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Carla Madeira: Tudo É Rio e tudo é sucesso

Escritora recordista de vendas conversa com a Bússola Play; nesta primeira parte fala sobre seu mais importante livro e sua “fórmula” de escrever

(Redes Sociais/Reprodução)
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Bússola

Publicado em 27 de agosto de 2022 às 16h00.

Por Danilo Vicente*

 

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Carla Madeira é um sucesso. Há dois anos, o seu “Tudo É Rio”, publicado pela editora Record, está na seleta lista dos livros brasileiros de ficção mais vendidos. Em 2021 e 2022, a obra vem dividindo com Torto Arado, de Itamar Vieira Junior (o mais vendido da categoria no Brasil), a atenção de leitores e críticos. Carla é sucesso com seu livro, mas não só isso. Nome forte da publicidade em Belo Horizonte, a autora divide seu tempo entre a Lápis Raro, agência que criou em 1987, e a carreira de escritora.

“Tudo É Rio” é um relançamento da Record. Originalmente, foi publicado em 2014 pela editora mineira Quixote. Na nova casa, Carla lançou também “Véspera”, seu terceiro livro. Até novembro, chega às livrarias de todo o território nacional “A Natureza da Mordida”, o segundo. Esta inversão de lançamentos é explicada por ela na conversa que tivemos.

Os três livros são tão marcantes que resolvi separar esta entrevista exclusiva em três partes. A primeira tem o depoimento de Carla sobre sua “fórmula” de escrita e um justo reconhecimento à Publicidade. E, claro, percepções sobre seu mais importante livro até agora (ela já começou a escrever o quarto).

Nas próximas colunas trarei o que falamos sobre “A Natureza da Mordida” e “Véspera”, além de projetos futuros.

“Tudo É Rio” tem três personagens principais: a prostituta Lucy, que adora sexo, e o casal Dalva e Venâncio, cuja vida é marcada por uma desgraça, uma tragédia daquelas de paralisar o leitor. Paralisar o leitor e a escritora, porque Carla ficou 14 anos amadurecendo o que fazer após colocar no papel o fato aterrador. Depois de casamento e filho, retomou e finalizou a escrita em oito meses.

Bússola: Como está sua vida com a Lápis Raro e a escrita?

Carla Madeira: Comecei a escrever muito no meu tempo. Encerrava meu dia na Lápis Raro e deixava o trabalho para trás ao chegar em casa. A escrita vinha à noite ou no fim de semana e aproveitava os momentos livres. Teve situação de escrever em set de filmagem. Os dois primeiros livros funcionaram muito assim. Escrever é como eu gosto de passar meu tempo. Não sinto como um trabalho. Trabalho sempre foi na agência. A escrita, a música e a pintura sempre foram o que gosto muito. Gosto mais disso do que ir para um bar, por exemplo.

Quando veio a pandemia, estava escrevendo “Véspera”. Aí sofri. Saí da escrita exausta, porque misturou, já não tinha mais o ritual de largar um ambiente físico do trabalho e ir para outro, para outro computador. Em dez dias, tivemos de colocar 90 pessoas em casa trabalhando à distância, foi um período de muito aprendizado, de nova maneira de trabalhar. Muita insegurança e angústia. E veio a perda de ritual, que foi significativa.  Terminei pensando em ficar um ano sem escrever.

Bússola: Agora veio a fama. Como está a rotina?

Carla Madeira: Não sou uma famosa muito atenta para isso. Não estou profissionalizada neste lugar. Dou meus retornos do jeito que eu posso. Depois que fui para a Record, tenho um assessor de imprensa que me ajuda, tenho uma agente literária que cuida de muitas coisas. Fico ainda muito focada na gestão de meu tempo. Para mim é muito importante preservar o espaço da literatura como um espaço que não vire a loucura da agência.

Bússola: Seus três livros, que li fora da ordem, têm estruturas diferentes. Por quê?

Carla Madeira: “Tudo É Rio” foi transbordamento. Tanto que os oito meses que gastei escrevendo, depois dos 14 anos que passei “amadurecendo”, foram muito do jeito e na ordem que o leitor lê. Era quase uma respiração a troca de situações. Os afastamentos e as aproximações eram quase que viscerais. Eu precisava disso, como se eu esgotasse o meu ar naquele personagem,  e ir para outra coisa fazia eu respirar novamente. Foi algo bem orgânico, como uma respiração.

Bússola: E os personagens? Além dos principais serem muito marcantes, seus livros têm secundários que ficam na memória. As pessoas te abordam sobre eles?

Carla Madeira: Muito. A Aurora (mãe de Dalva, que a ensina sobre amor, especialmente em uma carta de perder o fôlego) de “Tudo É Rio”, por exemplo, as pessoas adoram. Ela e o padre Tadeu, de “Véspera”. São personagens que estão ali para abalar as certezas, mesmo que com passagens curtas. Têm importância estrutural. Ambos se parecem.

Bússola: Como é sua “fórmula” para escrever?

Carla Madeira: Eu me aproximei da palavra com a música. Com oito ou nove anos ganhei um violão. Passei minha adolescência, até os 23 anos, agarrada a um violão. Minha grande paixão era o lançamento de discos vinis: Chico Buarque, Caetano Veloso, Clube da Esquina, os sambistas. Pegava os encartes e ficava louca com as músicas novas. Tinha muita expectativa com os lançamentos. Já vinha desta história, desta linguagem mais poética da música.

Quando fui para a faculdade,  fiz  Matemática, que eu gosto. Achei que ia funcionar, mas fiquei muito longe de todas estas linguagens: música, pintura, teatro. Com dois anos e meio, larguei e fui para Comunicação. E na Comunicação a gente tem uma proximidade muito grande da linguagem artística. Os publicitários são muito artistas. Têm um briefing, o que faz a diferença, mas, do ponto de vista técnico, são virtuosos. Na Lápis Raro faço direção de criação desde quando começamos. Tive muita facilidade na escrita, como publicitária. Fui redatora, fiz muito filme, anúncio, e fui dar aula de redação publicitária por uns três anos.

A publicidade é uma escola maravilhosa para texto. Tem de aprender a escrever em formatos rápidos, reduzidos, com muita síntese. E treinei muito isso. Não escreveria da forma que escrevo sem o treino que tive com a escrita publicitária.

Bússola: E em “Tudo É Rio”?

Carla Madeira: Quando comecei foi despretensiosamente. Estava com uma prosódia na minha cabeça, muito menos conteúdo e mais forma. De repente, escrevi, começando em outra parte, escrevi a história de Venâncio com o filho. E aquilo (a tragédia) me paralisou por anos, me abateu, não dei mais conta de continuar escrevendo. Depois de viver um casamento e ter filho, voltei. Foi algo despretensioso. Não pensei “vou escrever um livro”.

Carla não planejou “Tudo É Rio”, mas na sequência veio “A Natureza da Mordida”, em sua opinião seu livro mais difícil, em que ela descreve a passagem que mais adora em toda a sua produção. Semana que vem, continua.

*Danilo Vicente é sócio-diretor da Loures Comunicação

 

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