O que mudou com a Lei da Igualdade Salarial?
Em artigo, advogadas do escritório Mattos Filho esclarecem principais dúvidas e discutem inconsistências relevantes
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Publicado em 9 de maio de 2024 às 07h00.
Por Érika Seddon, Julia Freitas e Ingrid Serezuelo*
A Lei 14.611/2023, mais conhecida como “ Lei da Igualdade Salarial ”, marcou um importante passo na busca pela igualdade de gênero no mercado de trabalho brasileiro. Desde sua publicação, em julho de 2023, tem havido intenso debate sobre seu impacto e eficácia.
O objetivo da lei é louvável e necessário à nossa sociedade: corrigir disparidades salariais e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, reduzindo a discriminação de gênero e promover efetiva fiscalização deste tema.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE ) revelaram que as mulheres brasileiras recebem 21% a menos do que os homens para desempenhar o mesmo trabalho. Apesar de as mulheres terem, desde o ensino fundamental até o ensino superior, frequência escolar 9% superior à dos homens, elas representam apenas 39% de cargos gerenciais. A representatividade feminina é ainda menor em cargos executivos: segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), apenas 15,2% dos administradores de companhias abertas são mulheres.
Inovações na Lei de Igualdade Salarial
A principal inovação trazida pela nova norma está na obrigação de empresas com 100 ou mais empregados publicarem, semestralmente, Relatórios de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios preparados pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
O Relatório deve ser divulgado pelas empresas em seus sites institucionais, redes sociais ou canais similares. A não divulgação do Relatório pode gerar multa administrativa de até 3% da folha de pagamento de uma empresa, limitada a 100 salários-mínimos, sem prejuízo de outras medidas legais.
Desafios e críticas
Apesar de a lei atender a uma pauta muito relevante na sociedade, ela enfrenta alguns desafios e críticas. Um dos principais pontos de discussão é a metodologia utilizada no preparo do Relatório.
O Relatório foi elaborado com base na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), que prevê códigos para cada atividade laboral e descreve as ocupações no mercado de trabalho brasileiro. Embora as empresas utilizem os códigos da CBO para cumprirem determinadas obrigações junto às autoridades governamentais, referidos códigos não estão relacionados às suas estruturas de carreira e não consideram níveis de senioridade distintos.
O Relatório também não considera os critérios estabelecidos pelaCLTpara pagamento desalários iguais. No Brasil, empregadores devem pagar o mesmo salário aos empregados que realizam as mesmas atividades; no mesmo estabelecimento; com mesmo nível de produtividade e perfeição técnica e não há direito ao pagamento do mesmo salário se, ao compararmos dois empregados, existir diferença de tempo de serviço igual ou superior a quatro anos ou diferença de tempo na mesma função igual ou superior a dois anos.
Apesar desses critérios de distinção serem justos e proporcionais, o Relatório os desconsidera, muito embora o Ministério tenha acesso a informações como o tempo de serviço de cada empregado, por exemplo.
Divulgação do Relatório e Plano de Ação
Os primeiros Relatórios foram publicados em março deste ano e, apesar das inconsistências apresentadas, as empresas são obrigadas a divulgá-los sem ter o direito de ajustar as imprecisões, tampouco de ter acesso à base de dados utilizada pelo Ministério para o preparo do Relatório.
Tais imprecisões e violação ao direito de defesa resultam em danos reputacionais relevantes às empresas que cumprem com as normas trabalhistas de não discriminação e de equiparação salarial.
Em comunicados oficiais, o Ministério informou que haverá a possibilidade de as empresas apresentarem esclarecimentos sobre o Relatório. Contudo, ainda está pendente a publicação do protocolo de fiscalização, que ditará a forma que os auditores fiscais do trabalho conduzirão suas inspeções às empresas.
Mesmo em meio a essas imprecisões, se forem identificadas desigualdades salariais nos relatórios, as empresas que forem notificadas pelo Ministério serão obrigadas a elaborar e implementar um Plano de Ação para reduzir essas disparidades apontadas. Esse plano deve incluir metas e prazos claros, além da participação de representantes dos sindicatos e dos empregados.
Debates jurídicos sobre a lei
As inconsistências dos Relatórios e a própria redação da lei e regulamentações suplementares têm sido alvo de intensos debates jurídicos. Muitas empresas contestam a constitucionalidade e legalidade de trechos da norma e de suas regulamentações e a obrigatoriedade de publicarem o Relatório da forma como foi produzido. Já existem decisões judiciais que suspenderam a obrigatoriedade de sua publicação. Esse tema chegou ao Supremo Tribunal Federal e atualmente aguarda-se um posicionamento deste Tribunal sobre as violações apontadas nas ações e a falta de previsão de direito de defesa para as empresas.
Próximos passos e impactos sociais
Apesar das discussões e desafios, é essencial que as empresas estejam atentas às suas práticas salariais e critérios remuneratórios para corrigir disparidades não respaldadas pela legislação. Não apenas por exigência da Lei de Igualdade Salarial, mas também para promover um mercado de trabalho mais justo, igualitário e diversificado. Corrigir desigualdades não beneficia apenas as mulheres, mas também o crescimento econômico e o desenvolvimento social do país.
*Érika Seddon é sócia, Julia Freitas e Ingrid Serezuelo são advogadas do Mattos Filho.
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