PEC foi aprovada na Câmara dos Deputados antes do recesso de julho (Thinkstock/Thinkstock)
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Publicado em 11 de setembro de 2023 às 15h00.
Por Marcelo de Sá*
Poucos temas parecem tão unânimes: nosso sistema tributário é dos mais confusos e injustos do mundo. Apesar de muitos concordarem, há 30 anos se falava na reforma, mas não se via nem sinal de consenso para torná-la realidade. Será que agora vai?
A aprovação da PEC na Câmara dos Deputados, antes do recesso de julho, e o apoio da maioria dos governadores já podem ser considerados um marco histórico. A proposta ainda está em avaliação pelo Senado, onde a tramitação aparenta ser menos complicada para o governo. Se tudo correr bem e não tiver de voltar pra Câmara, o texto fica pronto até o final do ano.
O que isso significa para o país? Como isso pode mudar nossa vida? Acreditem: o potencial é imenso.
A unificação de tributos deve promover o crescimento da economia, aumentar a competitividade do País e reduzir distorções e sonegação. Estudo recente do Ipea mostra que o PIB pode crescer até 2,39% acumulado com as mudanças prometidas. A evolução da produtividade nacional é estimada em 1,36%. O número é expressivo, visto que, nos últimos 40 anos, o ganho da produtividade brasileira foi menor do que 1%.
Um dos principais pontos da reforma é a extinção de tributos federais, estaduais e municipais, como o PIS e Cofins, IPI, ICMS e o ISS, com a adoção de um tipo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, que se chamará Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A alíquota não está definida, mas propõe uma redução de 60% em relação à tributação total atual sobre serviços e produtos de educação, saúde, agrícolas, atividades desportivas e de cultura. Deve haver isenções na cesta básica e em transporte público, por exemplo.
Ficam mantidos regimes de exceção, com menos tributos, para produtores rurais pessoa física, com limite de receita de até R$ 2 milhões, Microempreendedores Individuais (MEIs) e empresas que adotem o Simples Nacional, além da manutenção da Zona Franca de Manaus.
A alíquota proposta era de 25% no texto original da PEC, que não previa isenções e reduções. Com a nova redação do substitutivo aprovado na Câmara, a previsão, indicada no estudo do Ipea, é de um IVA dual com alíquota de 28,8%. O governo nega que chegará a tanto, estimando que ficará entre 24,45% e 27%. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem alertado: quanto mais exceções, mais alta terá de ser a alíquota.
A taxa ainda é considerada alta em relação a outros países que adotam um sistema similar, ficando acima da Hungria, maior da União Europeia (UE), que chega a 27%.
Atualmente, não é claro o percentual de impostos real dos produtos e serviços consumidos pelos brasileiros devido à sobreposição de impostos em cascata que escondem o número real. Técnicos do governo têm dito que, em média, a tributação de bens e serviços é de 34,4%.
Se a promessa é de manter a arrecadação no mesmo nível após a reforma, os críticos alegam que a conta não fecha com esta redução prometida de tributação. A justificativa do governo é de que haverá fortes ganhos com redução da sonegação, das brechas na legislação usadas por empresas para pagar menos e da judicialização, por causa de um sistema mais simples e eficiente.
Atualmente, o recolhimento dos diversos tributos ocorre em diferentes etapas da produção, com diversas situações de compensações posteriores. Com isso, as brechas para sonegação e engenharias tributárias criativas e questionáveis são muitas.
Com a simplificação tributária, poderá ser construído um sistema de arrecadação que funcione de forma automática. Numa venda de mercadoria ou serviço, o imposto será recolhido ao fim da cadeia, no ato do pagamento do consumidor final. Além disso, há a expectativa de que sejam eliminadas muitas regras específicas de setores e produtos, simplificando a fiscalização e a cobrança.
O texto em análise no Senado trata apenas dos impostos sobre o consumo. Além do CBS e IBS, está prevista a criação também do Imposto Seletivo, a ser cobrado apenas sobre cigarros e bebidas alcoólicas. Para que se conseguisse dar andamento à proposta, ficou acordado que o Imposto de Renda, a tributação sobre folha, patrimônio ou até mesmo a taxação de grandes fortunas serão discutidos depois.
De acordo com a Receita Federal, 44% da carga tributária brasileira em 2021 foi de impostos sobre bens e serviços. Isso ante 5% que incidiu sobre o patrimônio e 24% sobre a renda das pessoas. Portanto, se a tributação do consumo se mantiver no mesmo patamar e as demais fontes não forem alteradas, essa relação, que penaliza os mais pobres, não deve mudar.
Como se vê, ainda restam muitas dúvidas sobre como ficará a reforma e quando, enfim, irá realmente entrar em vigor. O Governo já anunciou que deve haver uma fase de transição da reforma tributária que ocorrerá de 2026 a 2032.
Ainda assim, um grande passo já foi dado com o consenso obtido na Câmara. Com a esperada aprovação no Senado e a sanção presidencial, já poderemos ter perspectivas melhores de crescimento econômico e maior atração de investimentos.
A ver como seguimos nesta caminhada, mas a semente já foi plantada e fez nascer, novamente, a esperança.
*Marcelo de Sá é CFO do Grupo Petrópolis
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