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Como tentar vencer uma eleição sem precisar ter votos

Coluna semanal do analista Márcio de Freitas comenta os temas mais debatidos entre os poderes em Brasília

Donald Trump (Carlos Barria/Reuters)

Mariana Martucci

Publicado em 12 de novembro de 2020 às 20h59.

Ao pedir a interrupção da contagem de votos na primeira noite da apuração da eleição nos Estados Unidos (quando ainda vencia), o presidente Donald Trump deixou momentaneamente sem piadas o Porta dos Fundos e eliminou qualquer tirada criativa do Sensacionalista. O gesto acusou a virada da contabilidade que se seguiria dias depois e consolidaria a liderança do candidato democrata Joe Biden, hoje virtualmente eleito. O republicano tentou ganhar sem ter votos suficientes para levar o colégio eleitoral, onde foi vitorioso quatro anos atrás apesar de perder na votação popular para Hillary Clinton. Desta vez, fracassou.

Entre as vias paulistas do Tietê ao Pinheiros também se buscou marginalizar pesquisas eleitorais e interferir nos resultados da eleição municipal deste ano na capital. Sondagens desse tipo são alvo preferencial daqueles que estão atrás ou caem em vertigem nas aferições de intenção de voto. O candidato Celso Russomanno (Republicanos) tentou impedir a divulgação do Datafolha, onde os seus números seguem trajetória de queda - como registrado em outros anos. O objetivo do candidato foi tentar manter o consumidor eleitoral com esperança de não perder seu voto e acabar migrando para outro candidato com candidatura de maior viabilidade.

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Candidatos sem voto suficiente para vencer podem recorrer a artifícios para tentar ganhar - seja mentir em debate, desqualificar as pesquisas ou virar o jogo na Justiça. Nem sempre conseguem. Falham porque números são insensíveis aos seus apelos. No Brasil, as urnas eletrônicas revelam com tamanha rapidez os resultados que destroçam as lágrimas de crocodilo dos derrotados, com uma eficiência de colocar os EUA na classe de país subdesenvolvido eleitoral.

O filósofo Arthur Schopenhauer escreveu pequena obra com estratagemas para vencer um debate sem precisar ter razão. Disseminou a dialética erística, ou como inserir malícia no debate filosófico. Trump não deve ter lido a versão brasileira prefaciada e comentada por Olavo de Carvalho - cuja prática, na apresentação do livro, é relacionada com as mutações de Mr. Hyde e Dr. Jekyll…

O texto enumera subterfúgios para desviar a atenção dos fatos e mudar o centro da discussão para suas bordas. Trump fala de fraudes não encontradas em lugar algum e recorre à Justiça, por exemplo. Pato manco derrotado, atira acusações a esmo como se jogasse bolas de golfe na areia movediça. Sabe que perdeu o jogo, mas mantém a plateia interessada em saber como ele sairá dessa enrascada. Schopenhauer fala disso: se se percebe que será derrotado, deve-se falar de algo totalmente diferente.

Outro estratagema é provocar raiva no adversário. Ao perceber o efeito de uma investida, deve-se insistir na tática para manter a ira, pois se tocou no ponto fraco dele. A isso pode se somar a tentativa de encolerizar o adversário - Trump tentou fazer isso com Biden durante debate eleitoral, mas errou na mão e acabou vitimizando o adversário.

Passados dias, apurados votos, já se sabe que haverá recontagem por demanda advocatícia. Aqui e ali aparecem alertas sobre os riscos para a democracia, até porque Trump sacou acusações graves sem provas. O comportamento do presidente acabou censurado pela imprensa norte-americana, com cortes e interrupções em seus discursos transmitidos ao vivo.

A investida no Judiciário é incerta. Difícil imaginar que obterá resultado favorável. A força da tradição democrática já foi testada antes nos EUA. E passou em testes mais duros. O comportamento trumpiano pode despertar a ira contra ele mesmo até em parcelas que o apoiaram… até agora uns poucos republicanos discordaram dele buscando manter as instituições democráticas preservadas.

É difícil imaginar Trump mudado ao final desse episódio. Ele tenta manter a plateia atenta aos seus próximos movimentos, jogando para um futuro tão mais incerto quanto os recursos judiciais para mudar o resultado da eleição. É um apresentador de programa demitido do maior canal do mundo, a Casa Branca.

No Brasil das eleições municipais, assistiremos críticas e ataques às pesquisas e aos resultados, até questionando as isentas e imparciais urnas eletrônicas. Políticos derrotados sempre encontram a explicação para o resultado culpando terceiros. E sempre há um recurso final para se apelar.

“Quando percebemos que o adversário é superior e que acabará por não nos dar razão, então nos tornamos pessoalmente ofensivos, insultuosos, grosseiros. O uso das ofensas pessoais consiste em sair do objeto da discussão (já que a partida está perdida) e passar ao contendor, atacando, de uma maneira ou de outra, a sua pessoa”, ensina Schopenhauer. Biden, o eleitor ou o Datafolha podem ser os alvos.

Mesmo quem nunca o leu, por vezes, segue seus conselhos como se tivesse decorado o texto. Uma pena, existem livros de filosofia muito melhores no mercado.

*Analista Político da FSB

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