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Covid no Brasil: a matemática dos novos lockdowns

Boom de casos, UTIs lotadas, recorde de mortes e vacinação ainda a passos lentos mergulham o país em segunda onda fora de controle

Boom de casos, UTIs lotadas, recorde de mortes e vacinação ainda a passos lentos mergulham o país em segunda onda fora de controle (Diego Vara/Reuters)

Boom de casos, UTIs lotadas, recorde de mortes e vacinação ainda a passos lentos mergulham o país em segunda onda fora de controle (Diego Vara/Reuters)

AM

André Martins

Publicado em 1 de março de 2021 às 14h28.

Em 16 de novembro do ano passado, um dia após o segundo turno das eleições municipais, muitos perguntavam qual seria a postura de prefeitos e de governadores diante dos primeiros sinais de uma segunda onda de Covid-19 no Brasil.

Naquela data, a média móvel de mortes estava em 484 óbitos por dia, após um crescimento de quase 50% em apenas uma semana.

Especialistas já defendiam a adoção de medidas restritivas para conter o repique da pandemia, mas, naquele momento, quase nenhum governante se dispunha a assumir o ônus político de fechar lojas, bares, restaurantes e shoppings.

Passados exatos 105 dias, vimos – como já adiantado neste espaço – que a segunda onda não só veio como chegou com uma força ainda maior que a primeira. Ontem, 28 de fevereiro, a média móvel atingiu inéditas 1.205 mortes diárias a cada período de sete dias, conforme demonstra o gráfico abaixo do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS).

(Bússola/Reprodução)

É a primeira vez que o indicador rompe a barreira das 1.200 mortes por dia. O recorde da primeira onda havia sido 1.102. O número de ontem é 149% superior aos 484 mortos registrados naquela segunda-feira pós-eleições.

No acumulado, o Brasil já soma quase 255 mil mortes.

Os dados são tão alarmantes que, na semana passada, vários governos, entre eles os de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Distrito Federal, anunciaram medidas restritivas.

Alguns chegaram a decretar lockdowns semelhantes aos determinados na primeira onda da pandemia, que duraram do final de maio ao final de agosto. A decisão é sem dúvida dolorosa para a economia, mas tardia do ponto de vista sanitário.

O que temos visto é uma pandemia fora de controle no país, uma das nações onde o ritmo de contágio está entre os mais acelerados do mundo.

São três os principais fatores que demonstram o atual descontrole, não necessariamente nessa ordem. Vou me ater aos dados sanitários, e não aos motivos políticos, que também têm grande parcela de culpa:

1º) casos e internações em forte elevação;

2º) as novas variantes do coronavírus, que parecem ser mais agressivas e contagiosas;

3º) a vacinação ainda caminhando a passos lentos.

Por dentro dos números

A média móvel de novos casos de Covid-19 também bateu recorde neste domingo, ao atingir 54.726 novos casos oficialmente diagnosticados, alta de 21% em apenas dez dias, conforme o gráfico abaixo.

(Bússola/Reprodução)

Normalmente, quando o número de casos aumenta, o de mortes segue a mesma tendência após duas ou três semanas, o que já indica novo aumento nos óbitos ao longo de março.

O quadro se torna ainda mais preocupante quando olhamos para a taxa de ocupação das UTIs. No último dia 26, segundo levantamento divulgado pela Fiocruz, 13 unidades da Federação e 17 capitais já estavam com mais de 80% dos leitos ocupados, patamar considerado crítico pelos especialistas.

No Distrito Federal, que neste domingo deu início a um lockdown parcial, a taxa de ocupação é hoje superior a 97%, muito próxima do colapso.

Estudos e análises recentes vêm demonstrando que esse quadro se agravou rapidamente porque pelo menos seis novas variações do coronavírus já circulam no Brasil. Uma delas, a chamada P1, que aparentemente se originou no Amazonas, tem uma carga viral dez vezes maior que as demais, o que leva uma pessoa infectada por ela a contaminar mais indivíduos ao seu redor.

Isso ocorre porque, nessas novas variantes, o vírus “aprendeu” com os organismos humanos já infectados e desenvolveu novas “habilidades” de contágio.

Os especialistas estimam que a velocidade de contágio hoje no país seja, no mínimo, três vezes maior que antes. Alguns falam em seis vezes. Isso explica, em parte, este novo boom na segunda onda.

Por fim, o terceiro fator a contribuir para a escalada da doença, ou pelo menos para não reduzir sua velocidade, é a vacinação, que segue lenta em todo o Brasil. Até domingo retrasado, 21 de fevereiro, apenas 2,8% da população haviam sido vacinados.

Ontem, esse percentual atingiu 3,1%. Em uma semana, o ritmo diário de aplicação da primeira dose caiu de 172,1 mil para 103,3 mil pessoas. Ou seja, a velocidade de vacinação diminuiu 40%. Nesse ritmo, levaríamos mais de três anos para imunizar todos os brasileiros.

E para que serve o lockdown?

Os diversos lockdowns decretados no país ao longo da semana passada, que em alguns locais não passam de medidas restritivas, voltaram a ser tema de intenso debate, no eterno Fla x Flu em que se meteu a sociedade brasileira nos últimos anos.

No Distrito Federal, onde na sexta-feira havia 74 pessoas aguardando na fila e apenas uma vaga nas UTIs públicas e privadas, dezenas de pessoas protestaram ontem contra a medida anunciada pelo governo.

Tem sido assim por toda parte. É compreensível que as pessoas se preocupem com os efeitos econômicos dessas medidas. Isso já ocorreu na primeira onda, quando muita gente perdeu emprego e renda.

Mas governadores e prefeitos estão em um beco sem saída. Com cada vez mais gente infectada, os hospitais ficam superlotados. Sem UTIs, a tendência é que aconteça cenário semelhante ao vivido no Amazonas em janeiro, quando dezenas de pessoas morreram por falta de oxigênio.

Daí a importância de se restringir a circulação de pessoas por pelo menos 15 dias. Só assim será possível conter a escalada de novos casos e desafogar as UTIs, hoje abarrotadas. Parece não haver outra matemática possível. Com ou sem Fla x Flu.

* Marcelo Tokarski é sócio-diretor do Instituto FSB Pesquisa e da FSB Inteligência

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