Estados também estão exigindo detalhamento (./Divulgação)
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Publicado em 2 de maio de 2023 às 10h22.
Em meio aos debates promovidos pelo Grupo de Trabalho (GT) dedicado à reforma tributária na Câmara Federal, pouco se sabe acerca das propostas que devem ser colocadas em votação. Ainda menos sobre o modo como a implementação das mudanças, caso aprovadas, serão conduzidas. Esta é a visão dos secretários da Fazenda de Paraná, Goiás e Amazonas, que debateram o tema na mais recente edição do webinar Diálogos Amazônicos, promovido pela Fundação Getúlio Vargas, através da Escola de Economia de São Paulo (FGV EESP).
Para a secretária goiana, Cristiane Schmidt, é urgente a simplificação e a desburocratização do sistema tributário brasileiro. "Agora, qual é essa reforma tributária? Cadê o texto? A gente sabe que ele está sendo reescrito, numa junção das PECs 45 e 110, com outras nuances. Hoje é complicado cada governador apoiar ou não o texto quando não sabemos o que vem nas Leis Complementares (LCs)", diz. Ela faz referência à regulamentação das PECs, que, conforme os debates atuais, ficaria apenas para 2024.
Schmidt questiona ainda o processo em torno dos incentivos fiscais. "Fala-se de redução de benefícios de 2025 até 2032. Mas você tem a LC 160, que garante os incentivos até 2032. Então esse é um tema importante", pontua. E menciona ainda as LCs 192 e 194, que tiraram arrecadação dos estados ao limitar a cobrança de ICMS para certas áreas. "Essa reforma tributária que já estava sendo discutida antes vai continuar igual ou essas Leis serão revistas? A gente precisa de respostas."
Alex Del Giglio, do Amazonas, segue o mesmo raciocínio da colega, inserindo a importância da redução de desigualdades regionais e sociais na mesa. Ele pondera: "São muitos interesses envolvidos, com 27 unidades da federação, 5.570 municípios. E, onde eu quero entrar de fato, a Zona Franca de Manaus (ZFM)." Sem apontar responsáveis, o secretário argumenta que, desde a instalação da ZFM, não foram criadas alternativas para o PIM (Polo Industrial de Manaus).
"A verdade é que o Amazonas é refém dos incentivos fiscais. E um bom IVA prevê o fim dos incentivos e a mudança da tributação para o destino. Se a reforma não excepcionalizar a ZFM, pelos nossos cálculos haverá redução de 50% na arrecadação do AM". Ele lembra que essa perda pode ser compensada via fundo de desenvolvimento regional, mas ressalva que a reposição não evitaria a debandada de companhias, cuja instalação na região ocorreu via vantagens competitivas.
"Mas o pior mesmo seria o êxodo da população, com a saída dessas empresas. O que levaria a arrecadação a zero. As alternativas informais seriam o destino da mão de obra, que, entre outros efeitos, gerariam forte impacto ambiental a partir do desmatamento", afirma.
Vale anotar que, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator do GT, defendeu a manutenção da ZFM. "Vamos ter que respeitar o que foi contratado nos últimos anos. A ZFM foi contratada até 2073. Em 2013, ela foi votada", declarou em evento recente. O deputado lembrou, no entanto, que isso não impede que sejam discutidos "modelos mais atualizados" de desenvolvimento regional.
Outro ponto levantado por Cristiane Schmidt diz respeito ao local de taxação, se na origem das mercadorias ou no destino. "Goiás é 'importador'. Com a cobrança no destino, acho que ganharíamos por comprarmos mais do que vendemos. Mas não temos certeza disso por conta da indefinição da alíquota estadual. Como essa definição se dá nos estados, não temos como saber." Para ela, somente quando o GT apresentar seu relatório e um texto de PEC for consolidado é que Goiás poderá ser contra ou a favor.
De acordo com o secretário da Fazenda do Paraná, Renê Garcia Junior, está claro que alguns estados serão muito prejudicados por serem produtores e terem uma população diminuta, com baixo consumo. "No caso do fundo de desenvolvimento regional, me parece assunto delicado que Sul e Sudeste venham aceitar de forma pacífica. Porque se há nível de pobreza e dificuldade no Norte e no Nordeste, também há bolsões onde o IDH é muito baixo (nessas regiões)".
E emenda: "Eu não vejo qual é o projeto. Então, dificilmente você vai avançar rapidamente no debate. E, se avançar, o que será produzido, qual será a natureza, a qualidade desse resultado? Acho que a pressa aí é complicada. Confesso que tenho mais dúvidas do que certezas."
"O que eu percebi foi um compartilhamento de preocupações. No abstrato, todos concordamos que existe um sistema tributário que tem problemas. Quando a gente entra na tarefa de discutir como fazer essa reforma, quanto mais se espreme, mais dúvidas emergem", diz o professor Daniel Vargas (FGV/EESP), que dividiu a moderação do webinar com o colega Marcio Holland, coordenador do Programa Master de Pós-Graduação em Finanças e Economia da FGV/EESP.
Ao responder a provocação de Vargas sobre qual orientação dariam para que o país encaminhe uma proposta de reforma que prospere", Alex Del Giglio resumiu: "Esta é a pergunta de um milhão de dólares. A dificuldade maior é a de conciliação de interesses, visto que vivemos em um país tão diverso." Na visão de Cristiane Schmidt, seria necessário promover a revisão dos gastos públicos, com análise de custo-benefício. "Isso tudo deveria ser revisto, mas não vai ser."
Garcia Junior, concordando com o colega amazonense, assinala que a preocupação não deve girar em torno somente do texto de entrada para votação. "Mas também o texto de saída, que pode ser completamente diferente". "Existe até o risco de se aprovar uma emenda constitucional e depois não conseguir regulamentar a PEC porque não tem um projeto de LC adequado a todos os entes da federação", afirma Holland.
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