Procura-se a cara da oposição
É cedo para saber se a alternativa aos extremos Bolsonaro e Lula será algo como o bom-mocismo de Huck ou o diálogo simples de Luiza Trajano
Karina Souza
Publicado em 4 de março de 2021 às 16h30.
Última atualização em 4 de março de 2021 às 16h35.
Há certa perplexidade da oposição com a resiliência da popularidade do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia e após a contagem de tempo ultrapassar a primeira metade do mandato. Negacionista e pouco empático frente à morte de mais de um quarto de milhão de brasileiros, ele ainda lidera as sondagens para a disputa eleitoral de 2022. Não surgiu até agora no horizonte nome competitivo para representar projeto alternativo, de centro ou de esquerda.
Sem nome consensual, não há uma voz forte o suficiente para direcionar as críticas ao governo, o que provocaria danos reais e mais profundos no projeto político atualmente hegemônico. E menos ainda há uma face a incorporar os anseios da sociedade por mudanças. Segue sólido hoje, portanto, o sentimento de continuidade com o Centrão aninhado na expectativa de reeleição. Hoje, frise-se. O Brasil já desmoralizou faz tempos as cartomantes e os vitoriosos de véspera.
Há, no cenário político, projetos personalistas e isolados – alguns já experimentados em eleições passadas até com sucesso–, mas, que hoje geram tantas dúvidas, que afastam os passageiros traumatizados com o destino do Titanic. Não há nada que indique a capacidade de superação das diferenças, pequenos ódios, rancores e até de ideologias disformes, já indistintas pelo uso prolongado como desculpa ao tentar criar diferenças entre semelhantes.
Imaginar união tranquila ou frente fraterna entre líderes das legendas que dominaram, alternadamente, as primeiras duas décadas eleitorais do século XXI é levar a sério desejos de misses pela paz mundial. Internamente o sistema político tradicional gerou um impasse. E este alimenta o seu próprio descrédito.
É por isso que alguns setores tateiam novamente uma saída fora do sistema. Tentam encontrar uma cara que possa fugir desses dilemas, traumas e conflitos inerentes ao passado recente da política de embates. Tentativa em curso mais antiga desse atual movimento é Luciano Huck, que remonta a 2018. Apresentador boa gente, ele tem no currículo reformas em carros velhos e recuperação de casas de famílias sem recursos, regularmente exibidas aos sábados na tela da maior emissora de TV do país.
Huck tem se preocupado em falar com grandes personalidades mundiais para lustrar a imagem de homem cosmopolita, com conteúdo. Produz material que permitiria escrever livro, uma espécie de ponte para o palácio… Atualmente oferece fascículos que saem na mídia tradicional e mostram sua forma de pensar o mundo, ouvindo algumas das melhores mentes do planeta. É ambicioso, e elitista.
Será que o cidadão que tem uma Brasília velha quer receber um modelo turbinado que fale inglês, seja ecologicamente sustentável, movido a eletricidade e que preserve a Amazônia? Essas são as preocupações reais do povo? Ou quer um carro velho que o leve ao emprego, ao posto de saúde, permita deixar os filhos na escola… seja adequada a sua vidinha suburbana e não fique sem combustível?
Claro, Huck tem qualidades e pode encontrar o tom certo para falar aos brasileiros. Talento de comunicação há de sobra nele. A afinação política é que gera dúvidas: que partido, quais aliados, qual plataforma, como será no enfrentamento das velhas raposas e outros bichos de casco grosso? Ele mesmo parece ter dúvidas, alimentando especulações sobre sua real motivação futura.
Eis que agora surge outro experimento: Luiza Trajano, empresária bem sucedida, mulher de diálogo simples e objetivo, rica com cara de pobre, histórico de causas ligadas à ascensão social pelo consumo e pelo empreendedorismo... Perfil que está seduzindo desiludidos. Em pesquisas vazadas a jornais, apareceu em terceiro lugar, atrás dos extremos Bolsonaro e Lula. Isso só com o patrimônio comercial.
A empresária nega ter essa ambição. Não colocou no site da Magalu oferta de seu nome em suaves prestações para os compradores de sua candidatura. Mas, mesmo assim, tornou-se objeto de desejo de políticos e empresários que procuram alternativa para sair do impasse criado pelo sistema político que alimenta o ódio e a divergência, numa disputa insanável pelo poder, e nada mais.
Se a cara do projeto alternativo novo será Huck ou Luiza, ainda é cedo para saber. O que fica patente é a busca por um candidato à vaga que incorpore os sonhos oposicionistas de certa elite presa num labirinto de crescente insatisfação, fragilidades e incertezas.
* Márcio de Freitas é analista Político da FSB Comunicação
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