José Márcio Camargo: A volta do investimento privado
Mesmo com incertezas no primeiro trimestre, o PIB surpreendeu, e a economia brasileira volta a ser atraente para o capital privado
Bússola
Publicado em 29 de junho de 2021 às 12h30.
Por José Márcio Camargo*
O primeiro trimestre de 2021 foi particularmente difícil para a economia brasileira. O aumento do número de casos e de mortes pela pandemia, o fim do auxílio emergencial, a paralisação do Congresso devido às eleições para a presidência das duas casas legislativas, o atraso na aprovação do orçamento e as fortes pressões por rompimento do teto do gasto, dominaram os primeiros três meses do ano.
Com toda esta incerteza no horizonte, o risco fiscal aumentou de forma significativa, gerando pressão sobre a taxa de câmbio e, consequentemente, sobre a taxa de inflação, e forçou o Banco Central a iniciar o processo de normalização da política monetária, com aumento da taxa de juros, antes do esperado.
Diante deste cenário, o pessimismo dominou o ambiente entre investidores e analistas. As projeções de desempenho do PIB no primeiro trimestre de 2021, em relação ao último trimestre de 2020, variavam de queda de 0,1% a 0,5%.
Porém, ao contrário das expectativas, o PIB da economia brasileira surpreendeu, com crescimento de 1,2% em relação ao último trimestre e 1,0% em relação ao primeiro trimestre de 2020, superando o nível pré-pandemia. E esse crescimento foi alavancado pelo bom comportamento do setor externo e, em especial, pelo investimento, que cresceu 4,6% no trimestre.
Outro fator que surpreendeu os investidores no primeiro trimestre foi o sucesso do programa de concessões do governo federal. Foram leiloados 22 aeroportos, uma rodovia, uma ferrovia, 3 operações portuárias, o sistema de água e esgoto de Alagoas, a companhia de água e esgoto do estado do Rio de Janeiro (Cedae) foi privatizada, entre outros ativos. Todos os leilões foram bastante disputados, com a participação de grande número de investidores, sendo arrecadados mais de R$ 50 bilhões em outorgas.
O bom desempenho do investimento e das concessões são sinais importantes de que a economia brasileira parece estar voltando a ser atraente ao capital privado, o que é uma condição necessária para que o país consiga entrar em uma trajetória de crescimento sustentável. A pergunta é se o desempenho do primeiro trimestre sinaliza o início de um novo ciclo de crescimento sustentável ou é um ponto fora da curva que irá se reverter no futuro próximo.
Nossa avaliação é que a reação do investimento neste primeiro trimestre é um primeiro sinal de que as reformas implementadas no país desde 2016 estão começando a fazer efeito.
Concretamente, o conjunto de reformas estruturais que começou a ser implementado em 2016 que, por um lado, diminuiu a taxa de crescimento dos gastos obrigatórios do setor público (teto do gasto, previdência social, regulamentação dos gatilhos quando os gastos obrigatórios atingem 95% dos gastos totais, inclusão de estados e municípios no arcabouço fiscal, congelamento dos salários dos servidores públicos, entre outras) e, por outro, gera ganhos importantes de produtividade (ensino médio, trabalhista, terceirização, mercado de crédito e de capitais, substituição da TJLP pela TLP, lei de falências, marcos regulatórios do saneamento e do setor de óleo e gás, entre outras), além de gerar uma redução da relação dívida/PIB e, portanto, o risco fiscal, geram ganhos de produtividade.
A combinação de menor crescimento do gasto público com ganhos de produtividade e redução do custo do trabalho devido às reformas microeconômicas, diminui o risco de uma crise fiscal e, ao mesmo tempo, aumenta o potencial de lucratividade dos investimentos na economia. Uma condição necessária para atrair capital privado. Porém, estamos apenas no começo. Manter a trajetória de reformas é fundamental para aumentar a competitividade do país e atrair novos investimentos. Somente isto será capaz de fazer com que o Brasil mantenha uma trajetória de crescimento sustentável de longo prazo.
*José Márcio Camargoé professor titular do Departamento de Economia da PUC do Rio de Janeiro (aposentado) e economista chefe da Genial Investimentos
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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