O meio ambiente e as pessoas estão adoecidos. É preciso regenerar
O Brasil tem tudo para ser protagonista nessa revolução, com expertise do agronegócio e a maior biodiversidade do mundo
Bússola
Publicado em 14 de janeiro de 2022 às 15h53.
Por Rafaela Gontijo*
O sistema alimentar está quebrado. Já entendemos que a mudança climática é o principal desafio da nossa humanidade e o que fizermos na próxima década vai ditar se teremos ou não vida na terra. Pode parecer profecia do apocalipse, e é, estamos em uma corrida contra o tempo e você tem um poder para acelerar esse movimento: o seu poder de compra.
A indústria de alimentos é o agronegócio embalado no pacote e isso contribuiu para um terço das emissões de gases de efeito estufa, reflexo de uma metodologia de crescimento das marcas de bens de consumo onde a ótica era: como extrair mais, fazer produtos mais baratos, para dar maior lucro aos acionistas.
O resultado está nas gôndolas adoecendo a população, hoje mais de 2,3 bilhões de pessoas ao redor do mundo estão acima do peso ao passo que um terço de toda a comida que produzimos é jogada fora, o que daria para alimentar as 800 milhões de pessoas que se encontram em situação de insegurança alimentar. A conta não fecha.
Desde o início da agricultura destruímos 83% da vida selvagem na terra e metade da nossa flora. Não podemos mais falar em sustentabilidade, o modelo atual já está insustentável, precisamos regenerar. Enquanto a grande indústria de alimentos coloca métricas para zerar as emissões de gases de efeito estufa para 2040 e 2050, no Brasil um ecossistema de foodtechs chega em boa hora com alternativas de curto prazo.
É inegável que a principal contribuição que podemos fazer para frear o aquecimento global é diminuir a quantidade de produtos de origem animal que colocamos à mesa, mas ainda somos o país com o maior rebanho bovino do mundo e o maior exportador de carne.
Com a agricultura regenerativa, conseguimos trazer o gado para trabalhar a favor do solo, sequestrar carbono e integrar paisagens que aliem lavoura, pecuária e floresta. A gestão holística, porém, recebe pouco destaque com fundos de investimento, que mesmo com teses em ESG, ainda dão mais atenção no Scale Up: quantos pontos de venda serão abertos, margens, preço, portfólio, quando na verdade deveríamos trazer o olhar para o Scale Deep.
Em linha às Ordens de Desenvolvimento Sustentável da ONU, o Scale Deep é um mergulho das marcas em entender como mudar o sistema. Só na cadeia de ingredientes por exemplo, as marcas de alimentos comprometidas com o Scale Deep trabalham em cima de hectares regenerados com a biodiversidade local, recuperação de recursos hídricos, sequestro de carbono, bem estar animal e melhoria nas condições do pequeno produtor rural, o mais desfavorecido e mais importante da cadeia alimentar.
É o caso do Projeto Rural Sustentável liderado pela Embrapa com parceria da NUU para fazer o primeiro queijo de leite cru carbono zero do Brasil e servir de guia para outros fazendeiros aderirem à pecuária de leite regenerativa.
Sabemos que a indústria de alimentos tem força para transformar a engrenagem, somos parte do problema, mas podemos ser parte da solução. O primeiro passo é entender os impactos da marca no ecossistema, fazer o cálculo da pegada de carbono dos produtos e definir onde estão os maiores prejuízos na linha produtiva. Mensurar, reduzir e só depois, compensar.
O segundo passo é trazer a cadeia de fornecedores como corresponsabilidade da indústria, dar apoio ao produtor rural para uma transição segura da monocultura para agricultura regenerativa e adoção de práticas conservacionistas.
O terceiro é buscar soluções agroecológicas para as fábricas de alimentos que aliem tecnologia com economia circular. E por fim, colocar a regeneração como principal pilar na escolha de lançamento de novos produtos.
Usar o que é nativo nosso, abrir os cadernos antigos de receita, resgatar conhecimentos dos povos originários da nossa terra, comprar localmente. Nossa abundância não está refletida nas prateleiras de supermercados. Importamos amêndoas da Europa quando temos o baru, fruto do Cerrado, um superalimento no quintal de casa. O Brasil tem tudo para ser protagonista nessa revolução, com nossa expertise do agronegócio e a maior biodiversidade do mundo.
Cada vez mais você encontra nas gôndolas de supermercado marcas com DNA regenerativo dividindo a prateleira com a grande indústria e a simples escolha de colocá-los no carrinho de compras pode puxar um sistema virtuoso que gera impacto positivo, do solo ao prato.
*Rafaela Gontijo é CEO da NUU Alimentos, foodtech brasileira, carbono neutro
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