Metaverso revela um campo infinito de possibilidades dos chamados VR fitness (MR.Cole_Photographer/Getty Images)
Bússola
Publicado em 12 de dezembro de 2021 às 16h30.
Por Mia Lopes*
Edilene é uma mulher negra, gorda, periférica e acabou de receber do médico um aconselhamento de que precisa praticar atividade física. Ele sugeriu que ela entrasse em uma academia.
Ela volta pra casa triste com a ideia de ter que encarar uma academia. Tempos depois Edilene vai fazer sua inscrição e é recebida por uma recepcionista magra, branca que explica preços, planos e horários de funcionamento. Enquanto a recepcionista fala, Edilene observa silenciosamente aquele lugar e não consegue imaginar-se a li.
Após fazer a sua matrícula, Edileide compra uma legging e encara o desafio com profundo desprazer. Já na academia entre “tá pago” e “no pain no gain” o corpo gordo acompanhado da pele escura de Edilene a torna literalmente um “corpo estranho”.
O instrutor sem empatia, deduz que ela quer emagrecer colocando Edilene para fazer 40 minutos de esteira, tempo suficiente para que ele fique livre do “estorvo” e possa verdadeiramente dar atenção às gatinhas saradas da academia. Edilene existe, eu já fui uma e em todo Brasil existem várias mulheres que sofrem só com a ideia de ter que ir para uma academia.
E o que faz a academia ser tão hostil assim?
Eugen Sandow, era apelidado de aristocrata dos músculos, conhecido como o pai da força, ele inventou aparelhos para a prática e aperfeiçoou outros já existentes. Sandow formulou cursos de ginástica seguindo os princípios da musculação.
Esse homem branco ajudou a forjar um padrão que mais a frente foi utilizado para perpetrar uma eugenia do pseudo corpo saudável (branco e sarado). As academias foram feitas para Eugenes e não para Edilenes.
O primeiro contato com a atividade física do ser humano surge através da ludicidade. Queimada, pega pega, amarelinha, bate lata, pular elástico, fura pé… Na infância mexer o corpo é brincadeira. São atividades lúdicas que nos conectam com a consciência corporal e com o movimento.
E se Edlene pudesse brincar de queimada na sala de casa? No Brasil, a empresa Hado conseguiu unir esportes com a cultura geek/gamer e utilizando a realidade aumentada dinamizou um velho conhecido dos esportes de quadra: a queimada/baleado. Basta colocar um óculos de realidade virtual aumentada e qualquer pessoa poderia ser transportada para uma quadra e mergulhar no mar de ludicidade.
O metaverso é uma espécie de mundo virtual 3D, mas o que parece brincadeira revela um campo infinito de possibilidades dos chamados VR fitness — Realidade Virtual Fitness. Com essa tecnologia, dança, mountain bike, tênis, boxe, vôlei e uma série de esportes podem ser praticados em casa, sem que Edilene tenha que enfrentar o ambiente hostil, superficial e competitivo de uma academia. Tudo isso atrelado ao grupo do trabalho ou a um grupo de amigos.
A interação entre o virtual e o real é a grande característica do metaverso. Você deixa de ver o conteúdo para estar dentro do conteúdo. O jogo Fortnite da Epic Games é um bom exemplo de interatividade, nele é possível que shows virtuais aconteçam dentro da plataforma,com venda de ingressos e interação entre os playes. Já pensou? Eu, você e Edilene pedalando na orla de Copacabana, enquanto isso Veveta faz um show à beira mar? Não rir, porque isso é bem possível.
A diferença é que ao invés de comprar uma legging na loja física, Edilene poderia comprar sua skin dentro do mundo virtual. A Nike, por exemplo, criou o seu próprio mundo virtual na plataforma de games online Roblox. O nome é “Nikeland”, e permite que os players possam equipar seus avatares com produtos da marca em sua versão digital e interagir com jogos esportivos gratuitos, entre eles natação e atletismo.
Agora vamos despertar do sonho e encarar uma dura realidade? Existe um longo caminho para que tudo isso chegue até Edilenes. Antes é preciso combater a desigualdade digital e promover a democratização do acesso à banda larga e a tecnologia.
Enquanto estamos aqui falando de metaverso, skin, realidade virtual existem pessoas que não sabem o que é Pix, que não tem um aparelho de celular ou internet para fazer uma operação dessas.
Qualquer empresa que tiver surgindo agora e quiser mergulhar de cabeça nesse universo precisa pensar em como promover diversidade e inclusão. É comprovado que a periferia consome, dita tendência e movimenta a economia.
Democratizar o acesso ao esporte através do metaverso é ajudar a desconstruir a visão deturpada de que a academia é o único ambiente para prática de uma vida saudável, atrelado a dor e sacrifício.
Quem quiser vender para Edilenes vai ter que ensinar o BÊ+a=Bá ou vai continuar criando brinquedos incríveis para os amiguinhos do playground.
*Mia Lopes é jornalista, fundadora do Afro Esporte
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