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Caso Jade Picon: É legítimo ou não atuar em novela sem registro?

Em regra, toda pessoa é livre para exercer qualquer trabalho, ofício ou profissão; é igualmente livre qualquer forma de expressão da atividade artística

Jade Picon está cotada para o elenco de "Travessia", próxima novela Globo (Globo/Fábio Rocha/Divulgação)

Jade Picon está cotada para o elenco de "Travessia", próxima novela Globo (Globo/Fábio Rocha/Divulgação)

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Publicado em 20 de maio de 2022 às 15h02.

Por Paulo Nonato*

A divulgação de que a ex-BBB Jade Picon está cotada para fazer parte do elenco de "Travessia", próxima novela de Gloria Perez na TV Globo, movimentou os bastidores do mundo artístico, e também a internet, ao longo da última semana. A discussão gira em torno da possibilidade de que uma pessoa seja contratada por uma emissora de televisão para atuar em novela sem a respectiva habilitação perante o sindicato da categoria. Mas afinal, o que diz o Direito?

Em regra, toda pessoa é livre para exercer qualquer trabalho, ofício ou profissão. É igualmente livre qualquer forma de expressão da atividade artística. Tratam-se de direitos fundamentais previstos no art. 5º, incisos IX e XIII, e art. 215, caput, da Constituição Federal.

É também verdade que a própria Constituição determina que o exercício profissional deve atender aos requisitos de qualificação eventualmente estabelecidos em lei.

Nesse sentido, a Lei 6.533, de 1978, exige a apresentação de diploma em curso superior ou de certificado de capacitação fornecido pelo sindicato da categoria para a obtenção do registro profissional de artista ou de técnico em espetáculos de diversão, havendo exceções de caráter temporário. Naturalmente, a exigência prevista em lei goza de presunção de constitucionalidade.

Entretanto, seria essa exigência compatível com a Constituição Federal no que diz respeito à liberdade profissional e à liberdade de expressão artística? É o que deverá ser enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito da ADPF 293, proposta em 2013 pela Procuradoria Geral da República.

Em 2009, o STF enfrentou tema semelhante, tendo considerado que a exigência de diploma de curso superior para a prática de jornalismo não estaria autorizada pela ordem constitucional (RE 511.961/SP).

Na ocasião, o STF considerou que os requisitos de qualificação profissional somente poderiam ser exigidos daquelas profissões que, de alguma maneira, podem trazer perigo de dano à coletividade ou prejuízos diretos a direitos de terceiros, tais como a medicina e demais profissões ligadas à área de saúde, a engenharia, a advocacia e a magistratura, entre várias outras.

Em 2011, o Supremo tratou de questão ainda mais equiparável a do ator ou atriz de novela, ao decidir pela inconstitucionalidade de exigências de qualificação e registro impostas para o exercício da profissão de músico, tendo em vista a inexistência de qualquer risco de dano social decorrente de tal atividade (RE 414.426/SC).

Segundo a relatora do caso, ministra Ellen Gracie, “as exigências de cunho formal não podem servir a um grupo, não podem se prestar à reserva de mercado, só se justificando a imposição de inscrição em conselho de fiscalização profissional, mediante a comprovação da realização de formação específica e especializada, nos casos em que a atividade, por suas características, demande conhecimentos aprofundados de caráter técnico ou científico, envolvendo algum risco social”.

Prestigiou-se, nas duas hipóteses, a liberdade profissional e a liberdade de expressão. Afinal, não parece ser razoável e nem proporcional que o exercício de tais atividades seja restringido, senão em razão de interesses sociais relevantes. Desde então, o STF reiterou em diversas ocasiões este mesmo entendimento.

No caso dos artistas de espetáculos de diversão, por coerência, devem ser adotados os mesmos critérios, o que provavelmente resultará no reconhecimento de que a referida atividade prescinde de qualquer requisito de qualificação, imposto por lei, para o seu exercício, o que não significa qualquer desprestígio ou demérito à profissão.

Salvo melhor juízo, não parece ser a exigência de um diploma de curso superior ou de um certificado de capacitação técnica, concedido por um órgão de classe, que garantirá o prestígio de uma determinada profissão, mas sim o valor – não necessariamente econômico – que tal atividade gera de retorno para a sociedade.

Uma ressalva final: a atividade dos profissionais técnicos de espetáculos que realizam o manuseio de equipamentos e estruturas complexas, envolvendo riscos de acidentes e incêndios, é um caso à parte, que justifica um tratamento diferenciado, justamente à luz dos critérios já estabelecidos pelo STF para avaliar a constitucionalidade dos requisitos de qualificação profissional impostos por lei.

* Paulo Nonato é advogado do escritório Raphael Miranda Advogados

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