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O day after da Lei das Fake News

PL almeja a edição de uma lei destinada a assegurar a liberdade, a responsabilidade e a transparência da internet no Brasil

PL prevê normas voltadas para assegurar transparência e cuidados com o compartilhamento de dados pessoais (Constantine Johnny/Getty Images)
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Bússola

Publicado em 25 de abril de 2022 às 19h00.

Última atualização em 25 de abril de 2022 às 19h28.

Por Diogo R. Coutinho e Beatriz Kira*

O Projeto de Lei nº 2.630/2020, conhecido como “PL das Fake News” almeja a edição de uma lei destinada a assegurar a liberdade, a responsabilidade e a transparência da internet no Brasil. Espera-se que assegure, ainda, condições de acesso isonômicas e não discriminatórias à rede por parte de usuários. Quando aprovado, criará inúmeras normas, obrigações e diretrizes para os chamados provedores de internet — redes sociais, ferramentas de busca e serviços de mensageria instantânea. Criará, ainda, a imperiosa necessidade de que o Estado se responsabilize por assegurar o cumprimento efetivo dessas normas por meio de um órgão ou entidade para tanto capacitada.

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Dentre as obrigações criadas para os provedores de internet, uma série delas se volta à proteção da liberdade de expressão, do acesso à informação e o fomento ao livre fluxo de ideias. Mas há muitas outras regras que passarão a disciplinar, direta e indiretamente, o modo como a internet vai funcionar no Brasil.

O PL prevê, por exemplo, normas voltadas para assegurar transparência, cuidados com o compartilhamento de dados pessoais e com a clareza e a objetividade dos termos e políticas de uso adotados por provedores. Redes sociais devem produzir relatórios que informem sobre procedimentos e decisões de intervenção ativa em contas e conteúdos gerados por terceiros. Ferramentas de busca deverão também fazer relatórios para informar sobre o número total de usuários que acessam os provedores a partir de conexões no Brasil.

Já os provedores de serviços de mensagem instantânea deverão projetar suas plataformas para manter a natureza interpessoal do serviço e limitar a distribuição massiva de conteúdos e mídias com vistas a diversos objetivos.

Tais regras, evidentemente, precisarão ter seu cumprimento e observância monitorados por alguém, sob pena da futura lei falhar em termos de efetividade. A quem caberá, diante disso, a aplicação e a supervisão regulatória da futura Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet?

Em seu artigo 33, o PL atribui ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), um órgão multissetorial de governança da internet, um papel-chave nessa tarefa. Mas há problemas que precisam ser resolvidos antes da entrada em vigor da lei.

O CGI.br não é um órgão regulador, não tem competências para criar obrigações e impor sanções. O PL diz que o CGI.br deverá, entre outras coisas, se dedicar à produção de estudos, pareceres e recomendações, formulação de diretrizes para a elaboração de um código de conduta para os provedores de internet, bem como sua posterior validação. Caberá ao CGI.br, ademais, fazer requisições de informação diretamente a provedores, fornecer a eles subsídios para as políticas de uso, bem como realizar estudos e promover debates.

O projeto também cria novas regras de governança para o próprio CGI.br, desenhando como atuará seu plenário e orientando a ação de seus conselheiros. Hoje, contudo, os conselheiros do CGI.br não serão remunerados pelo exercício de suas atividades, apesar de prestar serviços públicos relevantes. O PL mantém isso.

O PL não trata de como o CGI.br fará a imprescindível articulação institucional com outras instâncias e órgãos públicos cujo escopo de atuação tem relação com a atuação dos provedores de internet—entre eles, por exemplo, a Senacon, a ANPD e o Cade. Vale dizer: a oportunidade que se abre com o PL é a atribuição de alguma capacidade de orquestração, pelo CGI.br, do arcabouço normativo (regulatório e concorrencial) da internet no Brasil.

O PL prevê também um regime de “autorregulação regulada”—a criação, pelos próprios provedores, de uma instituição (uma associação) capaz de produzir regras e aprovar resoluções e interpretações na forma de súmulas.

Vale lembrar que a autorregulação—uma expressão genérica, que pode adquirir contornos normativos e desenhos institucionais distintos—não prescinde, em lugar nenhum do mundo, da regulação estatal. Isso porque, na prática, a autorregulação não deixa de ser variante da regulação pública pela qual o Estado outorga a entes privados algumas tarefas (por exemplo, o monitoramento), mas certamente não todas. Ela demanda capacidades estatais robustas, não se tratando, portanto, de uma modalidade de terceirização ou privatização.

Se a instância de autorregulação prevista pelo PL editará normas para regular seus procedimentos de análise, mais uma razão para o CGI.br ser redesenhado em suas funções, competências e poderes, se esta for de fato a escolha de design institucional do legislador. E ainda que o CGI.br não seja convertido em uma agência reguladora — com marco regulatório detalhado, poder normativo, autonomia funcional e financeira, mandatos fixos e mecanismos de accountability — é necessário, enfim, dotá-lo de condições e recursos institucionais.

Isto é, o CGI.br precisará receber meios, pessoal, ferramentas, recursos e mandato legislativo para atuar à altura do papel que dele se espera. Como “hub” de coordenação e articulação regulatória, assim como de autorregulação regulada, terá muito a fazer. Como está hoje, porém, o PL, cuja aprovação urge por conta das eleições de outubro, cria incerteza para o day after de vigência da nova lei, que não pode ficar comprometida pela ausência de um debate justamente sobre o desenho do papel do órgão incumbido de cuidar de sua implementação.

*Diogo R. Coutinho é professor de direito econômico da USP eBeatriz Kiraéoutora em direito econômico pela USP e pós-doutoranda na Universidade de Oxford

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