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Carga mental x carreira das mães: debate é urgente

O trabalho remunerado, para as mulheres, só pode acontecer porque há um trabalho de cuidado não remunerado sendo feito em paralelo

Ser responsável pela maior parte dos cuidados com a casa e a família rouba da mulher tempo, disposição e foco para se dedicar a outros interesses ou mesmo à carreira (KatarzynaBialasiewicz/Thinkstock)
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Da Redação

Publicado em 5 de maio de 2021 às 11h40.

Última atualização em 5 de maio de 2021 às 12h51.

Nesta semana que separa o Dia do Trabalho e o Dia das Mães, queremos propor uma reflexão sobre como a carga mental, que afeta as mulheres e mulheres-mães, interfere diretamente em suas chances de evolução na carreira. E como este é, sim, um tema que diz respeito a toda a sociedade.

Antes de seguir é importante esclarecermos o que é carga mental. O conceito dá nome a uma condição comum às mulheres e não é exclusividade dessa geração, infelizmente. Trata-se do trabalho de gestão, organização e de planejamento que é invisível, constante e inevitável e que costuma recair sobre as mulheres. O trabalho de cuidado do qual depende a sobrevivência, o bem-estar e a educação de outros. Essa responsabilidade, historicamente, fica a cargo das mulheres, levando-as à exaustão e à sobrecarga e gerando senso de desvalorização.

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Ser responsável pela maior parte dos cuidados com a casa e a família rouba da mulher tempo, disposição e foco para se dedicar a outros interesses ou mesmo à carreira. Não estamos falando que ela não tem competência, garra ou ambição, mas que chega ao mercado em condição desigual. Um exemplo simples: um executivo que é pai e precisa viajar tem muito menos empecilhos ou tomadas de decisões relativas à casa do que uma mulher quando precisa se organizar para se ausentar de casa por uns dias. Outra situação? São elas que precisam se desdobrar e reorganizar a agenda para encaixar o pediatra do filho. As tarefas de cuidado são invisíveis da baia para dentro. É o famoso: trabalhe como se não tivesse filho.

Um levantamento realizado pelo LinkedIn em fevereiro deste ano com 2.000 mulheres com idade entre 25 e 55 anos apontou que 44% nunca pediu aumento ou negociou uma promoção mesmo tendo certeza do merecimento. Não se sentiam à vontade para puxar essa conversa.

Ao analisar os dados, Ana Claudia Plihal, executiva de soluções de talentos do LinkedIn, comentou que isso era resultado de um ambiente construído por homens e para homens, ao qual as mulheres chegaram depois e ainda lutam para sentirem-se confortáveis, referindo-se à questão estrutural. Quando questionadas sobre a razão de não puxar essa conversa, as entrevistadas não tinham uma explicação lógica. Tratava-se de um padrão de comportamento, um viés inconsciente.

Para Ana Claudia, a pesquisa aponta três grandes elementos como os responsáveis por prejudicar a evolução da carreira da mulher: a questão estrutural, o viés inconsciente (da própria mulher com ela mesma, de quem recruta, de quem abre a vaga e desenha o perfil desejado, de quem comanda) e a carga mental.

É fundamental lembrar que o trabalho remunerado só pode acontecer porque há um trabalho de cuidado não remunerado sendo feito em paralelo. Em 2019, a população com 14 anos ou mais de idade dedicava, em média, 16,8 horas semanais aos afazeres domésticos ou ao cuidado de pessoas, sendo 21,4 horas semanais para as mulheres e de 11 horas para os homens. Como a distribuição de oportunidades pode ser mais equilibrada se a divisão de responsabilidades e tarefas da porta de casa para dentro é tão díspar e desproporcional?

A pesquisa do LinkedIn apontou a influência do viés inconsciente na manutenção do statu quo corporativo. Quer um exemplo de viés inconsciente? Vamos recorrer novamente a dados do LinkedIn. Uma pesquisa de 2018 descobriu que os recrutadores eram 13% menos inclinados a abrir um perfil feminino do que masculino quando se chegava a uma lista de candidatos para uma determinada posição. O susto vem agora: no Brasil, 73% dos recrutadores são mulheres. Mulheres discriminam mulheres. São crenças que datam da época em que às mulheres não era dada a opção de sair de casa para trabalhar.

Como é possível, mesmo cientes de que empresas com equidade de gênero são mais lucrativas, mantermos tão reduzido o espaço das mulheres no mercado de trabalho, perpetuando o dilema “carreira x maternidade” como se não pudessem coexistir?

A barreira para transpormos essa questão estrutural ficou ainda mais distante com a pandemia. Há uma série de pesquisas atuais e muito relevantes que mostram como a crise sanitária prejudicou ainda mais a situação da mulher no mercado de trabalho. É o caso da Pnad Contínua do IBGE, que mostrou que a presença feminina no mercado de trabalho foi de 45,8% no terceiro trimestre de 2020, o que nos fez voltar aos patamares de 30 anos atrás. Além das tantas demissões, muitas delas não enxergaram alternativa senão sair do trabalho ou reduzir a jornada para cuidar dos filhos enquanto as escolas permanecem fechadas ou em esquemas alternativos, com rodízio ou horário reduzido.

Também há pesquisas indicando que a pandemia agravou a exaustão e o esgotamento das mulheres. Com as três instituições reunidas dentro de casa — família, trabalho e escola —, não há horas suficientes no dia para cumprir tudo aquilo que disputa lugar na agenda da mulher, muito menos para o seu mínimo descanso. Hoje em dia, não se fala mais em jornada dupla, mas em jornada intermitente, em que a mulher só descansa quando dorme.

O confinamento escancarou ainda mais as desigualdades de gênero. Mas o problema precede a crise sanitária. Dados do Dieese de março de 2020 indicavam que mesmo quando ocupavam o mesmo cargo, havia diferença salarial de 29% entre mulheres em posição de diretoria e gerência e seus pares homens.

O debate é urgente. É preciso voltar os olhares para dentro, rever processos domésticos e repactuar as responsabilidades de cuidado (com a casa, os filhos, os parentes mais velhos) a partir de uma divisão mais equilibrada e justa. Às empresas, cabe conduzir campanhas de sensibilização para combater viéses inconscientes, romper com padrões sexistas e fortalecer suas políticas de equidade.

* Lia Abbud e Juliana Mariz são jornalistas e fundadoras do Fatigatis, c onsultoria sobre carga mental feminina e suas consequências que propõem estratégias em direção ao bem-estar

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