As DCNT atingem 41 milhões de pessoas todo ano (Divulgação/Brasil.gov.br/Divulgação)
Plataforma de conteúdo
Publicado em 12 de julho de 2023 às 13h00.
Por Stevin Zung*
Muito além das doenças inflamatórias ou infecciosas, um dos desafios mundiais de saúde são as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), tão ignoradas e agravadas nestes últimos anos de pandemia global.
As DCNT respondem hoje por quase 74% das mortes globais e atingem 41 milhões de pessoas anualmente. As populações de menor renda são as mais suscetíveis pela exposição frequente à fatores de risco comportamentais que favorecem o desenvolvimento destas doenças, ao lado da genética e do envelhecimento. As principais DCNT são as cardiovasculares, cânceres, doenças respiratórias crônicas e diabetes.
Estima-se que, ano após ano, as doenças cardiovasculares levem embora 17,9 milhões de pessoas no mundo, o câncer, 9,3 milhões de pessoas; as doenças respiratórias crônicas mais 4,1 milhões, e a diabetes, 2 milhões. Um estudo realizado em 204 países verificou que a carga das doenças crônicas sobre a saúde da população aumentou consideravelmente nos últimos 30 anos. Em 11 dos países avaliados, incluindo países desenvolvidos como Austrália, Irlanda, Islândia, Nova Zelândia e Qatar, mais da metade das situações de perda de saúde estão relacionadas à traumas e doenças crônicas não transmissíveis.
As doenças crônicas estão presentes até mesmo nas Blue Zones, lugares no mundo de mais longevidade e saúde. Estes locais, reconhecidos mundialmente por uma cultura de hábitos saudáveis, também registram a presença de diabetes, dislipidemia e hipertensão, porém em proporções menores. A explicação vem da contribuição da genética nestas doenças, da falta de prevenção e da baixa adesão ao tratamento.
As doenças crônicas têm um desenvolvimento lento e silencioso, ampliando os riscos por falta de identificação e acompanhamento médico adequado. Com duração longa e incerta, apresentam múltiplas causas e seu tratamento exige cuidados constantes por toda a vida. Além de mortes precoces, diminuem a qualidade de vida das pessoas, trazem limitações e situações de invalidez, impactando também a saúde financeira dos pacientes, das famílias e da sociedade como um todo.
Em 2019, o Sistema Único de Saúde (SUS) realizou 1,8 milhões de internações em decorrência destas doenças, o que acarretou ao governo brasileiro despesas da ordem de R$ 8,8 bilhões. No mesmo ano, foram registradas mais de 738 mil mortes por DCNT no Brasil, o correspondente a 54,7% do total de mortes. Destas mortes, 41,8% ocorreram prematuramente, entre pessoas com 30 a 69 anos de idade, evidenciando que a incidência das DCNT é cada vez maior e mais precoce. De acordo com a última Pesquisa Nacional de Saúde da Fiocruz (2020), 52% dos brasileiros com 18 anos ou mais receberam diagnóstico de pelo menos uma doença crônica em 2019, sendo as principais: hipertensão arterial (23,9%), problema crônico de coluna (21,6%), colesterol alto (14,6%), depressão (10,2%), diabetes (7,7%), artrite ou reumatismo (7,6%), doenças cardíacas (5,3%), asma (5,3%), câncer (2,6%) e Acidente Vascular Cerebral (AVC) (2,0%).
Quando surgem as principais doenças crônicas? Essa questão é de difícil resposta, pois cada pessoa é única, cada organismo é único. No entanto, as patologias mais precocemente diagnosticadas são a depressão e os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho, onde os primeiros sinais são identificados geralmente entre os 30 e 39 anos. Doenças como a hipertensão, diabetes mellitus, doenças cardíacas, artrite e insuficiência renal crônica aparecem com mais frequência entre 40 e 49 anos. Já o AVC e o câncer, mais comumente entre 52 e 53 anos. Vale destacar que as doenças do aparelho circulatório e as do coração são as que mais afetam os pacientes acima de 50 anos de idade, seguidas por câncer e doenças do aparelho respiratório.
A maior parte das doenças crônicas decorre de quatro fatores de risco modificáveis: tabagismo, inatividade física, dieta pouco saudável e consumo nocivo do álcool. Esses hábitos não-saudáveis podem provocar mudanças metabólicas e fisiológicas relevantes no organismo, como aumento da pressão arterial, obesidade, aumento da glicose no sangue e aumento do colesterol. Como consequência, a maioria das mortes prematuras também estão ligadas a estes mesmos fatores de risco.
Para exemplificar, cerca de 1,8 milhão de mortes por ano são atribuídas ao excesso de ingestão de sal/sódio, grande fator de risco para a hipertensão arterial. Mais da metade das 3 milhões de mortes relacionadas ao uso de álcool anualmente são consequências de DCNTs. Além disso, 830 mil mortes por ano podem ter sido causadas por sedentarismo e atividade física insuficiente.
A situação é ainda mais desafiadora, pois um a cada três adultos sofre de condições crônicas múltiplas, ou seja, tem de conviver com duas ou mais doenças crônicas simultaneamente, o que torna o tratamento mais complexo e oneroso. E isso certamente contribui para mais um agravante: a baixa adesão aos tratamentos propostos. Parte significativa dos pacientes de doenças crônicas têm ignorado as orientações médicas, independentemente do tipo ou gravidade da doença.
Nos países mais desenvolvidos, a adesão ao tratamento é em média de apenas 50%, e é ainda menor nos países em desenvolvimento. Na Gâmbia e China apenas 27% e 43% dos pacientes, respectivamente, aderem ao regime de medicação para hipertensão arterial. Os índices são similares em outras doenças como depressão (40%-70%), asma (43% para tratamentos agudos e 28% para manutenção) e HIV/AIDS (37%-83%). No Brasil, a não adesão aos tratamentos varia de 21% a 50% a depender da quantidade de comprimidos a serem ingeridos diariamente. A baixa adesão está associada ao aumento de visitas à emergência, hospitalizações, maior gravidade da doença, duração e custo de tratamento.
Com o envelhecimento populacional acelerado no Brasil, a pergunta não é SE teremos uma doença crônica e sim QUANDO teremos uma doença crônica. Mudar o cenário atual destas doenças exige uma mudança de perspectiva de todos os agentes: governo, indústria farmacêutica, classe médica e pacientes. É necessário desmistificar o olhar e entendimento da cura para uma abordagem de controle das doenças e busca pelo bem-estar e qualidade de vida.
É preciso implementar políticas públicas eficientes, desenvolver medicamentos que tragam maior adesão ao tratamento com comodidade e facilidade de uso (doses menos frequentes, formas farmacêuticas mais confortáveis para pacientes e cuidadores) e ampliar o acesso a informações científicas de qualidade.
É fundamental capacitar profissionais de saúde e famílias e, principalmente, ajudar os pacientes a aprender a conviver de forma mais serena e responsável com as doenças crônicas, sabendo que são os maiores interessados e responsáveis pelo ritmo e resultado dos seus processos de saúde.
*Stevin Zung é médico psiquiatra e diretor médico do Aché Laboratórios Farmacêuticos
Siga a Bússola nas redes: Instagram | Linkedin | Twitter | Facebook | Youtube
Veja também
Andorinha promove formação gratuita para pessoas periféricas
NotCo apresenta novidades do plant-based na feira Naturaltech
Fundação Dom Cabral reúne organizações sociais em evento anual