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Com 11.000 Km de costa, Brasil precisa proteger seus mares e explorar potencial náutico 

Turismo e indústria náuticos podem gerar empregos, impactar a economia e garantir a preservação do mar de oportunidades que banha as costas brasileiras

Em seu artigo, CEO da BR Marinas afirma: “Não temos mais tempo a perder. Precisamos nos unir na defesa do nosso litoral”. (Hiroshi Watanabe/Getty Images)

Em seu artigo, CEO da BR Marinas afirma: “Não temos mais tempo a perder. Precisamos nos unir na defesa do nosso litoral”. (Hiroshi Watanabe/Getty Images)

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Publicado em 11 de dezembro de 2023 às 09h00.

Por Gabriela Lobato Marins*

Uma garrafa PET foi notícia recentemente. Encontrada na Baía de Guanabara por pescadores de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a embalagem plástica intacta de dois litros de refrigerante pertencia a um lote comemorativo da Copa do Mundo de 1998. Além de trazer no rótulo caricaturas dos jogadores brasileiros que perderam o campeonato para a França naquele ano, o recipiente carregava ainda uma mensagem subliminar: precisamos urgentemente cuidar dos nossos mares e das nossas águas.

Uma garrafa como esta leva cerca de cinco séculos para se decompor. Se olhássemos de popa para esse tempo, seria como testemunhar o descobrimento do Brasil e encontrar, nos dias atuais, utensílios jogados pelos portugueses do alto das suas caravelas. O país que nasceu do mar parece estar de costas para essa imensidão e não se dá conta do potencial que existe na sua costa. Temos quase três centenas de municípios banhados pelo Atlântico e distribuídos em 11 mil quilômetros de curvas e longas praias. Apesar desse latifúndio, o turismo náutico representa apenas 0,12% do PIB brasileiro.

Olhar para o que despejamos nos mares, rios e lagos todos os dias é o primeiro passo que precisamos dar. Um estudo inédito, encomendado pelo Blue Keepers, projeto ligado à Plataforma de Ação pela Água e Oceano do Pacto Global da ONU no Brasil, revela que cada brasileiro pode ser responsável por poluir os mares com 16 quilos de material plástico por ano. São 3,44 milhões de toneladas sujeitas ao escape para o ambiente no país. Traduzindo, isso quer dizer que um terço do plástico aqui produzido corre o risco de chegar ao oceano todos os anos. Estamos contaminando e destruindo um dos nossos maiores tesouros.

Avanços e potencial da indústria náutica

Além de proteger o meio ambiente, algo fundamental e inquestionável para a humanidade, temos que unir as diferentes esferas de governo na busca por políticas públicas de incentivo ao turismo náutico. O mar é mais do que um provedor de alimento e de energia, é fonte de encantamento, lazer, proteção, um meio de transporte rápido e seguro entre muitas outras possibilidades de ganhos econômicos. Precisamos sair do modo extrativista e passar a adotar ferramentas inteligentes de exploração sustentável das águas.

Aos poucos as transformações começam a ocorrer. Passamos a enxergar o mar de outra forma durante a pandemia. Com as restrições de circulação impostas, o Brasil parece ter acordado para o Oceano Atlântico. O afastamento social fez com que muitos buscassem a segurança da vida a bordo seja comprando, compartilhando, alugando embarcações ou simplesmente realizando curtos passeios. Dados da Acobar (Associação Brasileira dos Construtores de Barcos e seus Implementos) mostram que o Brasil vem crescendo na indústria náutica em torno de 25% ao ano, desde 2020. O faturamento deste mercado gira próximo de R$ 2,5 bilhões e tem potencial para muito mais. Mais receita e mais empregos. 

Como o setor não usa robôs para a produção de embarcações, todo aumento de demanda se reflete em vagas de trabalho. A indústria náutica gera, em média, sete empregos durante a construção de cada barco. Um benefício que se estende ao mar: na água, cada lancha ou iate oferece entre duas e quatro vagas permanentes; dependendo do seu tamanho. O potencial de impacto, segundo a Acobar, é de mais de 120 mil postos de trabalho. 

Como preservamos o mar e o utilizamos de forma sustentável

O turismo científico também tem aumentado, adotando sempre os cuidados necessários para a proteção do ecossistema. Palestras recentes realizadas na Marina da Glória, um dos cartões-postais do Rio, reuniu centenas de especialistas, marinheiros e apaixonados pelo mar para discutir e chamar atenção sobre como proteger baleias-jubarte e outros cetáceos que frequentam as águas do Atlântico Sul, já que a costa do Rio de Janeiro desempenha cada vez mais um papel fundamental no ciclo de vida e no aumento da população destes animais com possibilidade de avistamentos frequentes. O encontro fomentou a discussão sobre como realizar de maneira sustentável o imenso potencial para o ecoturismo marinho no estado, proporcionando encontros seguros e inesquecíveis entre esses enormes animais e o homem.

No litoral de São Paulo, outra iniciativa estimula a ação da população nos cuidados. Pescadores que trazem o lixo recolhido acidentalmente por suas redes são remunerados com vales alimentação que variam entre R$ 100 e R$ 600 em Ubatuba, Cananéia e Itanhaém. Uma ideia que pode inspirar outras cidades, outros estados, outros países. Já no Rio de Janeiro, as medidas adotadas pela concessionária Águas do Rio, que assumiu em 2021 o saneamento de 27 cidades, incluindo as Zonas Sul, Norte e Central da capital, fizeram com que mais de 40 milhões de litros de esgoto deixassem de ir diariamente para a Baía de Guanabara. A meta da concessionária é criar nos próximos três anos um cinturão de proteção na Baía.

O Brasil ainda tem um longo caminho, mas já apresenta avanços significativos

Aos poucos, governos começam a despertar para o enorme potencial econômico do mar. Sede do São Paulo Boat Show, maior vitrine náutica da América Latina que em 2023 gerou mais R$ 500 milhões em negócios, o Estado de São Paulo recentemente anunciou a oferta de R$ 4 bilhões em um novo programa de crédito para incentivar o turismo náutico, com criação de infraestrutura voltada ao setor. A expectativa é que o número de turistas de 13 municípios passe de 1,6 milhão para 6 milhões em dez anos. Um crescimento que deve impactar a economia em mais de R$ 2,5 bilhões.

Outra conquista vai além das nossas fronteiras. A excelência dos nossos produtos está ganhando o mundo. Em 2022, pela primeira vez, as exportações de iates superaram as importações. São modelos Made in Brazil navegando, por exemplo, na costa da Europa e dos Estados Unidos.  Em números, esse movimento significa que as exportações do setor bateram recorde no ano passado, somando US$ 30,1 milhões, um valor quase quatro vezes superior às importações (US$ 7,6 milhões). 

Temos ainda uma longa trajetória pela frente. Precisamos, por exemplo, investir na capacitação de mão de obra especializada para trabalhar nos estaleiros, nas oficinas e a bordo. Outra vertente que necessita de atenção é a construção de roteiros turísticos, com uma rede eficiente de atendimento náutico por toda a costa brasileira, inclusive com a instalação de rampas públicas para barcos. Desta forma, além de atender o turista nacional, voltaríamos a atrair iates de bandeiras estrangeiras. Um perfil que exige que a moldura das belas paisagens que já oferecemos seja a excelência no atendimento. 

É urgente que entendamos, governos, empresários e sociedade civil, a mensagem enviada por aquela garrafa PET. Não temos mais tempo a perder. Precisamos nos unir na defesa do nosso litoral, das nossas águas em geral, porque delas emergem vida, beleza e também recursos financeiros.

Gabriela Lobato Marins é CEO da BR Marinas

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