(Georgijevic/Getty Images)
Bússola
Publicado em 8 de maio de 2022 às 11h03.
Por Marco Fisbhen*
Desde que fundei a Descomplica, todas as semanas recebo pedidos de indicação de leituras sobre tecnologia e educação. O “porque” é legítimo: querem entender melhor como funcionam, pensam ou operam as startups ou, mais especificamente, as edtechs (empresas de tecnologia dentro do espaço de educação).
Sempre penso que poderia apontar um documentário online, vídeos do YouTube ou uma página que está bombando no Instagram, mas a minha resposta invariavelmente é: procure um bom livro de ficção, que conte histórias que você queira ler e que conversem diretamente com você. Que te fazem mergulhar em um mundo que não existia e que agora vai existir de forma única na sua cabeça.
Minha indicação nunca é em vão. Os livros de ficção nos ensinam muito sobre startups. Primeiro porque todos nós sabemos os benefícios que ler de forma frequente e habitual traz para nosso repertório linguístico, cultural e social. Só conseguimos nos expressar em cima das palavras que conhecemos. Segundo porque, de maneira prática, a arte de escrever ficção é a de inventar novos mundos, com novas perspectivas e elementos que vamos imaginar. E é exatamente isso que a tecnologia vem fazendo por nós, criando novas perspectivas. Escolher algo que você goste e que converse com seu dia a dia tem o elemento fundamental para as carreiras de amanhã: a descoberta.
O futuro que nos espera no mundo do trabalho aponta para estes dois caminhos inescapáveis: tecnologia e novas descobertas. A era dos trabalhos repetitivos que faziam os nossos pais e avós já chegou ao fim (para alguns)… ou em breve vai chegar ao fim (para quase todos). Isso pode nos assustar, mas também pode nos libertar para desenvolver aquilo que temos de mais humano: nossa criatividade, inventividade, habilidade de narrar e capacidade de adaptar.
Sou professor desde que tinha 17 anos. Hoje tenho 42 e posso dizer que vivenciei — dentro e fora da sala de aula — a velha história de que a mão de obra humana é substituível pelas máquinas. Mas nós somos muito mais do que isso. O termo “mão de obra”, inclusive, já ficou no passado. É papel dos algoritmos entregar resultados de buscas, dados e mais dados e mais dados. Temos o papel de interpretar essa massa de informação e tirar dela insights que fazem, de fato, a diferença.
O motor para esse futuro ainda não me parece pronto. Atualmente, acompanhamos um enorme descompasso entre os talentos disponíveis no mercado e as posições abertas que demandam esses profissionais para alavancar o sucesso seja de (a) uma grande empresa, (b) uma startup ou (c) de todas as instituições que existem no enorme espectro entre (a) e (b). A construção dessa conexão entre a demanda por talentos e a oferta deles no mundo passa inevitavelmente por uma mudança dramática para um ensino que tenha como condutores a agilidade, a curiosidade, adaptabilidade e autogestão.
Fomos ensinados a ignorar uma vontade que pode nos levar ao topo da nossa carreira: a vontade de fazer aquilo que a gente gosta, da maneira que a gente prefere fazer. Estudar o que nos identificamos e procurar entender mais sobre um assunto que nos interessa nos oferece um repertório infinito de possibilidades de criação.
Num sentido de lifelong learning, o conceito de educação para o futuro do mundo deve ultrapassar o formato clássico de instrução centralizada: aulas online para quem não pode ir à sala de aula; gravadas para quem não tem internet no celular; em formato de áudio e podcast para quem é multitasking. Ver aula junto para quem gosta de bagunça; sozinho para quem gosta de silêncio. Começar do básico para quem ainda não entendeu; mergulhar fundo para quem já aprendeu. Só assim poderemos tornar o aprendizado verdadeiramente escalável. Escalável como escala, mas também como escalada.
Essa escalabilidade tem como principal trunfo a capacidade de furar a bolha das limitações tradicionais e gerar aprendizagem para estudantes, estejam numa sala de aula, na frente do computador de sua casa ou mesmo no transporte público (onde todos estamos). Isso é escalar e revolucionar a educação. Alunos com maior poder aquisitivo geralmente moram em bairros onde a oferta de escolas consideradas de excelência são maiores. Chegamos na primeira barreira que podemos e certamente queremos derrubar: a localização geográfica. Não faz sentido que o CEP de uma pessoa defina o seu futuro, mas mesmo sem sentido, é assim que funciona.
É mais que sabido que alunos em maior vulnerabilidade social geralmente trabalham para completar a renda. Educar o mundo é educar um mundo de gente que “não tem tempo, irmão”. Formar inclusivamente é ensinar na prática. É cortar caminhos. Do tempo e do espaço. Além disso, uma escola de qualidade geralmente cobra não só pelo quadro de excelentes professores (que cada vez mais são também youtubers e disponibilizam conteúdos de graça), mas também pela estrutura. As mídias sociais nos mostram que a estrutura que você tem no seu bolso é suficiente em muitas ocasiões: acesso à internet — mesmo que só para baixar vídeos, às vezes — e vontade de fazer o que gosta é o primeiro passo.
O celular tem bússola, câmera de vídeo e acelerômetro. Serve para criar histórias e planilhas. Serve para entreter e educar. Tudo isso, aliado a uma linguagem divertida (porque não?) produz engajamento. Produz boa vontade para aprender. O que era explicado em semanas agora é entendido em 30 minutos. O divertido é entendido e o objetivo aqui é juntar o melhor dos dois mundos: a escala das ferramentas de mídia e a satisfação com a aprendizagem proporcionada por uma boa sala de aula (virtual).
A revolução no ensino para o presente não passa apenas por mudanças de formatos, mas também pela adaptação dos conteúdos para as novas exigências do mundo. Um exemplo? É imprescindível que coloquemos conceitos como o de "alfabetização tecnológica" como critério para qualquer pretensão de grandes ambições na educação. Se é evidente que a alfabetização na língua materna permite que uma pessoa se comunique de maneira clara e compreensível, a alfabetização tecnológica tem se tornado um passo essencial para a adaptação tanto a um novo mercado do trabalho, de base cada vez mais tecnológica quanto em para navegarmos nossas vidas pessoais. Navegar é preciso, mas é também online.
O que nos faz (não faz?) pensar: o que é língua materna? Se agora estamos falando a linguagem tecnológica, nossa língua viva cresce para uma fusão do português, da linguagem dos memes, do inglês e dos emojis. Quem domina memes domina as narrativas. É num blend de tudo isso que nos comunicamos. Da mesma forma, um outro mix, de hard skills — competências técnicas específicas — e soft skills — competências interpessoais e de relação — deve ser visto não como um conjunto pronto para uma carreira específica e sim como várias musculaturas a serem exercitadas de diferentes modos, conforme os desafios do mercado de trabalho evoluem. Mais uma vez, flexibilidade.
Democratizar a possibilidade de aprender, descomplicar os métodos de ensinar e incentivar combinações improváveis para as habilidades humanas é a mistura perfeita para a educação que produzirá os profissionais do presente. É importante que os jovens entendam que o peso da escolha de uma carreira aos 17 ou 18 anos, que seria como o RG profissional deles para toda a vida, não existe mais. Eles poderão escolher agora e, daqui alguns anos, poderão escolher de novo e escolher mais uma vez os projetos que vão abraçar quando estiverem abertos para o que futuro lhes oferece. Se tudo der certo, o mercado de trabalho se transforma para um mercado de ciclos.
Essa mudança no setor tende ao principal desafio profissional: criar colaboradores flexíveis a ponto de serem capazes de atender demandas variadas num mesmo ambiente profissional e, ao mesmo tempo, perceber as mudanças sociais. O profissional do futuro será aquele que conseguirá conectar muitas habilidades dentro de uma só profissão e, simultaneamente, entender quais são as mudanças que ocorrem no seu campo para que ele possa saber o que será necessário aprender, quais novas habilidades desenvolver para atender a possíveis (e muitas vezes imprevisíveis) futuras demandas.
A educação para este profissional deve, portanto, aliar o potencial criativo da combinação dos conhecimentos com a possibilidade de se adequar rapidamente às novas tendências. Mais uma vez, flexibilidade e tecnologia. Do outro lado da moeda, é essencial que os principais players do mercado ampliem as ofertas de hoje para um universo maior de possibilidades. As limitações atuais reprimem o que há de melhor nos jovens: a rebeldia de criar e ir contra o que já está estabelecido. Não podemos esquecer que é essa repressão que causa uma sensação compartilhada de que seus futuros profissionais são amedrontadores.
Precisamos mudar esse cenário e fazer com que as ofertas do mercado de educação se tornem também parte do processo de motivação para a produção de novos profissionais. Campanhas que apontem claramente quais são as áreas de maior demanda e desafios futuros, como as agrotechs e a demanda de um agronegócio sustentável, o mercado de saúde e bem-estar com o desafio de manter mentalmente saudável uma parcela da população que vai chegar aos 90 ou 100 anos, soluções para o trânsito caótico e para cidades mais inteligentes. Tecnologia e flexibilidade.
No final do dia, a resposta para os anseios tanto de profissionais quanto dos players do mercado sobre o futuro do trabalho passa pela revolução que já está em andamento no mundo da educação. Cabe a nós o encontro entre os talentos de hoje e as carreiras do amanhã. A partir daí, surgirão as respostas que estamos procurando incansavelmente. Para além, eu, cercado de literatura e discos, recomendo: escolha e leia um bom livro de ficção.
*Marco Fisbhen é CEO e fundador da Descomplica, maior plataforma de educação digital do Brasil
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