Quando os cofundadores não compartilham a mesma visão, a parceria vira uma bomba-relógio e afasta investidores (FatCamera/Getty Images)
Plataforma de conteúdo
Publicado em 19 de dezembro de 2025 às 10h00.
Por Guilherme Skaf Amorim*
Criar uma startup com dois ou mais fundadores costuma ser visto como uma boa prática, baseada na ideia de divisão de trabalho, complementaridade de habilidades e suporte mútuo. Na maioria dos casos, essa estratégia de fato funciona bem. Porém, nem sempre o match é certeiro.
Em um estudo baseado em dezenas de “post-mortems” startups, a CB Insights identificou que cerca de 23% das falhas são atribuídas a equipes inadequadas, falta de time certo, conflitos internos ou má gestão de equipe. Dessa forma, quando os cofundadores não compartilham a mesma visão, ritmo ou valores, invés da parceria funcionar como engrenagem de condução do negócio, ela vira uma bomba-relógio.
Engana-se quem pensa que o maior desafio de uma startup está no produto, mercado ou dinheiro. A falta de química e alinhamento entre os sócios pode corroer silenciosamente a base da empresa, trazendo sérias consequências.
Quando presente, transforma decisões simples em disputas, desacelera a execução e cria ruídos que, aos poucos, inviabilizam a confiança necessária para crescer. É um problema que não aparece nos dashboards, mas que se manifesta nas conversas truncadas, nos atrasos estratégicos e na incapacidade de projetar uma narrativa coesa para investidores e equipes.
Alguns exemplos de como este desalinhamento pode se manifestar é na divergência das prioridades de curto versus longo prazo, no estilo de gestão ou até na distribuição de participação e poder.
E à medida que a startup cresce, as questões tendem a se intensificar. Sem uma cultura de diálogo e governança clara, pequenas tensões se transformam em atritos estruturais, e isso não só paralisa decisões importantes, mas liga um sinal de alerta para quem vê a operação de fora.
Até porque quando um fundo faz um aporte em uma startup, ele não coloca dinheiro apenas em uma ideia, mas investe em pessoas. Sendo assim, a coesão entre fundadores é frequentemente avaliada, tanto quanto a projeção financeira ou o produto.
E investidores experientes percebem rapidamente quando a força do negócio não acompanha a do discurso, e nada compromete mais uma rodada do que a sensação de que cada fundador está puxando a empresa para um lado.
Nestes casos, ainda que o pitch inicial possa impressionar, as reuniões subsequentes revelam os desalinhamentos que nenhum slide disfarça. Divergências internas aparecem em respostas desencontradas, hesitações sobre o roadmap e versões diferentes sobre o mesmo desafio.
Para um investidor, isso não é apenas um desconforto, é um risco direto de que o capital pode ser usado de forma improdutiva, já que a tomada de decisão tende a se tornar lenta, reativa e emocional.
Com o tempo, o atrito contínuo consome energia mental e compromete a velocidade de execução da empresa, que é justamente o motor de uma startup nos estágios iniciais. Em vez de concentrar esforços no crescimento, o time passa a operar em modo de contenção de danos, gastando horas para resolver tensões internas que poderiam ter sido evitadas com mais transparência, maturidade e alinhamento sobre o futuro desejado.
Isso impacta cultura, clima, contratação e retenção, afinal, ninguém quer construir carreira em um ambiente onde a liderança não se entende. Por outro lado, quando a fundação é sólida, o negócio avança com naturalidade.
Divergências existem, claro, mas são tratadas como parte da evolução estratégica, e não como disputas de território. Fundadores alinhados conseguem navegar crises com mais clareza, tomam decisões mais rápido e transmitem ao mercado a sensação de que sabem para onde estão indo. E essa sensação de coerência, coesão e propósito comum pesa muito no sucesso do negócio.
A cofundação continua sendo uma das formas mais promissoras de lançar uma startup. Mas é também um dos caminhos mais frágeis se os ponteiros não forem ajustados logo no início. Se você vai lançar um negócio, não subestime o elemento humano.
Mais do que revisar o business plan, cheque a sintonia com quem vai andar com você. No mundo das ventures, o maior atrativo para um investidor nem sempre é o mercado, mas sim a clareza e a coerência entre as pessoas que sustentam a ideia.
No fim das contas, não é apenas o pitch mais polido ou o deck mais bonito que fecha uma rodada, é a confiança de que o time fundador tem maturidade emocional, alinhamento estratégico e capacidade real de execução. Porque, quando a relação entre os fundadores racha, racha junto a capacidade de construir futuro, e nenhum capital é capaz de colar uma visão que nunca foi de fato compartilhada.
*Guilherme Skaf Amorim é Head da Rosey Ventures, Corporate Venture Capital do Grupo Marista.