"É importante reconhecer as áreas de discordância, mas o feminismo é um movimento plural", afirma a articulista deste mês. (Hill Street Studios/Getty Images)
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Publicado em 4 de março de 2024 às 07h00.
Última atualização em 4 de março de 2024 às 17h31.
Por Fernanda Wolski*
Para eleger mais mulheres nessas eleições municipais será preciso encontrar maneiras de se comunicar efetivamente com eleitores conservadores. Mais especificamente, eleitoras. É inegável o recente progresso da pauta feminista em nossa sociedade, contudo, esse avanço também trouxe nos últimos anos uma disputa sobre gênero e o que significa ser feminista no imaginário coletivo.
O gênero desempenha um papel fundamental na construção da ideologia de direita contemporânea, onde existe um consenso em torno da ideia de que as diferenças físicas e biológicas entre homens e mulheres justificam a naturalização dos papéis sociais. Essa naturalização das disparidades de gênero é essencial para a visão de mundo da direita, especialmente da direita radical e ultrarradical, que defende a família tradicional como o alicerce de uma sociedade próspera. Para esse grupo, a valorização da mulher acontece quando assumem papéis tradicionalmente femininos, relacionados ao cuidado da família e resguardo pessoal. Em contraponto à essa construção estariam as feministas, ligadas às esquerdas progressistas e lidas como imorais e autoritárias.
Até aqui nada de muito novo. Porém, mais recentemente, lideranças da extrema-direita perceberam que precisam se esforçar para conquistar o voto das mulheres, especialmente das mulheres jovens. Dados da Gallup apresentados pela Financial Times mostram que, nos Estados Unidos, após décadas em que os sexos estavam distribuídos de forma mais ou menos igualitária entre visões de mundo liberal e conservadora, agora as mulheres com idades entre 18 e 30 anos são 30 pontos percentuais mais liberais do que seus contemporâneos do sexo masculino. Vale lembrar também que, nas eleições de 2022, as mulheres foram o grupo social que mais rejeitou a candidatura de Jair Bolsonaro.
Notavelmente, as direitas radicais são majoritariamente masculinas quando consideramos suas principais lideranças, o perfil de seu eleitorado e de seus militantes, mas observamos mais recentemente o crescimento de lideranças políticas de mulheres conservadoras no cenário brasileiro e global. Ainda engendradas nos papéis tradicionais de gênero, essas novas figuras se valem, porém, de um elemento de valorização da mulher relativamente novo: o empoderamento ligado à liberdade econômica e autonomia financeira.
Uma pesquisa representativa da sociedade brasileira apresentada no livro “Feminismo em Disputa”, das pesquisadoras Beatriz Della Costa, Camila Rocha e Esther Solano, apontou que, para 84% da totalidade da amostra, as mulheres devem receber os mesmos salários que os homens. Ainda, há um apoio majoritário (70%) entre as entrevistadas para que as brasileiras recebam auxílio para cuidar dos filhos em casa. Os pesquisadores também conduziram pesquisas com mulheres que votaram em Jair Bolsonaro em 2018 e descobriram que elas almejavam ser “mulheres empoderadas”, mas resguardando seu papel de mulher dentro da família, como mães e esposas.
Paralelamente, esse grupo de mulheres conservadoras apresenta uma rejeição ao feminismo associado pelas entrevistadas à imoralidade e à sensualidade exacerbada, bem como às táticas de choque empregadas por ativistas, como as vistas na Marcha das Vadias. Essa imagem de ativista radical, imoral e violenta é reforçada como significado de feminismo. Para elas, ser feminista significa ser contra os homens – o que ameaça a noção de família e nação. A imagem representativa dessa narrativa é encontrada no livro “Feminismo: perversão e subversão”, escrito por uma deputada estadual pelo PL-SC. A capa do livro traz a imagem de uma mulher segurando a cabeça de um homem na bandeja. No resumo, destaca-se o trecho que descreve o desenvolvimento histórico do feminismo até hoje como momento, “em que se vê ameaçada a civilização que nossos antepassados levantaram a peso de ouro e esforço de sangue".
Em outras palavras, ainda que não se reivindiquem feministas, as entrevistadas defendiam em muitos momentos a igualdade de direitos que o movimento postula. Impressiona notar que o surgimento da cultura anti-feminista logrou despolitizar conquistas dos movimentos femininos do século XX, como o acesso à cidadania política e a participação no mercado de trabalho, levando à crença de que o empoderamento das mulheres é principalmente determinado por suas habilidades e méritos individuais, em vez de ser influenciado por lutas sociais. Além disso, essa perspectiva permitiu que o conceito de empoderamento da mulher fosse adotado por movimentos e agendas que se opõem ao feminismo.
Esse texto dá pistas de como avançar em uma comunicação mais próxima para acessar as mulheres conservadoras e estabelecer um diálogo significativo nas eleições deste ano. O caminho para aumentar a representação feminina na política passa pela aproximação e pela identificação de pontos em comum, buscando uma coalizão de interesses compartilhados. É importante reconhecer as áreas de discordância, mas o feminismo é um movimento plural que abrange uma variedade de perspectivas e experiências.
*Fernanda Wolski é especialista em gestão pública, atua com estratégia eleitoral e Diretora de Articulação Política na Elas No Poder.
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