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Carola Matarazzo: elevar a confiança na filantropia para mudar o país

Formação de alianças por propósito filantropo vem na direção de promover a mudança estrutural, com a consciência de que a união resolverá os problemas

Filantropia: doações ajudaram as entidades a sobreviver e ajudar a sociedade no meio da crise (Manusapon Kasosod/Getty Images)

Filantropia: doações ajudaram as entidades a sobreviver e ajudar a sociedade no meio da crise (Manusapon Kasosod/Getty Images)

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Publicado em 29 de junho de 2022 às 12h00.

Última atualização em 29 de junho de 2022 às 13h05.

Por Carola Matarazzo*

Acredito que a filantropia representa uma ferramenta potente que temos em mãos para a construção de uma sociedade mais justa. Acredito que precisamos do engajamento entre a sociedade civil, empresas e governos de forma coordenada, e que a filantropia estratégica é um dos caminhos de financiamento para a transformação social que almejamos. Em meio à tarefa de estabelecer parcerias, de engajar investidores e de aumentar o impacto social, há olhares diferentes na relação de confiança entre integrantes do ecossistema filantrópico.

Um primeiro tema que podemos abordar é a relação de confiança entre organizações da sociedade civil e as maneiras colaborativas de formar esse elo. Nesse ponto, temos de ter em mente que o mundo enfrenta problemas complexos que necessitam, muitas vezes, de soluções igualmente complexas. São situações que não conseguimos mudar do dia para noite, mas que precisamos enfrentá-las, planejando e executando ações estratégicas e coordenadas, pensando no longo prazo.

A formação de alianças por propósito vem na direção de promover a mudança estrutural, com a consciência de que os grandes desafios não serão resolvidos por apenas uma organização específica. A “união” e a “colaboração” são palavras poderosas, que também poderíamos chamar inteligência coletiva.

A confiança entre as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) tem a força de impulsionar parcerias flexíveis e eficientes, refletindo nas atividades desempenhadas, ou seja, mais gente sendo beneficiada. E, ao longo do andamento dos trabalhos, uma organização também vai aprendendo com a outra, aumentando os níveis de entendimento e de credibilidade, tornando a aliança mais sólida.

Agora, quando olhamos a relação com o investidor, temos de levantar um ponto que, mesmo em meio a tantas crises emergenciais, não pode ser esquecido: é essencial que o apoiador também direcione o investimento social para que cada (OSC) possa atingir o seu objetivo, para que ela se fortaleça, e que não fique limitada a ações pontuais. Quando as instituições são apoiadas (e não apenas seus projetos), elas passam a ter maior chance de crescer e de inovar, para mudar as realidades das regiões onde atuam.

O que vimos durante a intensa onda de frio em São Paulo? Muitas pessoas procuraram ajudar projetos que prestaram apoio imediato à população em situação de rua. Passando o frio, a solidariedade não pode parar. Se a sociedade mantiver de maneira recorrente o apoio às organizações que têm como finalidade promover acolhimento, moradia, saúde, geração de empregos e educação, por exemplo, estaremos no caminho para que, no futuro, um projeto pontual de distribuição de cobertores não seja mais necessário.

Essa confiança depositada nas organizações, que têm experiência e que entendem dos desafios locais, para elas lutarem pelas suas causas, de forma estrutural, ajuda a tornar o terceiro setor muito mais forte e resiliente, inclusive para atuar em problemas emergenciais quando for necessário.

Um outro assunto, quando falamos em confiança na filantropia, é referente ao acompanhamento dos projetos, desde a demanda que o financiado apresenta até o momento de prestação de contas. A intenção de que o auxílio seja aplicado da melhor forma não pode significar uma burocracia excessiva que beire um microgerenciamento e que trave as ações.

Grandes nomes da filantropia, como Melinda French Gates e Mackenzie Scott, ganharam os holofotes não apenas pelos valores doados, mas também por suas atitudes e pelas abordagens, baseadas na confiança com parceiros. Elas decidiram deixar que as organizações apoiadas tomem as próprias decisões sobre o que fazer com as doações recebidas.

Em sua carta de compromisso com o pacto The Giving Pledge, Melinda afirmou que sempre procurou se orientar por dados e estatísticas e que buscou traçar metas e avaliar o progresso feito. No entanto, ela ressaltou ter aprendido ser igualmente importante confiar nas organizações parceiras e deixá-las definir o avanço das ações. Ela continuou pontuando que “os filantropos geralmente ajudam mais o mundo quando estão atrás de um movimento do que quando tentam liderar um”.

É claro que não dá para falar de confiança se você mal conhece a organização que vai financiar. Até chegar a uma posição como essa, foi preciso certamente um gigante trabalho anterior no qual se estabeleceu uma ótima relação entre as partes. Um caminho muito longo foi percorrido para atingir um nível tão elevado de credibilidade que levasse o investidor a agir assim.

Nesse mesmo sentido, li um post de Mackenzie Scott em que ela ressalta, primeiro, a confiança que tinha no histórico de impacto e no discernimento das equipes selecionadas que atuavam diretamente nas comunidades. A partir dessa credibilidade gerada, ela fazia a doação e depois saía do caminho das equipes, “incentivando-as a gastar o dinheiro da maneira que escolhessem”.

Para chegar a esse formato, não houve mágica, mas sim muito trabalho das organizações sociais. Por isso, não podemos criar mitos em cima da proposta. Acredito que quanto maior for o conhecimento da sociedade brasileira sobre a atuação séria e transparente desempenhada pelas instituições no país, maior será a confiança conquistada. Esse é um caminho a seguir.

*Carola Matarazzo é diretora-executiva do Movimento Bem Maior

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