Bitributação e informalidade de catadores são gargalos para reciclagem
Para consultor, Brasil só não recicla mais porque as pessoas ainda misturam o material com lixo comum
Bússola
Publicado em 26 de outubro de 2022 às 19h30.
Última atualização em 27 de outubro de 2022 às 20h12.
Após 12 anos da aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei Federal de 2010, o Brasil avançou bastante no quesito, apesar de diversas metas estabelecidas pela legislação não terem sido alcançadas. Esta é a opinião do consultor em desenvolvimento sustentável e reciclagem André Vilhena. Em conversa com a Bússola, o especialista assinala que, conforme as diretrizes, a responsabilidade deve ser compartilhada por governos — municipal, estadual e federal —, sociedade e empresas.
Vilhena avalia que o Brasil, apesar de estar longe do ideal, recicla bem mais que os dados oficiais apontam. "A coleta ainda é muito informal, liderada por grupos de catadores. A única forma de sabermos os números finais é na indústria de transformação, que é formalizada: papelão, alumínio, plástico", diz. De acordo com ele, 30% da fração dos resíduos sólidos secos urbanos são beneficiados, e não 2% a 4%, como mostram os números oficiais que se baseiam no volume recolhido por caminhões de prefeituras. "Deste percentual, 65% passam pelos catadores", afirma.
O papel desse grupo, aliás, é um dos gargalos a serem desfeitos para que o país avance. A figura do catador existe desde a década de 1960, mas ainda carece de reconhecimento e profissionalização, apesar de ser referência mundial. "Há quase 2 mil cooperativas de catadores. Seria o equivalente, na década de 1990, ao que chamamos hoje de startups. É um tripé: unem frente econômica, social e ambiental", diz.
Para o consultor, os catadores deveriam trabalhar de forma integrada à própria cadeia, dada a importância do profissional, ainda negligenciado por governos. "A cada tonelada de material recolhido pelas prefeituras, esse profissional recupera 10 toneladas", estima Vilhena ao ilustrar a representatividade da categoria para o funcionamento do sistema. "É preciso investir em formação, formalização, tecnologias de rastreabilidade e logística reversa", diz.
A parceria entre catadores e iniciativa privada é exaltada pelo especialista, pois oferece termos claros, possibilitando que ambas as partes tenham benefícios. "Durante a pandemia, por exemplo, a parceria garantiu que os catadores mantivessem fluxo de trabalho e renda, assim como as empresas foram atendidas", declara.
Fim da bitributação e redução da judicialização como incentivos
Sobre o papel da iniciativa privada, Vilhena identifica dois pontos que deverão ser enfrentados para que haja resultados ainda melhores na destinação de resíduos sólidos secos.
A resolução da bitributação, uma vez que uma empresa paga pela inserção de um material na cadeia e, novamente, no caso desta mesma unidade reinserida no mercado via reciclagem; e, em termos futuros, o investimento em desenvolvimento de embalagens que favoreçam a economia circular. "O conceito de design for environment ('projeto para o meio ambiente', numa tradução literal) torna-se cada vez mais urgente, pois pode ajudar a reduzir custos e facilitar a reciclagem dessa categoria de resíduo", afirma.
A responsabilidade pós-consumo é outro ponto indicado pelo consultor como delicado, uma vez que é compartilhada e as diferenças encontradas na legislação, que varia conforme a esfera pública, unidade da federação ou suas municipalidades, cria discrepâncias. "A tendência da judicialização em decorrência desta variação também gera questionamentos. O custo desse processo é alto e bastante negativo", diz Vilhena.
Despolitização da taxa do lixo
Para ele, outro ponto que prejudica o avanço da destinação de resíduos sólidos recicláveis no país é a politização do tema. "Há propostas de cobrar pelo serviço desta coleta de forma conjunta. Com o IPTU, por exemplo. Se cobrada em separado seria mais simples, mais fácil. Mas a politização — que tende a vedar cobranças de novas taxas — impede o avanço neste debate", diz.
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