Se o Papa tuitou, tá falado
Para diretor da Via Varejo, agenda da diversidade começa a avançar nas empresas, mas é preciso mais para tornar o ambiente corporativo plural
Mariana Martucci
Publicado em 29 de outubro de 2020 às 17h40.
Última atualização em 29 de outubro de 2020 às 18h01.
Alguns amigos garantiram que foi milagre. Que o céu se abriu, trombetas soaram, vozes de anjos foram ouvidas. Mas, uma vez que sabemos que quem administra as redes sociais do Vaticano é a Accenture, é melhor falar assim: Francisco quebrou a Rede. Há poucos dias, o mar da mídia se abriu para o Papa dizer que apoia a união de pessoas do mesmo sexo. Ateu devoto e descrente fervoroso, me emocionei em ver jornalistas orgulhosos, redes sociais aplaudindo e, naquele momento, vibrei muito com a aparição de tão importante comunicado.
Foi aí que o diabinho que mora no ombro da gente acordou e fez sermão: “Gente, estamos loucos de felicidade porque o papa disse que duas pessoas têm direito de formar uma família?” Sim, essa foi a manchete que encantou o mundo. Mas o que faltou nessa liturgia toda foi perguntar a Francisco até quando uma coisa normal, como duas pessoas se juntarem para viver seu amor e ter um projeto de futuro, família, filhos, vai ser notícia.
O mesmo vale para o universo corporativo, o mundo que habito. Até quando elencar em comerciais pessoas negras, casais do mesmo sexo, ou gente fora de algum absurdo padrão de beleza será notícia nos sites de marketing? Quando é que uma mulher e negra CEO não será mais título de homepage de revista de economia? Em que momento a diversidade será normalizada e entrará na nossa vida sem parecer obra de algum santo?
Eu, provavelmente, não verei esse dia. Mas temos de continuar a construí-lo.
Costumo dizer em reuniões com minha equipe que o grande objetivo das áreas de diversidade e sustentabilidade nas empresas é desaparecer. Que esse título que aparece junto ao meu cargo um dia vai sumir e se espalhará por toda a companhia. Diversidade e sustentabilidade não serão diretorias, vice-presidências ou gerências. Estarão em todas as áreas e metas. Ou melhor: nem estarão em metas ou áreas, por serem coisas tão naturais quanto duas pessoas quaisquer se casando ou comerciais tendo gente de todos os tipos diferentes de só homens brancos ocupando os topos de organizações. Por enquanto, é utopia. Os empregos do time de diversidade e sustentabilidade estão garantidos por bastante tempo. Antes de a área se dissolver nas corporações, ela ainda crescerá muito. Antes de deixar de existir, veremos, já estamos vendo, Chief Diverstity Officers e Chief Sustainability Officers em grandes empresas.
O mundo real em que vivemos e o futuro desse mundo ainda não estão nos orçamentos e decisões corporativas com a força e a presença necessárias. Mas, se um ateu pode falar em fé, tenho absoluta convicção de que a gente só anda para a frente. Uma vez que conversas entram na nossa vida, elas não saem mais. E a conversa da diversidade, do meio ambiente, do futuro e da sustentabilidade saiu dos cantinhos. Agora são os fundos de investimento que nos perguntam sobre práticas ESG. São candidatos a emprego e estágio que nos cobram sobre políticas de diversidade. São os clientes que querem saber das empresas o que elas fazem pela sociedade. Basicamente, é o futuro das companhias questionando sobre a transparência e comprometimento real dessas companhias no futuro. Perguntando e cobrando.
Com isso, já conseguimos ver, no comando das corporações, gente genuinamente preocupada com um ambiente mais plural, observamos pessoas em busca de um propósito para seus empregos e empresas, e CEOs que sabem que esse planeta é um só e que precisa ser cuidado, e não incendiado.
Andamos para a frente, tenho certeza. E com passinhos mais ligeiros e esperançosos a cada dia. Mas hoje eu só quero torcer, quem sabe até rezar, para que Francisco continue falando do amor entre todo o tipo de pessoa. Ele pode não ter conseguido me converter, mas ganhou um seguidor fiel no Twitter.
*Hélio Muniz é diretor de comunicação corporativa e sustentabilidade da Via Varejo.
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