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Bússola Poder: democracia partida

Esta semana, Márcio de Freitas analisa o ato pela democracia que ocorreu no último dia 8 de janeiro

“Com o ato, Lula mantém mobilizado seu público progressista” ( Lula Marques/Agência Brasil)

“Com o ato, Lula mantém mobilizado seu público progressista” ( Lula Marques/Agência Brasil)

Márcio de Freitas
Márcio de Freitas

Analista Político - Colunista Bússola

Publicado em 12 de janeiro de 2024 às 07h00.

O ato do governo federal pela democracia no último dia 8 de janeiro manteve a divisão política nacional. Faltaram parte dos governadores, parlamentares e o presidente da Câmara, Arthur Lira. Faltou povo, mantido alienado pelas grades que ainda cercam o Congresso Nacional. Cada ausente apresentou sua justificativa para não endossar o movimento capitaneado por Lula III, que relembrava a destruição provocada, há um ano em Brasília, pelo ódio disseminado por manifestantes bolsonaristas.

Os ataques dos baderneiros foram classificados como atos de um golpe maior. Realmente os populares deixaram claro sua misocracia – o horror ao poder instituído, que foi encampado pela antipolítica durante os últimos anos. Negam legitimidade ao governo eleito e às regras democráticas: destruíram estátuas, relógios históricos, obras de arte, patrimônio de todos os brasileiros. O vandalismo mirou com isonomia Legislativo, Executivo e Judiciário.

Há um ano se investigam possíveis mandantes e chefes do movimento: pouco se avançou objetivamente além das conexões óbvias, ainda carentes de materialidade para classificar os atos insanos como um verdadeiro golpe, na acepção ampla da palavra. Foram presos milhares de representantes de grupos sociais que exercitaram seu bárbaro manifesto político, e autoridades que se omitiram na proteção da capital ou entraram em conluio com o sonhado movimento de uma noite de verão. A tão propalada organização golpista até agora não foi revelada no longo inquérito que investiga os crimes, com a hierarquia do golpe, quem ocuparia o poder e de que forma. Há muitas perguntas sem respostas.

Restou evidente que o Comando das Forças Armadas não bateu continência para o populacho rebelado na Esplanada dos Ministérios, nem para sujeitos ocultos que incentivavam quarteladas. 

Curiosidade: historicamente, os golpes brasileiros quase sempre preservaram os Palácios, seus confortos e alguns símbolos centrais – em tudo diferente da balbúrdia bolsonarista. Temos um patrimônio imperial até hoje justamente por isso. Até a ditadura de 1964 inovou, realizando eleições periódicas e controladas, com um cinismo sardônico que permitia a cassação de mandatos vez ou outra, quase sempre.

O dedo acusador do ato responsabilizou o ex-presidente Jair Bolsonaro, que cultivou genericamente durante seu mandato o permanente enfraquecimento das instituições e, em particular, do sistema eleitoral – usando até o incompressível questionamento ao código fonte que ele mesmo parecia não entender. Exercitou com êxito a instabilidade administrativa do início ao fim de sua gestão. Na política, fomentou a Congressocracia, deixando o poder centralizado no parlamento, enquanto se dedicava ao discurso que mantinha a separação entre “nós e eles” dentro do cercadinho limítrofe de sua oratória.

O melhor espantalho é aquele que mais se parece real. Ao rememorar a tragédia de 8 de janeiro, Lula mantém a imagem do espantalho vívida na memória de seu grupo de apoio e daqueles que se decepcionaram com os métodos violentos adotados pelos bolsonaristas. Lula exercita novamente o “nós contra eles”, fórmula simples que usou após chegar ao poder em 2003, criando a herança maldita de Fernando Henrique Cardoso. A ação política de dividir para governar permitiu o PT ficar no poder de 2003 a 2016.

O resgate da exibição do espantalho se justifica dentro da poligamia política engendrada na gestão de Bolsonaro, onde o Congresso conquistou mais autonomia e independência, enquanto o Palácio do Planalto ficou mais dependente do Poder Judiciário para equilibrar o jogo da governabilidade. Lula centraliza suas ações em seu espaço de ação mais restrito pela conjuntura política adversa que encontrou ao chegar ao poder. Ganhou, mas com o parlamento distante - mais conversador e liberal do que gostaria a esquerda progressista que tem como maior representante o próprio partido do presidente.

Com o ato, Lula mantém mobilizado seu público progressista. A oposição se esquivou da narrativa do governo e ficou distante. Há um grupo político partidário que observa, ainda apoiando o governo, os movimentos como demarcadores de uma tática eleitoral que já começa a se projetar para as eleições municiais deste ano, onde o PT e seus aliados históricos buscam manter a retórica de “nós contra eles”, enquanto buscam ganhar mais prefeituras. É projeto de poder pela via eleitoral. Mas encontrará resistência num Congresso que resistiu a Bolsonaro mesmo recebendo concessões de poder, e pode não se encantar com a oferta de papel coadjuvante eleitoral do projeto de Lula para as próximas eleições, pois significa abrir mão de expectativa de poder futuro.

E isso pode significar dificuldades políticas em votações para a agenda do governo federal no curtíssimo prazo.

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