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Márcio de Freitas: O líder diante da crise

Tragédia recente revelou que a legitimidade desses líderes está preservada em certas circunstâncias

Chuva forte atingiu o litoral de SP deixando dezenas de mortos (Rovena Rosa/Agência Brasil)

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Publicado em 24 de fevereiro de 2023 às 09h00.

O retorno da civilidade nas relações políticas demonstra que faz muito bem ao Brasil a versão “Lulinha de pelúcia”, exposto durante a tragédia provocada pelas fortes chuvas no litoral norte de São Paulo. A capacidade do presidente da República de pautar o país ultrapassa a  agenda ou os debates macroeconômicos, como no caso dos altos juros da taxa Selic. O comportamento se torna exemplo, regra não escrita que se incorpora às práticas do cotidiano.

Os líderes têm esse poder de influência sobre seus cidadãos. Até adversários podem ter comportamentos orientados por discursos e práticas repetidas. O presidente Lula visitou três locais diferentes do país para demonstrar solidariedade ao povo, ordenar a seu governo atendimento urgente e unir diferentes instâncias públicas para solucionar problemas reais desses habitantes atingidos por graves crises — sociais, humanitárias ou climáticas.

É o mínimo que se espera de um governante. Mas, até recentemente, o básico estava em falta no país, como se viu durante a pandemia de covid-19. O óbvio e o normal ainda estão com estoques substancialmente reduzidos na despensa nacional. As fraturas e as cicatrizes sociais, e individuais, da história recente ainda incomodam e fragilizam esse movimento. Basta ver reações de grupos conservadores ao diálogo do governador Tarcísio de Freitas (SP) com Lula. Ou mesmo a tentativa de responsabilização de petistas a Tarcísio, que assumiu o cargo no mesmo dia que o presidente. O dedo em riste ainda ronda as redes sociais em tom inquisitorial.

São faces da mesma moeda a demonstrar que o padrão mínimo de civilidade ainda assusta grupos sectários e radicais. É um fenômeno mundial, em tempos de intransigência. Alimentar esse processo é cultivar a semente da violência, e por isso é bem-vinda a vacina introduzida novamente no rol político. Até pessoas que recriminam comportamentos atávicos como as brigas de torcidas organizadas de futebol nos estádios, repetem o padrão da barbárie quando adentram a discussão política via celular. Iguais que não se reconhecem no espelho.

A tragédia recente revelou que a legitimidade desses líderes está preservada em certas circunstâncias. Eles racionalizaram suas obrigações, cumpriram a determinação legal de unirem esforços, também com prefeitos das regiões afetadas, de diferentes partidos e adversários eleitorais. O Estado moderno exige essa padronização de comportamento de seus representantes eleitos. A institucionalização se instaura nas relações entre governantes após o fim da disputa eleitoral. É uma antibarbárie fundamental.

No entanto, ainda não está claro até onde vai essa solidariedade política. Foi na enchente paulista; havia sido após os atos bárbaros do 8 de janeiro na reunião entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Está sendo quase assim no enfrentamento da tragédia Yanomami. O drama tem urdido uma liturgia política benfazeja na rotina nacional. Mas o diabo mora nos detalhes. E alguns são grandes diabos, outros detalhes são imensos na história nacional.

A questão econômica é um abismo ainda instransponível para unir o governo com certas elites financeiras. Aqui ainda há um conflito aberto, diálogo de surdos. O governo adota um discurso socializante, buscando reparar as desigualdades. Pode ser correto, mas os caminhos por vezes são tortuosos. Ataca-se o “mercado” quando ele duvida da gestão pública no controle de gastos. E pede-se que se aceite um aumento de 8% para os servidores públicos como algo normal, uma prioridade que não pode esperar. Dentro da realidade nacional, a categoria tem ganhos acima da média, conta com benefícios em série e não corre o risco de ser demitida na crise, além das boas aposentadorias da grande maioria.

Unir essas contradições para fazer um discurso coerente que gere empatia entre o mercado e governo é um grande desafio. De um lado controle de gastos, de outro pressão por atender demandas. Esse paradoxo entre capital e trabalho lembra o dilema do século XIX, já muito ultrapassado pelas democracias modernas. Como não há emprego sem empregador e o estado empregador faliu onde não adotou as práticas capitalistas, esse é um grande desafio para o governo de Lula III. Até porque as previsões são de dificuldades econômicas pela frente.

*Márcio de Freitas é Analista Político da FSB Comunicação

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