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Uma história real de endometriose e a Cannabis como possibilidade

Após anos de dor constante, Adriana Grosso mostra como a Cannabis pode atuar na redução dos sintomas

O uso medicinal de Cannabis pode atuar sobre os sintomas e reduzir o uso de outros medicamentos (Tinnakorn Jorruang/Getty Images)

O uso medicinal de Cannabis pode atuar sobre os sintomas e reduzir o uso de outros medicamentos (Tinnakorn Jorruang/Getty Images)

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Publicado em 13 de novembro de 2021 às 12h26.

Por Adriana Grosso*

Desejo que este meu texto chegue a muitos homens e mulheres e os faça refletir. Compartilho aqui um pedaço da minha história de vida onde há o famoso “e viveram felizes” após importantes dificuldades, enfrentamentos e perdas.

Ser mulher não é brincadeira ou, como cantou Rita Lee em “Cor de rosa choque/Todas as mulheres do mundo”, “mulher é bicho esquisito, todo mês sangra, um sexto sentido maior que a razão”.

Por sequentes anos, na época menstrual, convivia com muitas dores, volume menstrual grande, cólicas intensas, que simples analgésicos não resolviam. Além das cólicas, enjoos, diarreia, desmaios e dores de cabeça também se instalavam. Ainda adolescente, essa situação mensal me limitava na prática de esportes e na diversão com os amigos. Confesso que ficava inconformada, pois uma condição que era tranquila para muitas mulheres me irritava, me entristecia, me excluía.

Não havia um diagnóstico médico que explicasse a situação, apenas que eu era assim e que tinha que conviver com isso, tendo que usar analgésicos, antinflamatórios e alternativas terapêuticas cada vez mais fortes ou diferentes combinações para amenizar principalmente a dor, que jamais desapareceu. Naquela época queria muito entender o que acontecia e desejava um remédio que aliviasse pelo menos as cólicas que eram a pior parte.

Aos 30 anos, aquela vontade de ser mãe bateu à porta, mas não foi fácil engravidar. Após uma batelada de exames fui diagnosticada com endometriose, aquela condição em que parte do endométrio que será expelido como menstruação segue um caminho diferente, retrógrado, passando pela parte superior do útero, tubas uterinas e cavidade abdominal, podendo ficar retido em cada um desses lugares ou se aderir em outros órgãos do abdome como os intestinos, parede externa do útero ou ovários e peritônio. O tecido do endométrio fixado em locais é ectópico e inflama com as variações hormonais típicas do ciclo menstrual feminino.

Quando o hormônio estrógeno atua nessas lesões ectópicas, faz com que se proliferem e produzam substâncias próprias da inflamação, os chamados mediadores inflamatórios, especialmente a prostaglandina e aumentam o estresse oxidativo, favorecendo o crescimento e a sustentação do tecido ectópico endometrial e o aparecimento da dor em diferentes graus.

Naquele momento eu entendia a minha condição clínica. Passei por uma cirurgia para cauterizar os focos ectópicos e fiquei seis meses sem menstruar, com a ajuda de hormônios para evitar que a endometriose não se instalasse novamente. A seguir recorri à métodos de fertilização, sem sucesso. No caminho, uma meningite quase me tirou a vida. Um sexto sentido, uma força maior e uma família maravilhosa me diziam que eu não deveria desistir. E após mais endometriose, mais cólicas anos a fio, hoje é um alívio chegar muito bem à menopausa e com uma filha de 18 anos.

Trabalho atualmente na área da saúde, provendo orientação técnica à médicos sobre os produtos de Cannabis com fins medicinais, sempre considerando a base da evidência científica.

No Brasil, uma em cada dez mulheres possui dor advinda da endometriose. Considerando as proporções continentais e a densidade populacional brasileira, o sexo feminino representa aproximadamente 51,6% da população total, isso significa que cerca de dez milhões de mulheres sofrem com a endometriose. Segundo especialistas, a doença é a principal causa de infertilidade e dor pélvica, sem falar nas complicações emocionais relacionadas.

Com números tão elevados de mulheres que compartilham dessa condição prejudicial, a qual fazem parte sintomas dolorosos crônicos das cólicas menstruais, insônia, menstruação irregular, náuseas e vômitos, dores durante as relações sexuais, dor ao defecar ou urinar; fluxo menstrual abundante, constipação ou diarreia, fadiga e exaustão e até infertilidade, a qualidade de vida e o bem-estar da mulher são colocados em xeque.

O Sistema Endocanabinoide (SEC), um dos sistemas que trabalha em prol da homeostase (equilíbrio) do organismo, está envolvido em todos os níveis da funcionalidade da reprodução feminina, possui milhares de receptores espalhados pelos tecidos do sistema reprodutor e sua função adequada precisa ser preservada, evitando distúrbios. Estudos realizados nos últimos anos mostraram que a desregulação do SEC (níveis elevados das substâncias endocanabinoides) pode estar associada ao desenvolvimento de distúrbios do trato reprodutor feminino — esses incluem a endometriose, a síndrome dos ovários policísticos e até cânceres ginecológicos.

Fitocanabinoides, alguns dos principais componentes terapêuticos dos Produtos de Cannabis com Fins Medicinais, têm surgido como uma possibilidade que atua sobre os receptores do SEC, conduzindo informações de regulação funcional, gerando efeitos analgésicos e antinflamatórios citados na literatura científica. Entre os benefícios indicados estão a redução da dor, náuseas, vômitos e problemas gastrointestinais. Também se observa melhora na qualidade do sono e redução de sintomas como depressão e ansiedade. Outra vantagem do uso de canabinóides, é a possibilidade de redução média de 50% no uso de outros medicamentos, como os opióides, comumente prescritos para essas pacientes, mas com sérios efeitos colaterais.

Não deixe de conversar com seu médico sobre essa possibilidade terapêutica. Informe-se.

Por vezes me pego pensando se tivesse tido a oportunidade de tentar os produtos de Cannabis com fins medicinais para controle daquelas cólicas menstruais e contenção da inflamação relacionada à endometriose, teria me poupado tantos anos de dor.

*Adriana Grosso é PhD e MSL da HempMeds Brasil

 

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