes mais assédio sexual no trabalho do que homens.
Outra pesquisa, realizada pela médica Margarida Barreto, da PUC-SP, mostrou que as mulheres também são o principal alvo quando o assunto é assédio moral no trabalho, com 65% das entrevistadas relatando já ter sofrido atos repetidos de violência psicológica, contra 29% dos entrevistados. Os acontecimentos da Caixa Econômica Federal na semana passada – que resultaram em mais 50 novas denúncias de assédio em três dias – não me deixam mentir e são exemplos perfeitos da dificuldade que é ser mulher no mercado de trabalho.
A realidade que esses dados e acontecimentos mostram é estarrecedora. Mas isso é só uma parte do problema. Muito se falou sobre assédio contra mulheres no ambiente de trabalho nos últimos dias, no entanto, uma parte importante da discussão ainda não foi suficientemente debatida. Você sabe qual é o tamanho do impacto que o assédio pode ter na vida de uma mulher? Acredite, vai muito além do que você imagina.
Começando pela saúde. De acordo com uma pesquisa realizada na Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, o trauma do assédio sexual deixa efeitos duradouros no psicológico das mulheres. Pesquisadoras descobriram que mulheres que sofrem assédio sexual tem um risco três vezes maior de desenvolver depressão. Além disso, elas também experimentam sintomas como estresse debilitante, distúrbios do sono, pressão alta, baixa autoestima e náusea. Outros estudos ainda identificaram queixas como problemas gástricos, dores de cabeça, exaustão, perda ou ganho de peso e alcoolismo.
Ainda falando de saúde, um estudo experimental mostrou que quando mulheres são expostas a comentários sexistas de um colega de trabalho, elas experimentaram atividade cardíaca semelhante à exibida em situações de ameaça. Esse tipo de reatividade cardiovascular tem sido associado à doença cardíaca coronária e ao funcionamento imunológico deprimido. Os pesquisadores concluem que, se as mulheres forem expostas a assédio sexual repetido, elas correm sérios riscos de desenvolver problemas de saúde que vão acompanhá-las pela vida toda.
Outro ponto importante é o impacto do assédio na vida profissional. Mulheres que sofrem assédio muitas vezes perdem a autoestima, a confiança em si mesmas e na sua competência. Estudos mostram que as mulheres relatam perda de motivação ou paixão pelo seu trabalho. Casos de assédio também costumam resultar na perda de relacionamentos no local de trabalho, diminuindo ainda mais o acesso das mulheres às redes de networking profissional, indicações para outros trabalhos, entre outras coisas.
Por fim, passar por uma situação de assédio no trabalho também pode impactar a vida financeira das mulheres no curto e no longo prazo. Os dados mostram que muitas mulheres preferem sair do trabalho a denunciar o abuso. Ao pedir demissão, a mulher sofre uma perda de renda e segurança econômica imediata. No entanto, os efeitos financeiros vão muito além disso. Mulheres que sofrem assédio no trabalho e pedem demissão acabam entrando em trabalhos com remuneração mais baixa. Por conta disso, muitas delas precisam trabalhar mais anos para compensar os benefícios de aposentadoria perdidos.
Apesar das profundas consequências que o assédio tem na vida das mulheres, infelizmente ainda estamos longe de resolver esse problema. Especialmente, porque o machismo presente na sociedade torna o processo de denúncia do assédio muito custoso. Em uma cultura que prefere procurar na vítima os motivos para ter sofrido o abuso, a vergonha de expor a situação publicamente impede que a maioria delas procure por justiça. Uma pesquisa feita pelo LinkedIn em parceria com a Think Eva mostrou que 56% das mulheres ouvidas tinham medo de que a culpa recaísse sobre elas e 25% disseram temer a acusação de que elas teriam provocado o assediador.
Diante desse contexto, precisamos que empresas e outros espaços de trabalho se responsabilizem por quebrar esse ciclo. Precisamos fomentar culturas organizacionais que protejam as mulheres e que deem a segurança necessária para que elas denunciem. Não podemos permitir que ambientes violentos limitem o potencial feminino.
*Karin Vervuurt é diretora de Parcerias e cofundadora da Elas no Poder
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