Márcio de Freitas: Guerra ao Banco Central
Novo governo de Lula provoca Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central
Bússola
Publicado em 10 de fevereiro de 2023 às 15h00.
Por Márcio de Freitas
O governo de Lula III abriu uma guerra ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. A tentativa de invadir o território autônomo onde é decidida a taxa de juros da Selic provocou, no noticiário econômico, reação similar à que teve a iniciativa do russo Wladimir Putin ao invadir a Ucrânia. Lula colheu ampla repercussão negativa, quebrando um armistício com a imprensa e setores financeiros que haviam se unido ao petista contra o bolsonarismo.
Há contornos ideológicos, cálculo político e uma visão econômica muito distinta a alimentar o confronto. Há teses para debate, mas o momento e a forma pela qual o conflito foi engendrado abriram também a possibilidade de reorganização de novo campo adversário, nos moldes anteriores à polarização radical surgida em 1998. Ainda que esse movimento seja inconsistente e tímido inicialmente, tende a crescer com eventuais erros do governo ou pela discordância sobre a condução econômica - muito mais do que alimentado pela pauta conservadora.
Lula III atira na taxa de juros, como no passado já mirou no FMI, nos ricos e nas elites. Não há quem goste de pagar juros em suas contas. Esse sentimento catalizador dá impulso a seu movimento, num cenário em que há sinais de desaceleração da economia pela frente. Contudo, parte do freio é responsabilidade do próprio governo que assumiu a direção do país, e até agora não deixou clara sua formulação econômica para a retomada. É ele o senhor das chamadas expectativas.
O instinto de Lula é um fator importante a se observar. Ele é um sobrevivente da política desde os anos 1980. Se continua afiado, é tese ainda a se comprovar. Se estiver errado, dificilmente terá um governo de sucesso com obteve nos dois primeiros mandatos - e daí a chance para quem vier a ocupar o contraponto. Importante lembrar que ele errou ao apostar alto contra o Plano Real, que elegeu e reelegeu Fernando Henrique Cardoso.
O governo parece se organizar em torno de teses que implementou a partir de 2008, quando a influência de Dilma Rousseff, então na Casa Civil, deu asas ao intervencionismo estatal de Guido Mantega na Fazenda. Até aquele momento, a cartilha seguida era escrita por Antônio Pallocci na Fazenda e Henrique Meirelles no Banco Central, de responsabilidade fiscal e aproximação com o mercado.
O modelo de Dilma ruiu e o liberalismo pró-mercado ascendeu com Michel Temer na Presidência e depois se aprofundou com a gestão de Paulo Guedes no Ministério da Economia. O nome do Banco Central escolhido por Guedes foi mais que simbólico: Roberto Campos Neto, herdeiro do liberal das frases mais ferinas da história brasileira.
Campos Neto foi transmutado em “cidadão" por Lula, que não mostrou nenhum reconhecimento pelo CPF que conduziu os CNPJs do sistema financeiro a promover a maior inclusão social bancária da história brasileira, o PIX.
O presidente do Banco Central pode ser cobrado pelos seus resultados, como qualquer outro servidor público. A forma entretanto é que está gerando estresse. E doses cavalares de calmante tem de ser aplicadas por ministros e interlocutores do governo em conversas com a Faria Lima e adjacências, todas à beira de um ataque especulativo de queda de ações.
É difícil explicar que, quando o Banco Central não tinha a sua independência legal, Lula respeitava a instituição e deixava o papel de crítico de juros a seu vice, José Alencar. Agora que existe a lei, ele golpeia o banco a cada vez que abre a geladeira e a luz se acende. Esse clima cria instabilidade, torna o ambiente imprevisível, força o dólar para cima, alimenta a inflação no final das contas.
Para complicar, a agenda do governo ainda inclui subsídios a combustíveis, aumento para o funcionalismo públicos, ampliação dos gastos da saúde, mais obras em infraestrutura e pretende baixar as taxas cobradas no BNDES... Se vai gastar mais, precisa arrecadar mais (aumentar impostos), emitir moeda (aumentar a inflação) ou se endividar mais (com títulos públicos). Esse último ponto registrou aumento nas taxas cobradas pelo mercado para emprestar ao governo, pois há dúvidas sobre a saúde das contas públicas em alguns anos… Pagador sem credibilidade sempre paga mais juros para ter crédito no mercado.
Putin entrou numa guerra da qual não sabe como sair. E o mundo só ficou pior depois do primeiro tiro. Nem sempre o conflito é a melhor arma política para se resolver uma questão de governo. Ainda mais quando há muitos torcendo pra dar errado.
*Márcio de Freitas é analista político da FSB Comunicação
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